As bolhas da política monetária
Há vinte anos que acompanho os mercados financeiros e durante este período não me recordo de alguma vez ter visto tanta complacência face ao risco como hoje.
Na minha opinião, a complacência é a consequência indesejada das políticas monetárias ultra acomodatícias que nos últimos anos têm vindo a ser seguidas pelos principais bancos centrais mundiais. Dir-se-á: os bancos centrais foram forçados a isto. No auge da crise, a ameaça era a de um cenário de deflação, ou de estagnação prolongada, pelo que entre dois males – combater deflação ou gerar inflação – os banqueiros centrais optaram pelo mal menor (gerar inflação). Nada a opor. Mas neste momento creio que está na altura de inverter a trajectória. Porque, apesar de a inflação que habitualmente é tida em conta pelos banqueiros centrais estar ainda dentro de patamares aceitáveis, a inflação que genericamente vamos observando nos mercados é cada vez maior. O risco de um abalo é, pois, real.
A política monetária ultra acomodatícia conduziu a uma tremenda subestimação do risco. Portugal, em particular, tem sido um grande beneficiário desta subestimação do risco. A República beneficia hoje de taxas negativas até prazos de três anos, e nos dez anos até paga um cupão inferior ao dos Estados Unidos da América. Porém, caro leitor, não resisto a perguntar-lhe: pagaria ao Estado português para lhe guardar o dinheiro durante três anos? Eu não! Ademais, entre as alternativas de investimento em Portugal, também o imobiliário, certamente em Lisboa (e em algumas zonas do Porto), constitui hoje a meu ver bolha especulativa. O rácio de preços face a rendimentos assim o sugere. O problema não é, contudo, exclusivo nosso. Também no segmento das empresas se sente, um pouco por todo o mundo, a euforia. Empresas que vão para a bolsa com valorizações de dezenas de milhares de milhões e que, no entanto, nunca deram um cêntimo de lucro. Empresas que se endividam em dezenas de milhares de milhões e que, no entanto, continuam a endividar-se. E ainda fenómenos como as “crypto” divisas que poucos verdadeiramente entendem e que, no entanto, valorizam de forma exponencial.
A complacência é o resultado do benefício da dúvida. E o benefício da dúvida resulta da ausência de rentabilidade de activos que hoje ou não dão nada ou estão sobrevalorizados. Mas enfim, como bem sabem, este vosso cronista é pelo mercado. E, portanto, é deixar o mercado funcionar, sendo que parte do seu normal funcionamento reside precisamente nos movimentos de correcção. Nada contra, bem pelo contrário. O problema é que, a cada dia que passa, o potencial de correcção vai-se acentuando por via de política monetárias que, em face do crescimento económico que se vai registando globalmente, deveriam ser retiradas, mas que não são. Os Estados Unidos e a zona euro são bons exemplos. Nos Estados Unidos, é verdade que as taxas de juro aumentaram qualquer coisa, mas o balanço da Reserva Federal permanece inalterado. E na zona euro, as taxas de juro mantêm-se em mínimos históricos mas, ainda assim, o Banco Central Europeu já sinalizou que irá reinvestir montantes entretanto reembolsados na aquisição de nova dívida.
A natureza contra cíclica das políticas é frequentemente defendida pelos decisores como forma de atenuar os movimentos cíclicos que as economias vão experienciando. Quando uma economia está em baixa, sugerem-se políticas orçamentais e monetárias expansionistas; quando uma economia está em alta, sugerem-se ao invés políticas restritivas. O problema é que, no dia-a-dia, o processo decisório é bastante diferente daquele que, segundo os manuais teóricos, deveria ser. Por isso, do mesmo modo que é extremamente impopular a adopção por parte de um governo de uma política orçamental restritiva (mesmo que a economia o justifique), também os bancos centrais revelam enorme dificuldade em retirar os estímulos monetários quando estes já produziram efeitos suficientes. Bem pelo contrário – qualquer pequeno abalo será motivo para reforçar os estímulos, porque uma hecatombe bolsista é o pior pesadelo que pode existir para um banqueiro central. A tomada de decisão torna-se assim enviesada e pró-cíclica, e as decisões difíceis vão sendo empurradas com a barriga. É, pois, nesta avenida que estamos. Que Deus nos livre de algum dia termos de resgatar os bancos centrais. Até lá, caros leitores, bons negócios. Não coloquem os ovos todos no mesmo cesto e invistam em coisas que entendam.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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