Homem dos mais de sete ofícios, José Luís Arnaut é, mais do que tudo isto, sócio fundador do CMS Rui Pena & Arnaut, onde começou enquanto estagiário de Rui Pena nos anos 80.
Chairman da ANA, membro do conselho consultivo da Goldman Sachs, ex-ministro, ex-deputado. Homem dos mais de sete ofícios, José Luís Arnaut é, mais do que tudo isto, sócio fundador do CMS Rui Pena & Arnaut, onde começou enquanto estagiário de Rui Pena nos anos 80. O advogado recusa falar de política porque esta é uma entrevista ao managing partner do escritório, dada à Advocatus entre reuniões e conference calls.
Que legado deixa o Dr. Rui Pena?
O Dr. Rui Pena foi uma perda muito grande para todos nós e eu, na altura da morte dele, tive oportunidade de testemunhar. Comecei a minha vida com ele há trinta anos e muito do que eu hoje sou, como pessoa e como advogado, lhe devo. Foi uma perda do ponto de vista pessoal muito grande. Muito grande mesmo. Do ponto de vista profissional, também foi uma perda grande mas o escritório é uma instituição, uma instituição que funciona. Tem uma reputação e uma estrutura internacional, integrado na CMS. E o Dr. Rui Pena, nos últimos anos, tinha uma função de senior partner e tinha-se afastado da gestão do escritório e do acompanhamento diário do escritório. Sentindo muito a falta dele, continuamos aquilo que é o seu legado e o seu exemplo, que é muito significativo.
Que balanço faz da fusão/integração com a CMS que ocorreu há quase sete anos? Que benefícios essa integração trouxe para a Rui Pena & Arnaut?
A integração com um escritório internacional é um grande desafio por duas razões. Primeiro, dá-nos uma oportunidade de trabalho e de exposição, de troca de experiências e conhecimento, que de outra forma não teríamos. Por outro lado, permite-nos também mantermos a nossa autonomia e identidade, a nossa identidade nacional. Obviamente que há matérias que são do foro e da organização global devido a esta interação. A CMS é hoje uma das maiores sociedades de advogados, é a 18º maior do mundo, somos mais de mil sócios.
E há reuniões com todos esses sócios ao mesmo tempo?
Com os sócios há uma assembleia geral anual onde estão 80% dos sócios. A CMS está dividida por setor e portanto as equipas e reuniões de sócios estão divididas por setores e áreas de prática. De forma a simplificar, claro.
Mas com esta integração, ganharam muito em termos de faturação e de volume de negócios?
Vamos ver… Obviamente que hoje em dia a CMS clientela, a rede CMS, é uma clientela que tem um peso muito significativo. Fazem parte dessa rede clientes estrangeiros muito significativos. Temos empresas estrangeiras, temos multinacionais e temos pequenas e médias empresas. Não esquecer que a CMS é o maior escritório na Alemanha, é o segundo maior em França, é o sexto maior em Inglaterra com dois mil advogados. Tem hoje uma grande dimensão que nos dá um cross border de clientela muito significativo.
A integração com um escritório internacional é um grande desafio por duas razões. Primeiro, dá-nos uma oportunidade de trabalho e de exposição, de troca de experiências e conhecimento, que de outra forma não teríamos. Por outro lado, permite-nos também mantermos a nossa autonomia e identidade, a nossa identidade nacional. A CMS é hoje uma das maiores sociedades de advogados, é a 18º maior do mundo, somos mais de mil sócios.
E foi esse um dos vossos objetivos, da Rui Pena & Arnaut, há seis anos?
Claro que sim. Mas, primeiro que tudo, um objetivo de crescimento, de crescimento sustentado. Sem perda de identidade nacional e isso é muito importante. E este equilíbrio é muito importante. Apesar de alguma centralização, não perdeu a identidade.
Mas têm de prestar que tipo de contas à CMS?
Há um conjunto de serviços comuns, IT’s, business development, tudo o que é informática, tudo o que é marketing, diretórios, pitch globais. Toda essa atividade é efetivamente feita no âmbito da CMS Global ou através de Londres, ou através de Frankfurt, onde é a nossa sede. E portanto há aí essa centralidade. Depois há a CMS, nós hoje em dia somos 7500 advogados – um número que cresce assustadoramente — em 70 cidades e em 42 países, e temos uma comissão executiva. E efetivamente aí foi uma das experiências mais gratificantes da minha vida e tenho mesmo de agradecer ao Dr. Rui Pena por isso, porque foi ele que me projetou para essa realidade, para estar na Comissão Executiva da CMS, onde estou.
Um pequeno país como Portugal estar nessa comissão, dada a importância da CMS na Alemanha, em França e em Inglaterra, permite que este balanço entre os três grandes, o facto de este escritório não ter uma hegemonia de um só país, permite que os pequenos países tenham um relevo no contexto global. Um terço do meu tempo é gasto precisamente na CMS. Acabamos de desenvolver um projeto da CMS Latin, na América Latina, onde tenho estado envolvido.
Em que países, em concreto?
Abrimos no Chile, no Perú, na Colômbia, no México e um escritório de representação no Brasil. Estamos ainda a desenvolver um projeto que é a CMS África. Vamos crescer sustentadamente. Porque nós crescemos e vamos para onde vai o nosso cliente. E hoje em dia fusionámo-nos com alguns dos escritórios mais relevantes, quer do Perú, quer da Colômbia.
Em que áreas atuam nesses países?
Desde o setor da tecnologia, das infraestruturas, da saúde e tudo o que são as novas realidades. Funciona ainda o escritório em Pequim, na China, que é muito relevante. Em África, tirando a Argélia, Casablanca e Angola, temos uma presença muito sólida nos países francófonos. Temos investido muito nesta parte de desenvolvimento internacional.
E qual a diferença entre o atuar numa jurisdição única, a nossa, e as restantes dessa vossa rede internacional? Com as restrições que o nosso regime tem?
Não há obstáculos. O facto de estar numa organização internacional como a CMS, permite-nos ter e oferecer uma maior diversidade de serviços. E nós também só falamos dos clientes, mesmo lá fora, quando os clientes deixam. Não temos esse hábito do chamado ‘drop names’. Não é a nossa posição, nós achamos que são os clientes que têm de falar de nós e não nós dos clientes. Essa é a minha postura. E quando se atinge este nível de dimensão da CMS, chega-se a um ponto que o que interessa é a qualidade e o reconhecimento. Basta ver os diretórios internacionais…
Qual a importância que dá a esses rankings e esses diretórios internacionais?
Hoje em dia acho que já foram mais relevantes do que são, confesso.
E também depende de qual estamos a falar…
Pois, exatamente. São cada vez mais. Neste momento verificou-se uma vulgarização e uma comercialização da atividade. É negócio, fazer diretórios e fazer rankings. Há uns que ainda mantém o seu prestígio claro mas as pessoas, os pares, os clientes, são tão solicitados para responder aos questionários, que depois já não respondem com a equidade que deveriam. Dito isto, é importante, é relevante, prezamos os mais importantes, estamos presentes, temos uma presença reconhecida e queremos continuar a estar.
A nossa posição é: achamos que são os clientes que têm de falar de nós e não nós dos clientes. Não temos esse hábito do chamado drop names.
Numa entrevista que deu há uns anos, dizia que o principal entrave ao investimento é a lentidão, morosidade da Justiça. Mantém essa opinião?
Acho que a justiça processual, com todos os seus mecanismos de funcionamento, de recursos, de expedientes, leva a que a Justiça seja injusta. Não há em Portugal uma Justiça rápida e eficaz como há noutros países. E depois temos esta situação diária de violação dos direitos por parte dos atores da Justiça, que é uma coisa inconcebível num Estado de Direito. A Justiça está-se a descredibilizar. Muitos casos hoje em dia são verdadeiras novelas. É pena para o Estado de Direito.
Mas a nível penal estamos melhores…
Avançamos claro, mas temos muitos mecanismos dilatórios, há uma mediatização desses mecanismos e esse arrastamento leva à vulgarização do exercício da Justiça. E isso não vai prestigiar nada nem ninguém…
E a nível do processo civil?
É um entrave competitivo. Há muito investimento estrangeiro, mas depois no que diz respeito à celeridade… Desmotiva. Temos um dos rankings mais baixos da Europa e nas leis laborais falta-nos a flexibilidade que existe em outras jurisdições e a necessária para a economia competitiva no mercado de trabalho. Dito isto, o investimento estrangeiro aqui e ali, o grosso desse investimento, é o individual. São estes fenómenos de pessoas que por razões fiscais têm aderido a Portugal.
O que foi muito importante para a dinamização que trouxeram às cidades de Lisboa, Porto e Setúbal, por exemplo. E isso é notável. Mas não é percentualmente equivalente o investimento industrial ao investimento individual. Vemos estes casos como o da Autoeuropa, e vemos que foi muito triste o que aconteceu, esta utilização política da questão. E isso cria o afastamento do investimento.
Qual o balanço que faz da atual ministra da Justiça?
Os balanços devem ser feitos quando as pessoas saem, ainda é cedo. Não é justo fazer esse balanço quando a pessoa está a meio do caminho ainda. Mas acho que um ministro da Justiça tem um grande problema: é um ministro que gere as infraestruturas da Justiça, não tem controlo no sistema judicial (e bem, tendo em conta o princípio de separação de poderes)… É um agente de mobilização. E hoje há uma tentativa de colocar nos ministros a responsabilidade dos males da Justiça e não são eles que agem. Neste caso concreto, temos uma ministra que vem da magistratura…
Acha que é importante haver um ministro que seja menos político?
O peso político é sempre importante nos ministros, nunca fez mal a ninguém… E os ministros da área da Justiça com esse cunho político sempre tiveram uma maior facilidade na execução.
Falando agora de política…
Não, não. Não quero falar de política nesta entrevista…
Como advogado, votou na Elina Fraga para bastonária da Ordem dos Advogados?
Não falo sobre isso. Isso não interessa a ninguém.
Mudando então de assunto… como concilia a função na Goldman Sachs, na ANA e na CMS? Tem tempo para tudo?
Com alguma dificuldade (risos). Mas atenção que a grande parte da minha vida profissional é no escritório.
Não é tabu [a faturação dos escritórios]. Os nossos resultados da CMS são públicos, nós faturamos 1,2 mil milhões de euros. E o nosso bolo está lá dentro. Claro que estamos longe de ser o mais relevante. Ainda assim, considero que temos de ter atenção que a advocacia não é uma atividade industrial.
Qual lhe dá mais gozo?
Acho que nenhuma delas, só por si, me preencheria. A complementaridade deixa-me mais realizado. Hoje em dia claro que há um desgaste na parte das viagens, a estar aqui e ali. Mas a minha base é em Lisboa, é no escritório. É aqui que desenvolvo a minha atividade e o resto são desabafos que eu tenho. A riqueza da vida é precisamente não nos afunilarmos numa função única.
Mas estou muito contente, sinto que tenho a obrigação de continuar com esta obra, que comecei com o Dr. Rui Pena, enquanto seu estagiário, nos anos 80. Hoje tenho a função de managing partner da sociedade e tenho aqui a responsabilidade de desenvolver um projeto já com 136 pessoas. E ainda para mais num escritório que tem um fantástico ambiente. E isso para mim é muito agradável, o não haver barreiras geracionais… Não há a barreira da hierarquização na sociedade.
O que faz a diferença na advocacia?
A disponibilidade. Perante o cliente e perante os colegas. E ainda a qualidade. Esses dois critérios são os nossos critérios de seleção. Olhamos sempre para a frente.
A faturação dos escritórios ainda é tabu em Portugal?
Não é tabu. Os nossos resultados da CMS são públicos, nós faturamos 1,2 mil milhões de euros. E o nosso bolo está lá dentro. Claro que estamos longe de ser o mais relevante. Ainda assim, considero que temos de ter atenção que a advocacia não é uma atividade industrial. E portanto não se deve ver ou avaliar ou medir pela questão financeira. Medir os escritórios pelo número de pessoas ou de faturação, é um caminho com o qual não concordo. A advocacia ainda é muito pessoal, baseada na relação do advogado com a pessoa. E entrar nesse registo não é justo.
Portugal ainda é muito fechado nisso?
É uma tradição que vai acabar. Nós temos algum pudor em falar disso. E depois há a inveja. E portanto cria-se a ideia de que é melhor não se saber. Mas isso vai acabar por acabar.
Hoje tenho a função de managing partner da sociedade e tenho aqui a responsabilidade de desenvolver um projeto já com 136 pessoas. E ainda para mais num escritório que tem um fantástico ambiente. E isso para mim é muito agradável, o não haver barreiras geracionais… Não há a barreira da hierarquização na sociedade.
Acha então que a questão da faturação pode ser um critério de avaliação redutor?
Não tenho problemas nenhuns com isso mas respeito a tradição. Até haver um momento em que deixe de haver essa tradição. Como sabe, nós como organização divulgamos os nossos números. Há de vir o dia em que esse assunto há de vir à baila.
No que toca à ANA? Porque aceitou este cargo de chairman?
Estou ligado à ANA desde a sua privatização. Portanto é um caminho natural. Foi uma decisão muito natural, já lá estava dentro, colocou-se esta situação. E quero ajudar a desenvolver a competitividade da empresa.
Esta ideia de que a profissão é um ato cada vez mais coletivo, é uma evolução clara dos últimos anos. E isso nota-se em outros países. Engraçado que, pela minha experiência nos países da América Latina, se vê isso. Eles estão passos atrás de nós mas estão, ao mesmo tempo, a fazer um percurso para chegar até aqui, mas muito mais rápido do que foi o nosso. A profissão da advocacia nunca deixará de existir sem o advogado.
O que mudou nos últimos dez anos no mercado da advocacia?
Na advocacia, os princípios básicos são os mesmos, os padrões têm de ser os mesmos. Agora… Há uma evolução tecnológica, há um tratamento diferente das informações que temos, e todo o acesso à informação e à matéria de estudo. Temos um estudo muito mais accurate, muito mais do que no passado e melhora a qualidade do nosso serviço e do nosso trabalho. E temos esta nova evolução que está aí para vir. E há também uma mudança, uma evolução do modelo das sociedades de advogados. Há uma procura maior.
Faz sentido, para si, a prática individual da advocacia?
Temos aqui duas fases. Tivemos uma fase do exercício da advocacia na sua plenitude. O que se chama a advocacia enciclopédica, aquela que cobre tudo. Que é importante manter mas é impossível fazê-la da mesma forma. Depois houve uma tentativa de afunilar a advocacia numa especialização. E hoje há um alargamento dessa especialidade. Essa não é por áreas, mas por setores. Por exemplo, uma pessoa que esteja na área das telecomunicações, já faz outras áreas, há maior abertura. E depois temos também as novas gerações e a sua relação com as sociedades de advogados, sendo que a tendência dos mais novos é fazerem carreira através das sociedades porque há uma consciência que há uma vantagem em trabalhar em coletivo.
Esta ideia de que a profissão é um ato cada vez mais coletivo, é uma evolução clara dos últimos anos. E isso nota-se em outros países. Engraçado que, pela minha experiência nos países da América Latina, se vê isso. Eles estão passos atrás de nós mas estão, ao mesmo tempo, a fazer um percurso para chegar até aqui, mas muito mais rápido do que foi o nosso. A profissão da advocacia nunca deixará de existir sem o advogado. A informatização, a robotização da advocacia poderá chegar a determinados setores do day by day, de coisas comuns. Mas o que exija aprofundamento, qualidade, exigência, só o homem pode fazer. O advogado continuará a ser imprescindível no exercício da advocacia.
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José Luís Arnaut: “Nós faturamos 1,2 mil milhões. Mas a advocacia não é uma atividade industrial”
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