Período experimental: proposta do Governo corre novo risco de inconstitucionalidade?
Quase dez anos depois do chumbo do TC, o Governo volta a abordar o tema do período experimental, mas vinca que a proposta "não é nada igual". Há riscos de inconstitucionalidade?
No final de 2008, o Tribunal Constitucional (TC) chumbou o alargamento, para o dobro, do período experimental no caso de pessoas que exercem trabalho indiferenciado. A medida acabou por ficar pelo caminho na revisão do Código do Trabalho promovida pelo ministro Vieira da Silva. Quase dez anos depois, Vieira da Silva volta a tocar neste tema. Mas vinca que a proposta “não é nada igual”, uma vez que abrange apenas trabalhadores à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração. Há riscos de inconstitucionalidade?
A professora Maria do Rosário Palma Ramalho entende que sim. “Tanto pela questão do princípio da justa causa, como pela questão da igualdade”, diz. Para a presidente da Associação Portuguesa de Direito do Trabalho, “tem que haver um motivo justificativo para o tratamento diferenciado”.
O “objetivo do período experimental nada tem a ver com o tipo de trabalhador”, mas sim permitir que “cada uma das partes possa verificar se lhe interessa continuar o contrato ou não”, continua a professora catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa. E as diferentes durações de período experimental “aplicam esse raciocínio”.
O Código do Trabalho estabelece que, nos contratos por tempo indeterminado — aqui em causa –, o período experimental é de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores; de 180 dias “para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança” e de 240 dias nos cargos de direção ou quadro superior.
Ou seja, “justificam-se os vários prazos” tendo em conta a “função que a pessoa vai desempenhar” e não “o tipo de trabalhador”, explica a professora.
Na mesma linha, Luís Miguel Monteiro, sócio da MLGTS, também sublinha que “aquilo que explica a diferença de durações do período experimental são as diferentes funções”. E entende que a nova norma pode suscitar dúvidas.
Já António Monteiro Fernandes afirma que riscos de inconstitucionalidade existem sempre nestas matérias, mas, neste caso, o risco “é reduzido”. A norma parte de “uma legislação em que essas situações são tratadas de modo aparentemente discriminatório, uma vez que se permite, neste momento, a contratação a termo dessas pessoas mesmo para funções permanentes”, vinca o professor catedrático do ISCTE. Aliás, esta é uma regra que o Governo quer alterar — na proposta apresentada aos parceiros, o Governo elimina da lei a possibilidade de contratar a termo, mas para postos permanentes, jovens à procura de primeiro emprego e desempregados há mais de um ano, embora mantendo a norma para desempregados há mais de dois anos.
Ou seja, a preocupação mostrada antes pelo TC “é a de que se trate de legislação que agrave a insegurança no emprego”, diz o professor que esteve à frente da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais. “Neste caso concreto, parece-me que esse argumento não funciona porque na realidade a situação de partida já é de insegurança no emprego”, sublinha. Para Monteiro Fernandes, as duas regras articulam-se.
Vieira da Silva já disse que é preciso contrariar a tendência de usar os contratos a prazo como período experimental, justificando assim o fim da “possibilidade de contratar a termo só porque se é jovem à procura do primeiro emprego”. Mas “também somos sensíveis à lógica de que, ambas as partes, quando estão a iniciar uma relação de trabalho ou quando estão a recuperar uma relação de trabalho, tenham um pouco mais de tempo que o trabalhador que saiu de uma empresa e que foi para outra”, adiantou ainda. “Estamos a combater a precariedade e a privilegiar os contratos sem termo”, sublinhou já.
Para Monteiro Fernandes, a medida é positiva, “de estímulo à contratação destas pessoas”. Já Luís Miguel Monteiro nota que, de facto, a lei permite hoje o recurso à contratação a termo como “medida social”, mas acrescenta que “o período experimental não é para promover o emprego”. Serve sim “para observar a outra parte, ver se serve ou não”. E “se assim é, o que deve determinar a diferente duração do período experimental não é aquilo que a pessoa é, mas aquilo que a pessoa faz”, defende. “Como sempre, para resolver um problema prático, estamos a utilizar uma medida que não se destinava a isso”, remata o advogado, que aponta para um “desvirtuar do período experimental”.
"Aquilo que explica a diferença de durações do período experimental são as diferentes funções.”
Em 2008, o TC chumbou o alargamento do período experimental para a generalidade dos trabalhadores fazendo referência aos princípios da segurança no emprego e da proporcionalidade. Para Maria do Rosário Palma Ramalho, a ideia de que pode existir “encapotadamente uma nova situação de despedimento arbitrário, sem justa causa” existe “aqui, mas é acrescida de uma outra: que é tratar diferentemente duas categorias de trabalhadores, aliás, particularmente vulneráveis, colocando-os numa situação de instabilidade contratual que não tem justificação prática, através de um instituto que não tem essa função, para contornar a limitação dos contratos de trabalho a termo”, frisa.
E mesmo que a nova norma não seja inconstitucional, “é bizarra porque nada tem a ver com a função do período experimental”, assinala.
"Neste caso concreto, parece-me que esse argumento não funciona porque na realidade a situação de partida já é de insegurança no emprego.”
No final da reunião de concertação social em que apresentou o alargamento do período experimental para grupos específicos, o ministro Vieira da Silva frisou que esta proposta “não é nada igual” à que foi avaliada pelo TC em 2008. Nessa altura, o que estava em causa era “uma generalização do período de 180 dias como período experimental”. Agora, “colocamos essa possibilidade apenas em duas situações”, frisou o ministro. Vieira da Silva recorda que este prazo já existe noutros casos e diz ser “razoável” a existência de “um período mais longo” também nestas situações.
Melhor ou pior?
Luís Miguel Monteiro diz que há duas perspetivas a ter em conta quanto aos efeitos práticos das medidas. “Uma é dizer que estes trabalhadores podiam ser contratados a termo” para postos permanentes “e que podiam ficar com vínculo precário durante 18 ou 24 meses” naquela condição, e que, agora, cai aquela norma e é apontado um período experimental de seis meses em contratos sem termo — portanto, esta segunda medida surge como favorável. Mas também pode haver outra perspetiva: nestes casos, “o contrato a termo vigorava no mínimo durante seis meses”, o que significa que “há aqui um período de estabilidade dentro da precariedade”; já “o período experimental permite que o contrato acabe a qualquer momento”.
Maria do Rosário Palma Ramalho entende que “esta solução, quando comparada com os contratos de trabalho a termo, é muitíssimo pior”. E aponta para o facto de o período experimental poder terminar a qualquer momento e sem direito a compensação.
"Esta solução, quando comparada com os contratos de trabalho a termo, é muitíssimo pior.”
Em sentido inverso, Monteiro Fernandes nota que “o ponto de partida é um contrato sem termo”. Ainda que o período experimental seja “um bocadinho mais alargado”, o contrato pode “estabilizar-se”, diz. “Penso que é uma situação claramente mais saudável do que a de ser possível contratar a termo para funções permanentes”, conclui.
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