Não incidem sobre os portugueses!
Dada a carga de taxas e taxinhas, e de todo o tipo de impostos sobre factores de produção e sobre o consumo, a ideia de utilizar as empresas como saco de pancada fiscal parece-me estafada.
Na semana passada, a propósito dos três novos impostos europeus “propostos” pelo Governo português, falei-vos de ilusão fiscal. Hoje, na sequência das mais recentes afirmações do senhor primeiro-ministro sobre este assunto, manter-me-ei no mesmo tema. Para começar, primeiro ponto, faço notar que, afinal, de acordo com declarações de António Costa difundidas pela agência Lusa, a discussão sobre os três novos impostos “não é uma invenção do Governo português”, mas sim “um debate em curso na Europa, que está em aberto”. E, portanto, concluo que a ilusão não é apenas fiscal; há aqui também uma ilusão de liderança. Segundo ponto: constatar a garantia do primeiro-ministro quando este afirma [que] “Os impostos que têm vindo a ser falados não são propriamente impostos que incidam sobre os portugueses. Não incidirão sobre os portugueses certamente a taxação sobre as multinacionais norte-americanas que exploram o espaço digital da UE, e os impostos sobre as grandes transações financeiras não incidem naturalmente sobre os portugueses, mas sobre quem faz essas transações financeiras”. Ainda bem. Assim, podemos ficar todos mais descansados…ou não.
O facto de o primeiro-ministro se sentir na necessidade de justificar o porquê do debate quando este já está em curso diz bem de como está a perder o argumento. Ele e todos os outros que o acompanham nesta matéria. Não surpreende que assim seja porque, em matérias orçamentais, o recurso a um imposto já existente é quase sempre preferível a um novo imposto (an old tax is a good tax). É isso que nos diz James Buchanan no seu “Public Finance in Democratic Process”, ao qual regresso esta semana para afirmar que o caminho escolhido pelos primeiros-ministros da União Europeia (UE) a fim de aumentar as receitas próprias da UE e compensar a perda de receitas associadas ao Brexit não podia ter sido pior. Arrisco-me, aliás, a dizer que, muito provavelmente, tal caminho resultará num fracasso e que no final os países acabarão por optar pelo aumento das suas contribuições nacionais para o orçamento comunitário em detrimento de novos impostos europeus. A razão é simples: o recurso a uma estrutura de impostos já existentes permite beneficiar, junto dos contribuintes, de um efeito de complacência fiscal que é perturbado quando se começa a falar da introdução de novos impostos que levam os contribuintes a melhor pensar nos custos de oportunidade associados aos mesmos. As palavras “novos” e “impostos” não combinam uma com a outra e, para além disso, associar-lhes ainda a palavra “europeus” soa suspeito.
Naturalmente, há ilusões fiscais que podem ser tentadas a fim de minimizar o impacto negativo de novos impostos. No caso em apreço, o primeiro ministro já vai ensaiando a via tradicionalmente seguida pelos políticos: não serão os contribuintes, certamente não os portugueses, a pagar esses novos impostos; serão as empresas, designadamente as multinacionais norte-americanas e essa maldita alta finança. A este respeito, é importante voltar a Buchanan para compreendermos o porquê da opção política de fazer recair o ónus fiscal sobre as empresas. Primeiro, as empresas, ao contrário das pessoas, não votam. É certo que as empresas são pessoas colectivas, mas tal designação não passa de um artifício legal concebido precisamente para efeitos fiscais, para no final as tributar como se de pessoas físicas se tratassem. Segundo, um imposto sobre as empresas, se aplicado apenas sobre os lucros, não gera desincentivos à produção porquanto o propósito das empresas é a maximização dos lucros. Terceiro, um imposto sobre as empresas, se aplicado apenas sobre os lucros, faz recair a factura fiscal sobre os seus detentores de capital, mas não sobre os seus clientes. Do ponto de vista político, os impostos sobre as empresas permitem uma espécie de dois em um: por um lado, reduzem o universo de cidadãos penalizados directamente pelo imposto e, por outro lado, utilizam uma instituição fiscal que não distorce a actividade económica da empresa.
O problema desta lógica política é que os impostos sobre as empresas extravasam, e em muito, a circunscrição dos seus lucros, e isso faz toda a diferença. Os impostos especiais sobre transacções e as contribuições extraordinárias sectoriais falam por si. Um outro exemplo relacionado são as contribuições sociais que também constituem carga fiscal das empresas. Sobre isto recordo as alterações à TSU que o Governo português meteu na gaveta esta semana. Se fossem aplicadas conforme tinham sido pensadas, a fim de penalizar os contratos a prazo, as alterações à TSU traduzir-se-iam num aumento global das contribuições sociais pagas por uma larga franja de empregadores nacionais. Por exemplo, no sector do comércio e serviços, onde mais de um terço dos empregados estão com contratos a prazo, o impacto teria expressão material, em particular no subsegmento do alojamento e da restauração onde os contratos a prazo representam 45% do total de contratos (segundo estudo da Confederação do Comércio de Portugal). Não surpreende, portanto, que a medida tenha sido posta na gaveta. Tudo isto para dizer que, dada a carga de taxas e taxinhas, e de todo o tipo de impostos sobre factores de produção e sobre o consumo, a ideia de utilizar as empresas como saco de pancada fiscal parece-me estafada. No final, de uma forma ou de outra, através das multinacionais, da alta finança, ou do café da esquina, quem paga é mesmo o cliente final. Ao transmitir-se a ideia contrária, está-se apenas a iludir a realidade.
Nota: O autor escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990
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