Editorial

A ‘irritação’ já passou?

O tribunal da Relação decidiu reenviar o processo de Manuel Vicente para Angola, extraído do caso Fizz. Resolve-se, pela mão de justiça, um problema político entre os dois países.

E, pronto, tudo fica bem quando termina bem. É mais ou menos este o espírito de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa em relação à decisão da justiça de reenviar o processo relativo a Manuel Vicente para os tribunais angolanos. Já passou, agora, o ‘irritante’ do Presidente angolano João Lourenço? A notícia surpreendeu, mas apenas pelo timing: O processo autónomo da Operação Fizz relativo ao ex-vice presidente de Angola, Manuel Vicente, vai ser remetido para as autoridades judiciais angolanas, por decisão do Tribunal da Relação. E segundo o que uma fonte da Procuradoria- Geral da República (PR) garantiu ao ECO, não haverá recurso desta decisão. Ou seja, Joana Marques Vidal não impedirá que o processo siga para Angola.

Este processo, sabe-se, congelou as relações políticas e diplomáticas entre Angola e Portugal, o que, convenhamos, é um pouco “irritante”. Porque faz depender a coisa política de uma decisão da justiça. Por isso, esta decisão acaba por ser ‘conveniente’, ‘à medida’ das necessidades. Conveniente para as relações entre os dois países, para o fim das dores de cabeça para Costa e Marcelo e, sobretudo, conveniente para o reforço de poder do novo presidente angolano. o que não faz dela, necessariamente, uma decisão juridicamente errada ou uma concessão da justiça à política. Mas o que era mesmo desnecessário era a reação tão rápida, e esfuziante, de Costa e Marcelo perante a decisão da Relação. Se fica, desta decisão judicial, esta sensação de desconforto, simplesmente porque não é possível esquecer a pressão política para este desfecho – de lá e, indiretamente, de cá -, deveriam, os dois, mostrar alguma discrição nas reações.

É evidente a desconfiança em Portugal relativamente à ‘boa administração da justiça’ em Angola, uma forma simpática de dizer que há dúvidas sobre a independência das decisões judiciais em relação ao poder político. E é preciso reconhecer, no mínimo, dúvidas fundadas para esta avaliação. Mas se Portugal quer ser mesmo consequente com esta posição, se quer mesmo pôr em causa o sistema judicial angolano, não pode depois andar a assinar acordos de Estado com Angola. Se os assina, como assinou, tem de respeitar as regras desse país, como teria de o fazer com qualquer outro.

A Relação, e bem, explica que “a vigência de uma lei de amnistia [em Angola] não é, só por si, motivo de risco de boa administração da justiça”. Sim, também há amnistias várias em Portugal, e isso não pode nem deve pôr em causa a independência dos juízes e da justiça face aos outros órgãos de soberania.

Angola está num novo ciclo político. Todos esperam, agora, que o “irritante” do Presidente angolano tenha passado, e que à normalidade das relações económicas regresse também a normalidade das relações políticas. Sobretudo com a convicção de que a justiça decide, para um lado ou para o outro, sem ter em conta as ‘irritações’ de terceiros, e não com base em pressões e consequentes recuos. Para que a irritação não fique agora deste lado.

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