Editorial

Um governo eleitoralista

Entre a aprovação do orçamento em Conselho de Ministros e a sua apresentação, António Costa muda o Governo. Para gerir um orçamento eleitoralista, é preciso uma equipa para o fazer.

António Costa aproveitou a demissão do ministro da Defesa para fazer uma remodelação no Governo, inédita no timing escolhido, em cima da apresentação do último orçamento do Estado da legislatura: Se desenhou um orçamento para ganhar as eleições, que distribui tanto por tantos, também teria de ter um governo para gerir esse orçamento, e os lobbies que se sentam à mesa, e foi isso que fez. Há, nesta remodelação, uma preocupação política, a de garantir uma resposta nas áreas setoriais que representavam problemas e desgaste político crescente.

Vamos por partes: A mais fácil é mesmo a da substituição do ministro da Economia, uma inexistência quase desde o início e que só não tinha caído há um ano porque a demissão da ministra da Administração Interna obrigou a limitar os danos com a sua substituição. Entrou, naquele momento, Pedro Siza Vieira, que era desde o início o ministro da Economia em exercício, por exemplo, com a pasta do Capitalizar. Caldeira Cabral foi sempre um ministro fraco, e ficou basicamente para cortar fitas e fazer inaugurações. A economia não era um problema político, mas também não acrescentava nada.

A nomeação de Siza Vieira é uma formalização de uma realidade que já existia. E, apesar do tiro no pé que deu quando entrou em situação de incompatibilidade por causa de acumular a função de ministro com a de gerente de uma sociedade, familiar, na área imobiliária, Siza Vieira é dos melhores deste governo, dos mais bem preparados. E com uma vivência que poderá ser a melhor notícia para as empresas e empresários neste último ano de legislatura.

Será um super-ministro. Adjunto e da Economia, sem a energia, por causa de conflitos de interesse da sua vida profissional anterior, como advogado. Mas até a passagem da energia para a área do Ambiente é um passo positivo, dado por necessidade, mas no sentido certo. Porque o Estado (e o Governo) não deve meter-se na gestão das empresas, que era o que estava a acontecer agora, deve concentrar-se nas metas da transição para outra economia energética. Veremos se, com o mesmo secretário de Estado, isso é possível.

Já as outras substituições são mais sensíveis, e a pensar mesmo nas eleições, na resposta aos interesses do setor. Não serão ministros para mudar nada, menos ainda para reformar. Serão ministros para gerir. Na Cultura, na Saúde, e também na escolha do novo ministro da Defesa. Eram, são, as três pastas que mais problemas dão a Costa.

Na Cultura, o governo vai para o terceiro ministro, porque o primeiro foi João Soares. Mas o novo ministro Castro Mendes nunca agarrou o tema, e até levou o PS a perder apoios numa área crítica quando se embrulhou na confusão do concurso dos apoios às artes, leia-se na distribuição de subsídios. A escolha de Graça Fonseca é puramente política, para aplacar a contestação e garantir outra vez o apoio deste lobbie.

Na saúde, Adalberto Campos Fernandes era um desastre. Conhecedor do setor, especialista até, nunca soube gerir politicamente a área da saúde, e nem se pode dizer que a responsabilidade era de Mário Centeno. Também seria co-responsável, por exemplo por causa das cativações ou das 35 horas na saúde. Mas não soube impôr-se. Nem dentro do governo, nem na gestão do ministério com os diferentes agentes. As crises em várias administrações de hospitais ou a gestão do concurso para a ala pediátrica do São João no Porto são exemplos de um ministro que já não o era. E que estava a ser a área central de combate ao governo por parte da oposição. A escolha de uma profissional do setor, de dentro do SNS, tem como objetivo não arriscar. Estabilizar as relações. Mas como na Cultura, Marta Temido será uma ministra para dar uma resposta positiva aos agentes do setor, aos médicos, aos enfermeiros. Até ao BE e ao PCP.

Finalmente, o novo ministro da Defesa, por onde tudo começou. João Gomes Cravinho é um homem da diplomacia, já foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, e é isso que a Defesa quer agora, depois do confronto de três anos, por vários casos, com Azeredo Lopes. É um ministro de confiança política direta de António Costa, competente. A Defesa não dá votos, mas pode tirá-los. É esse o trabalho do novo ministro.

António Costa aprovou a proposta de Orçamento do Estado para 2019 esta sexta-feira, vai apresentá-lo ao país na segunda-feira. No domingo, mudou a equipa. Porque não baste ter um orçamento eleitoralista, é preciso um governo eleitoralista, também. Para a maioria absoluta em outubro de 2019.

Nota (escrita depois da publicação deste Editorial): António Costa manteve o ministro da Educação, Brandão Rodrigues, em plena guerra com os professores. Aparentemente, aqui, protege um ministro que desagrada às corporações. Porquê? Porque o problema, neste guerra, já não é do ministro, é mesmo do primeiro-ministro e do Governo. Ao contrário dos seus colegas remodelados, foi suficientemente habilidoso para transformar a discussão com os professores num tema assumido por Costa. Ganhou o seu salvo-conduto.

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