• Entrevista por:
  • Cristina Oliveira da Silva

João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio: “Admitimos baixar o número de anos dos contratos a termo”

A CCP admite baixar a duração máxima dos contratos a termo, mas "ponderando" uma maior flexibilidade dos motivos que permitem este tipo de vínculo. Já o Governo quer mais restrições.

Recentemente reeleito presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes avisa que não discutirá um acordo de concertação social centrado apenas em “medidas laborais”. Se o Governo quiser abrir esse dossier, terá de ponderar outras temáticas, diz em entrevista ao ECO.

Uma área “imprescindível” é a fiscal, nota, defendendo mexidas nas “tributações autónomas”. Os custos da energia e dos combustíveis, bem como o investimento em formação profissional são outros temas de destaque para a Confederação.

A CCP, que representa 105 associações, defende uma maior flexibilidade dos motivos que permitem a contratação a prazo, ao contrário do sentido apontado pelo Governo. Mas mostra-se disponível, neste contexto, para “baixar o limite do número de anos em que se pode fazer um contrato a termo com a mesma pessoa”.

O Ministério do Trabalho já perguntou aos parceiros sociais se estes veem como positiva a redução da duração máxima legal da contratação a termo, mas, ao mesmo tempo, também quis saber se consideram vantajosa a limitação dos fundamentos para este tipo de vínculo, ao contrário do que defende a CCP. Aliás, o Governo já apontou para a revogação da norma que admite como motivo justificativo para a contratação a termo o recrutamento de desempregado de longa duração ou de trabalhador à procura de primeiro emprego.

E quanto aos bancos de horas individuais, que o Governo também admitiu eliminar? A medida tem sido aplicada “em acordos individuais desde sempre”, mesmo antes de constar da lei, frisa Vieira Lopes. E também já há quem pague de forma fracionada as compensações por despedimento, revela o líder da CCP, que quer que esta possibilidade fique expressa na lei.

João Vieira Lopes foi reeleito presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).CCP

Foi reeleito presidente da CCP. Vai mudar as prioridades da Confederação?

Não, vamos tentar acentuar as linhas principais, nomeadamente centrar-nos em tudo o que seja economia de valor acrescentado, porque se Portugal necessita de ter uma posição em termos mundiais não pode ser na base das áreas económicas em que a mão-de-obra é mais barata. Em particular tudo o que seja o setor terciário, os serviços, a digitalização, onde Portugal tem nichos muito importantes em termos de qualidade e dinamismo, mas tem uma massa crítica em termos de pessoal qualificado e não só — sei que não é muito popular dizer isso, mas a qualidade média da gestão do nosso tecido empresarial é fraca.

O problema da qualificação é dos trabalhadores ou dos empregadores?

Aos dois níveis. A atomização do nosso tecido empresarial leva a que a qualificação média, por exemplo, em termos académicos, dos empresários seja mais baixa do que a dos trabalhadores. Claro que isso é uma das vertentes, não a única. Pensamos que tem que ser ser investido muito nessa área, uma das críticas de fundo que fizemos ao Governo anterior foi que o quadro 2020 desinvestiu muito nesta área.

No seu programa de candidatura, destaca a valorização da concertação social e aponta o dedo a projetos que não passam pelos parceiros sociais. Acha que a concertação social está em risco?

Acho que a concertação não está em risco, agora o que existem é, em Portugal, forças políticas, em particular algumas que apoiam o Governo, que têm uma visão muito utilitarista da concertação social. Havia forças políticas que apoiavam a concertação social quando criticava a troika. Agora, sem troika, acham que a concertação social deve ser ultrapassada sempre pelo Parlamento.

Claro que o Parlamento é que tem de decidir tudo, mas a experiência tem demonstrado que se as coisas forem discutidas previamente na concertação social é possível chegar a um conjunto de consensos. Há de facto algum oportunismo em que, quando a concertação social era contra as políticas vigentes, era destacada, agora que provavelmente tem alguns aspetos críticos maioritariamente em relação a algumas propostas, já é desvalorizada.

Há de facto algum oportunismo em que, quando a concertação social era contra as políticas vigentes, era destacada, agora que provavelmente tem alguns aspetos críticos maioritariamente em relação a algumas propostas, já é desvalorizada.

João Vieira Lopes

Presidente da CCP

Sente que o Governo ouve mesmo os parceiros ou as reuniões são só para cumprir um dever?

Há as duas situações. Agora, os ciclos políticos também têm influência. Sabemos que vamos aproximar-nos de eleições e que há uma demarcação política cada vez mais clara entre os partidos que apoiam o Governo, no sentido da sua afirmação. E o Governo tem de encontrar o caminho no meio disso. A nossa posição continua a ser, de certo modo, a mesma. A legislação laboral é neste momento um ponto crítico.

Já disse que não queria abrir esse dossier, mas também já se sabe que será aberto…

Com a legislação laboral que está em vigor, a economia cresceu e o desemprego baixou. Para nós não são pontos críticos neste momento. E por isso é que temos dito que devia haver estabilidade. Até porque dá confiança aos investidores, especialmente externos. Independentemente do caráter por vezes não muito correto dos rankings internacionais, o que é certo é que estas alterações influenciam. E esses rankings implicam opções de investimento, muitas vezes de empresas multinacionais que são importantes para criar emprego. Se o Governo quiser abrir esse dossier…

Vai abrir…

Aparentemente vai abrir, então há determinadas propostas que também colocamos na mesa. Não vamos discutir num só sentido.

No seu programa de candidatura, a lista liderada por Vieira Lopes defende uma maior abrangência da contratação ao termo.CCP

Mas uma das propostas da CCP vai no sentido de alargar a contratação a prazo. O Governo aponta no sentido inverso. Há aqui uma divergência.

Sim, mas admitimos, por exemplo, baixar o limite do número de anos em que se pode fazer um contrato a termo com a mesma pessoa, ponderando uma maior flexibilidade, na prática, dos motivos.

Fala em baixar os três anos [limite máximo, com exceções]? Ou o número máximo de renovações?

A questão do número de renovações achámos sempre que não tinha nexo.

Então que limite seria aceitável para a descida?

Vamos ver o que o Governo vai apresentar. Não concordamos é que o facto de poder haver alguns setores ou empresas que, pontualmente, abusem de contratação a termo, seja utilizado como argumento, porque isso são casos de inspeção. Por outro lado, há setores que têm contratos fixos — desde quem faça uma barragem a um contrato de limpeza de uma instituição — naturalmente têm que fazer contratos com os trabalhadores dentro de certos parâmetros. Há situações de setores que têm de ser vistas especificamente. Além disso, continuamos a defender — é uma questão que foi chumbada pelo Tribunal Constitucional — o período experimental passar para seis meses.

O ministro Vieira da Silva tentou…

Sim, nós é que pusemos essa proposta. Isso já existe para os quadros.

Mas a medida era para generalizar.

Sim. Até porque também temos consciência de que há um número significativo de empresas que utilizam o contrato a prazo como período experimental.

Admitimos, por exemplo, baixar o limite do número de anos em que se pode fazer um contrato a termo com a mesma pessoa, ponderando uma maior flexibilidade na prática dos motivos.

João Vieira Lopes

Presidente da CCP

Se o Governo decidir avançar com a medida de retirar desempregado de longa duração e jovens à procura de primeiro emprego dos motivos justificativos deste tipo de vínculo, como reage a CCP?

Acho que não se devia mexer.

Mas há alguma linha vermelha?

A nossa estratégia nunca foi de linhas vermelhas. Nós tentamos ver os interesses das empresas de uma forma global e integrada. Se o Governo quiser mexer nesta área, então nós queremos que também sejam abrangidas outras coisas que interessam às empresas.

Portanto, não fecha a porta a nenhuma medida laboral desde que negociada com as devidas contrapartidas…

Isso tem a ver com um pacote. O Governo até agora tem recusado praticamente todas as medidas fiscais, que também interessam às empresas. Por isso, não discutiremos nenhum acordo especificamente centrado nas medidas laborais, que venham desequilibrar o poder para as empresas. Qualquer medida nesse sentido, então queremos discutir pelo menos duas ou três áreas.

Uma imprescindível é a área fiscal e há outras áreas que também podem ser discutidas no mesmo pacote: uma delas é os custos da energia e dos combustíveis e outra o investimento em formação profissional. O que nós não estamos abertos é a fazer uma mera negociação laboral e depois acrescentar ao documento um conjunto de questões de princípio genéricas e de intenções.

Como já aconteceu no passado?

Como já aconteceu no passado. Por isso, temos flexibilidade para negociar, agora isoladamente não.

E as questões fiscais? O programa de candidatura aponta nesse sentido e não é a primeira vez que fala no tema.

Apresentámos um conjunto de medidas fiscais, nomeadamente no último Orçamento. Algumas têm a ver com as garantias dos contribuintes, sobre prazos de prescrição e essas temáticas. Mas há uma questão que é chave: um agravamento claro do IRC, encapotado, que são as tributações autónomas, que representam hoje em dia cerca de 20% das receitas do IRC.

Seria uma prioridade mexer neste âmbito, para discutir alterações laborais?

Sim.

E no que toca às mexidas na TSU? A medida tem pernas para andar?

No estudo que apresentámos para a Segurança Social, concluímos que essa medida iria prejudicar os setores que representamos. Não simpatizamos com essa medida. É claro que tem impactos diferentes setorialmente, por isso, para ser equitativa, é muito difícil. Agora, há uma coisa para nós inaceitável: as propostas sindicais que passam só pelo agravamento dos contratos a termo sem qualquer benefício para os outros.

Mas há uma questão que é chave: um agravamento claro do IRC, encapotado, que são as tributações autónomas, que representam hoje em dia cerca de 20% das receitas do IRC.

João Vieira Lopes

Presidente do CCP

No âmbito da organização do tempo de trabalho, o fim do banco de horas individual está no Parlamento. Há dados que dizem que a aplicação da medida é limitada, mas os números também já foram contestados. Que experiência tem da utilização deste instrumento?

Não temos dados efetivos. Partilhamos da ideia de que o modo como são feitas as estatísticas, não dizemos que estão a ser viciadas, mas a metodologia — as empresas têm uma opção principal para dizer qual é o estatuto do trabalhador e como esse não é o principal, depois fica camuflado na análise. Das consultas que fizemos aos setores que representamos, temos a ideia de que a aplicação, formal ou informal, é muito superior aos números que o Governo apresenta. Não somos capazes de quantificar… E temos em geral a experiência, até nós próprios, os membros da direção da CCP e eu, de aplicar essa medida em acordos individuais desde sempre.

Antes de existir sequer na lei?

Sim. Há períodos de pico em que se solicita às pessoas que trabalhem mais umas horas, depois compensam-se essas horas com dias de férias ou com folgas…

Mas era possível fazer isso antes de constar da lei?

As empresas sempre fizeram isso particularmente. E depois faziam-se sistemas de compensação, por férias e folgas. É uma prática muito corrente, especialmente nas micro, pequenas e médias empresas. É uma ilusão da parte dos sindicatos pensar que não aplicar essas medidas iria contratar mais pessoas. Não é realista, em termos da estrutura do tecido empresarial. É uma questão de preconceito e puramente ideológica. É preferível haver uma regulamentação na lei do que as empresas precisarem disso e fazerem informalmente.

E temos em geral a experiência, até nós próprios, os membros da direção da CCP e eu, de aplicar essa medida [bancos de horas individuais] em acordos individuais desde sempre.

João Vieira Lopes

Presidente da CCP

A CCP também defende o pagamento fracionado das compensações acima de seis salários para os contratos nos quadros.

Especialmente para as rescisões de comum acordo.

São as mais altas?

São mais altas e tendo em conta a dimensão das empresas, problemas de tesouraria e dificuldade de financiamento, por vezes para chegar a um acordo e até melhorar os valores que está disposta a pagar como compensação… Essa é outra das medidas que já é feita informalmente.

Já se acorda isso em vez de pagar tudo de uma vez?

Uma empresa que tem de fazer algumas decisões de mútuo acordo e não tenha tesouraria para pagar tudo no mês de outubro ou de novembro, o que faz? Paga metade no mês de outubro e metade no dia 2 de janeiro, porque já tem impacto no orçamento do ano seguinte… Mais uma vez preferimos que essas regras sejam aplicadas com algum formalismo e cobertura legal.

No âmbito da caducidade, está a ser respeitado o acordo no sentido de que, durante 18 meses, não sejam denunciadas as convenções coletivas?

Globalmente sim.

À medida que se aproxima o fim desse prazo, qual o ponto de situação?

Quer dizer, pode-se discutir se há de haver períodos mínimos para reivindicar caducidade, agora acabar com a caducidade…

As propostas nesse sentido já foram chumbadas. Mas as regras podem ser apertadas?

Os sindicatos dão sempre o exemplo de um contrato em que foi pedida a caducidade passado seis meses ou um ano [da celebração]. Isso não é razoável, podem-se introduzir aí algumas limitações, agora a caducidade em si é importante, senão os contratos praticamente tinham duração eterna. Na negociação coletiva, o principal entrave que temos encontrado é uma dificuldade muito grande de negociar tudo o que não seja tabelas salariais. Tudo o que tem a ver com tempo de trabalho é extremamente difícil. Por isso achamos que a questão da caducidade é uma perspetiva que se deve manter.

Acha que vai sair satisfeito desta negociação? Ou parece-lhe que não vai assinar um eventual acordo?

Ao longo da História, já assinámos e não assinámos vários acordos. Em 2003, a CCP foi a única patronal que não assinou o Código do Trabalho. Depois disso, assinámos a maioria dos acordos até hoje. Portanto, depende do enquadramento que o Governo encontrar. Claramente vejo muito difícil subscrevermos qualquer acordo que seja exclusivamente na área laboral.

Há uma questão que acho que devia ser ponderada na sociedade em geral. O atual enquadramento da legislação laboral foi marcado pelo período de 2012 mas foi feito com base em duas premissas: por base da UGT, que considerou que o conjunto de alterações no enquadramento em que se vivia — a intervenção da troika — lhes seria desfavorável, mas também houve uma contribuição muito importante das confederações empresariais, em que não fomos maximalistas.

Não foram tão longe quanto podiam?

Não fomos maximalistas no sentido do aproveitamento de tudo aquilo que, provavelmente num contexto político com a troika, nos permitiria. Houve um consenso e eu acho que houve um sentido de equilíbrio das confederações patronais bastante grande. Até porque tivemos a noção de que a existência de um acordo tinha um papel muito positivo na imagem de Portugal. O que nos preocupa agora é que não vemos da parte das confederações sindicais uma visão tão equilibrada. Há uma tendência maximalista.

Das duas centrais?

Os sindicatos em geral, uns mais que outros… E portanto dentro dessa visão parece-nos que vai ser muito difícil fazer um acordo. Por isso é que estamos dispostos a ver um pacote de questões que as empresas possam entender que podem ficar com menos condições num ou noutro ponto, mas que melhoram em alguns.

  • Cristina Oliveira da Silva
  • Redatora

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