Preços dos arrendamentos em Lisboa estão a atirar para os concelhos vizinhos muitas famílias e há quem já nem procure casa na capital quando decide mudar-se.
Para fugir ao aumento do preço das rendas, a família de Joana N., natural de Lisboa, mudou-se este mês do Beato – “uma zona pacata, tranquila, de rendas médias” – para o Carregado, no concelho de Alenquer.
Ao contrário de muitos dos casos que têm vindo a público, a família não foi “posta na rua” pelo senhorio, mas antecipou-se, ao ver o valor e o movimento dos arrendamentos e das vendas de casas na zona.
“Tínhamos o contrato de arrendamento a terminar no verão de 2019. Naturalmente, com o recente aumento de rendas para o dobro ou até para o triplo nesta zona, percebemos que íamos ter em mão um de dois problemas: ou o aumento muito grande de renda, que era incomportável, ou a vontade de venda do nosso senhorio, sendo ele um português emigrado em França que comprou a casa como investimento na altura da Expo”, contou.
Joana e o marido ainda começaram a procurar casas em Lisboa, “o que foi para esquecer, porque era tudo o triplo ou o quádruplo” do que poderiam comportar, pelo que começaram a procurar à volta da capital.
“Até que surgiu esta casa em Alenquer, muito longe de Lisboa, mas com todas as características que nós queríamos, espaço ao ar livre, valor de compra muito acessível para a vida que temos. É longe de Lisboa, mas não é assim tão longe quanto isso, porque os acessos são muito rápidos, estamos a 30 minutos de comboio. Quem é que não mora em Odivelas ou em Loures e não demora mais tempo a chegar a Lisboa?”, considerou.
Sem qualquer ligação familiar a Alenquer, o casal – com um filho bebé, ela psicóloga clínica ele funcionário de um escritório de contabilidade, empregos “completamente estáveis, sem perspetiva de mudança” – desloca-se todos os dias para o trabalho na capital, mas optou por morar num concelho onde pelo mesmo preço tem uma casa “com condições muito melhores”.
É longe de Lisboa, mas não é assim tão longe quanto isso, porque os acessos são muito rápidos, estamos a 30 minutos de comboio. Quem é que não mora em Odivelas ou em Loures e não demora mais tempo a chegar a Lisboa?
“No fim, ainda bem que nos antecipámos, porque, quando falámos em sair, o nosso senhorio disse-nos que tinha a perspetiva de vender a casa no final do nosso contrato“, disse.
Segundo um relatório divulgado em maio pelo Instituto Nacional de Estatística, o preço das casas vendidas em Portugal cresceu 7,6% em 2017 em relação a 2016, com Lisboa, Porto e Amadora a registarem crescimentos superiores a 15%.
Já o preço dos apartamentos para arrendar registou um aumento de 26% em 2017 face a 2016, revelou o portal de imobiliário Imovirtual, indicando que a maior procura pelo arrendamento se verificou em Lisboa, Porto, Sintra, Cascais e Amadora.
De acordo com um relatório da Cáritas Europa, a maioria dos jovens em Portugal não consegue arrendar ou comprar casa devido aos empregos precários e a um mercado de habitação com preços muito elevados.
Um estudo independente encomendado pelos presidentes das juntas de freguesia do centro histórico de Lisboa, divulgado em janeiro, indicou que é “urgente” que as instituições políticas, bem como a sociedade em geral, assumam uma visão de “sustentabilidade e equilíbrio” entre moradores e turistas.
O presidente da Junta de Santa Maria Maior (que abrange a Baixa de Lisboa) pediu ao Governo, entretanto, “coragem” para medidas que protejam inquilinos idosos e benefícios para senhorios que promovam o arrendamento de longa duração para combater a desertificação do centro histórico de Lisboa.
“Em Oeiras (…), uma casa hoje vende-se em 24 horas”
Os municípios de Oeiras, Amadora e Odivelas, situados na periferia da cidade de Lisboa, vivem hoje uma nova dinâmica no setor da habitação, com o aumento da procura e do preço dos imóveis, verificando-se o retomar da construção.
“Estamos a viver um tempo muito complicado, porque se junta à procura nacional a procura externa […]. Cada vez há mais estrangeiros a procurar Portugal e, neste momento, há uma incapacidade em Oeiras, pelo menos, existe uma incapacidade quase total de responder à procura que se faz sentir: uma casa hoje vende-se em 24 horas”, afirmou à Lusa o presidente da Câmara, Isaltino Morais.
De acordo com o autarca, é preciso investir em construção nova para responder à “falta de casas na Área Metropolitana de Lisboa [AML], independentemente da procura gerada pelo turismo, pelo alojamento local”, já que nos últimos cinco anos não se construíram novas habitações.
“Desde o início do século XX até aos dias de hoje, nunca se conheceu um período de tão elevada especulação imobiliária. As casas sobem todos os dias, existem poucos empreendimentos – dois ou três – em construção e no espaço de um mês aumentam 20% o valor das casas, isto porque a procura excede de longe a oferta”, referiu Isaltino Morais, perspetivando um equilíbrio dentro de dois ou três anos, uma vez que o ritmo de entrada de pedidos para construção acelerou desde 2016.
Até que possa haver um equilíbrio no mercado imobiliário, “o preço das casas vai continuar a subir, seja ao nível da venda, seja ao nível do arrendamento, tornando-se absolutamente incomportável para os rendimentos médios das famílias portuguesas”, apontou o presidente da Câmara de Oeiras.
Registando também um aumento do valor das casas, o município da Amadora verifica um retomar dos processos de construção de urbanizações que já estavam aprovados, mas que se encontravam parados com lotes ainda por edificar, avançou a presidente do município, Carla Tavares.
“Sente-se que o nível de vida [dos portugueses] está a melhorar e isso fez também com que, ao nível dos empreendimentos e do arrendamento, o mercado ganhasse uma nova dinâmica”, declarou, referindo que hoje o valor de um imóvel T4 para arrendamento no concelho ronda os 900 euros por mês, já que houve um aumento de cerca de 100 euros.
Para aquisição, indicou, o preço encontra-se na ordem dos 250 mil euros, quando antes custava cerca de 200 mil euros.
Sem dados que permitam associar a procura de habitação na Amadora com a dinâmica que se vive em Lisboa, Carla Tavares revelou que, “entre trabalhadores e pessoas em idade ativa, mais de 50% têm os movimentos pendulares diários para a cidade de Lisboa”, destacando-se assim as “boas acessibilidades” neste concelho periférico da capital.
Uma vez que a Amadora é o município mais pequeno da AML, com apenas 24 quilómetros quadrados, “já não há muito mais por onde expandir”, em termos de nova construção para habitação, disse a autarca.
O território, sublinhou, já se encontra “densamente povoado”, com cerca de 176 mil habitantes, pelo que importa agora “qualificar e regenerar zonas no território que tenham capacidade para atrair investimento para a cidade”.
Com um dinamismo semelhante, Odivelas tem sido “um polo constante de fixação de famílias”, afirmou à Lusa a vereadora da Habitação, Susana Santos, justificando o crescimento da procura com a centralidade geográfica na AML, as boas acessibilidades, a existência de muitos serviços públicos e de urbanizações “de qualidade”, o investimento na educação e os índices de segurança acima da média da AML.
“Obviamente que o aumento da procura induz sempre uma pressão sobre os preços”, adiantou Susana Santos, avançando que “nos últimos três anos houve uma subida média do preço das casas de 12%, que é ligeiramente acima da média da AML”.
Considerando “inegável” a atratividade do concelho de Odivelas, a vereadora referiu que os investimentos no setor da habitação têm subido em resposta à procura, “nalguns casos são licenciamentos que tiveram parados nos anos da crise e outros são nova construção”.
De acordo com a autarca, uma das preocupações do município de Odivelas tem a ver com a “escassez da oferta de arrendamento, que é sempre, historicamente, um mercado menos dinâmico do que o da aquisição, principalmente em períodos de maior dinâmica de construção”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Antes que a renda aumentasse, eles deixaram a capital
{{ noCommentsLabel }}