O Orçamento que vai morrer na praia
O OE2019 corre o sério risco de morrer na praia. Estando tão perto da meta almejada há tanto tempo, o equilíbrio orçamental, chegar-se ao final do exercício e as contas derraparem.
A primeira impressão com que se fica da proposta de Orçamento do Estado para 2019 (OE2019) é a de que o exercício orçamental parte de um cenário macroeconómico generoso. Ele prevê um crescimento real do PIB de 2,2% em 2019, o que representa uma ligeira desaceleração face a 2018, mas que continua acima das previsões mais recentes para 2019, quer da do FMI (1,8%) quer da do Conselho de Finanças Públicas (1,9%).
Neste domínio, o OE2019 afigura-se especialmente incoerente na vertente do investimento, na qual o Governo prevê uma aceleração do seu crescimento entre 2018 e 2019, de 5,2% em 2018 para 7,0% em 2019, quando o investimento é uma das primeiras pedras a cair quando a perspectiva geral é de desaceleração económica. Sem surpresa, em reacção à divulgação da proposta de OE2019, o Conselho de Finanças Públicas já veio alertar para este risco: o cenário macro do Governo é optimista.
A segunda impressão que resulta da proposta de OE2019 é a de que as políticas introduzidas em sede de negociação parlamentar, entre os parceiros do Governo, agravarão as contas públicas. Refiro-me, concretamente, às políticas que resultarão num aumento líquido da despesa pública, face ao cenário de políticas invariantes que havia saído do programa de estabilidade apresentado em Abril passado. Esse acréscimo líquido de despesa pública é de 313 milhões de euros, conforme detalhado na página 70 do relatório que acompanha a proposta de OE2019. Para aquele total, contribuem a redução das receitas no valor de 21 milhões de euros e o acréscimo de despesas novas de 292 milhões de euros.
Entre as novas medidas orçamentais individuais, destacam-se, como já era antecipado, as medidas relativas à despesa com pessoal e à despesa com prestações sociais. Juntas, representam um aumento da despesa de 720 milhões de euros, face ao cenário de políticas invariantes, e tenderão a perdurar no tempo. O acréscimo líquido de despesa pública referido antes, sendo próximo do défice nominal previsto para 2019 (um défice nominal de 385 milhões de euros), revela que o défice nulo estaria ao alcance do Governo caso este tivesse mantido o cenário de políticas invariantes.
A opção de não optar por uma consolidação orçamental mais ambiciosa, que também se consubstancia numa redução do saldo estrutural das contas públicas inferior ao que as regras europeias estipulam, evidencia a opção política que em última instância o Governo tomou: A cedência perante dois grupos de eleitores especialmente importantes, os funcionários públicos e os pensionistas.
Naturalmente, esta opção política foi acomodada de diversas formas. Começa no cenário macroeconómico optimista, um artificialismo que se pagará mais à frente, e termina no “joker” que o Governo tirou da cartola para 2019: os dividendos da Caixa Geral de Depósitos. Tal como no ano de 2018, também em 2019 os dividendos pagos por entidades públicas contribuirão com algum peso para o exercício orçamental. Será novamente o caso do Banco de Portugal, que entregará ao Estado as mais valias geradas com o programa de compra de activos do Banco Central Europeu, mas não só. Em 2019, também a CGD deverá contribuir para as receitas do Estado, sendo que na proposta de OE2019 se encontra registado um acréscimo no pagamento de dividendos no montante de 326 milhões de euros, face ao cenário de políticas invariantes.
O pagamento de dividendos por parte da CGD – que será agora vangloriado como a mais valia da recapitalização do ano passado, mas que é uma ínfima parte dos aumentos de capital que foram sendo financiados pelos contribuintes na CGD ao longo dos anos – permite assim amortecer o impacto do aumento da despesa social. Permite também acomodar a perda de receita associada à extinção definitiva da sobretaxa de IRS e à alteração dos escalões de IRS operadas no passado recente. Sobre os escalões de IRS, há que destacar a ausência de actualização dos escalões de rendimento em 2019. Trata-se de um truque fiscal, a fim de aumentar a elasticidade fiscal do imposto, fazendo parte das tácticas fiscais utilizadas pelos governos para aumentar a pressão fiscal pela calada da noite.
Quanto aos outros impostos, é de salientar a eliminação do pagamento especial por conta. Contudo, a sua eliminação será parcialmente compensada com o agravamento das tributações autónomas sobre os veículos das empresas. É ainda de referir o agravamento das taxas que incidem sobre o vício, designadamente no imposto sobre bebidas alcoólicas e açucaradas, entre outros impostos especiais sobre o consumo. E, por fim, a contribuição especial sobre o sector energético, que acabou mesmo por ser aplicada às energias renováveis até aqui isentas da contribuição.
É o reforçar do paradigma das contribuições especiais sectoriais, que hoje são aplicadas na banca, na indústria farmacêutica e na energia, certamente ao abrigo de lógicas políticas impecáveis – lógicas de conveniência –, mas que resultam na dupla tributação daqueles sectores e na mais pura arbitrariedade fiscal do Estado. Trata-se, a meu ver, de um péssimo modelo de taxação, que é apresentado como uma espécie de mal menor – e como forma de o Estado corrigir erros próprios anteriores –, mas que no limite é uma espécie de extorsão fiscal aos sectores atingidos.
No final e no balanço, o OE2019 corre o sério risco de morrer na praia. Com isto, refiro-me à possibilidade de, estando tão perto da meta almejada há tanto tempo, o equilíbrio orçamental, chegar-se ao final do exercício e as contas derraparem. É um risco real em face do cenário macroeconómico no qual o exercício assenta e que tanto depende de medidas não recorrentes como o pagamento de avultados dividendos por parte de entidades públicas. Dividendos que não são perpétuos, bem longe disso, e que, por conseguinte, desequilibrarão novamente as contas a partir do momento em que deixarem de existir.
A isto acresce ainda a poupança com juros que, como sabemos, tem também muito que se lhe diga. Em suma, no papel, a proposta de OE2019 afigura-se impecável: As receitas correntes serão superiores às despesas correntes e, antes do pagamento de juros, o saldo primário será superavitário. Todavia, na prática, é um OE com riscos significativos de execução, como Mário Centeno bem saberá. Sobre o ministro das Finanças, espero vê-lo a executar este orçamento até ao final. Pelo relevo que tem granjeado no Governo, é dele a responsabilidade técnica e também política do OE2019.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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