Os 9 recados de Catarina Martins
A menos de um ano das legislativas e com umas europeias pelo meio, a líder do Bloco usou a convenção para marcar posição. O ECO condensou os recados que Catarina Martins deixou nos dois discursos.
O Bloco de Esquerda esteve reunido numa convenção em Lisboa durante o fim de semana. A líder do partido foi protagonista de dois momentos altos da reunião magna dos bloquistas, quando fez os discursos de abertura e de encerramento. Das duas vezes, Catarina Martins aproveitou para deixar mensagens para dentro e também para fora. Condensámos a informação das duas intervenções.
- Se Costa vencer as próximas eleições e quiser repetir a geringonça tem de assinar um contrato com o Bloco de Esquerda. “Gostamos de acordos assinados.” Foi com esta clareza que Catarina Martins explicou que tipo de entendimentos prefere no futuro. Em julho, o jornal Público noticiou que Costa quer repetir acordos com BE e PCP mas que não vê necessidade de assinaturas. Dias antes, em entrevista ao mesmo jornal o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, dizia que “pode haver entendimento sem nada assinado” O modelo de contrato assinado foi usado em 2015 quando o PS assinou as posições conjuntas com BE, PCP e Verdes. Catarina Martins recorreu a episódio dos últimos três anos para explicar por que razão prefere o modelo mas formal. “Houve apenas um momento em que a legislatura esteve em risco”, contou, referindo-se de seguida à proposta de descida da Taxa Social Única para os patrões em troca do aumento do Salário Mínimo Nacional negociado para 2017. “O acordo [assinado em novembro de 2015] com o BE impedia essa medida.
- O Bloco está preparado para governar mas respeita a vontade popular. É uma espécie de aviso. Depois de lembrar a responsabilidade do Bloco nas medidas que foram sendo adotadas nestes três anos de geringonça, a líder do Bloco avisa que o partido estar no Governo “quando o povo quiser”. Horas antes, a deputada Mariana Mortágua garantiu que o partido está “pronto” para governar. E ao longo do encontro que decorreu em Lisboa foi por várias vezes sublinhado o nível de preparação do Bloco para apresentar propostas.
- Ao contrário de António Costa, Catarina Martins quis falar da geringonça e quis que essa diferença de trato fosse notada. No último congresso do PS, que aconteceu em maio deste ano, o primeiro-ministro passou ao lado da solução governativa que permitiu ao PS derrubar Passos Coelho no Parlamento, depois de ter vencido as legislativas de outubro de 2015 sem maioria na Assembleia. “O secretário-geral do PS, António Costa, escolheu concluir o congresso do seu partido sem se referir ao facto de que o governo só vive porque tem um acordo com os partidos à esquerda”, criticou a líder do BE. “Eu prefiro a cordialidade de sublinhar que esse caminho contra a austeridade foi possível porque houve uma convergência que nunca tinha antes existido, que essa convergência foi um sucesso para Portugal, saúdo com amizade toda a gente que trabalhou nesta convergência, o governo, o PS, o PCP, os Verdes”. A diferença de tom acontece depois de o caso Robles ter gerado um clima de mal estar entre o Bloco e o Governo.
- “Não nos arrependemos de nada do que conseguimos” e o que de bom foi conseguido foi graças à união à esquerda. No discurso de encerramento, a líder do Bloco de Esquerda aproveitou para destacar algumas medidas adotadas na legislatura e os benefícios que trouxeram para os portugueses. Entre os exemplos deixados estão o aumento do SMN – uma medida que resultou das posições de convergência assinadas em novembro de 2015 – que dá “mais 1.330 euros ao ano” aos cerca de 700 mil trabalhadores que o recebem. Referiu também, entre outros, a “poupança de 1.600 euros por cada filho na escolaridade obrigatória” em resultado da gratuitidade dos manuais escolares. Catarina Martins escolheu medidas que resultaram das posições conjuntas ou que resultaram de negociações posteriores para tentar mostrar a força do Bloco nesta solução de Governo. Já na abertura da convenção, a líder do Bloco tinha destacado a mesma ideia quando disse que “a política mudou porque o PS não teve maioria absoluta“. Nessa altura recuperou os ganhos conseguidos com a convergência registada em 2015. O programa que o PS levou às eleições de 2015 tirava “1650 milhões de euros com o congelamento das pensões e mais 1050 milhões em prestações sociais”, acrescentando que “se o PS tivesse imposto a sua vontade, os pensionistas teriam perdido o equivalente a duas pensões”. Uma posição que mostra uma diferença face ao que pensava em agosto de 2016, quando numa entrevista ao Público disse que todos os dias se arrependia da geringonça.
- O “voto útil morreu” e o Bloco já não é um partido menor. A convenção do Bloco foi também um momento de afirmação interna do partido. A líder do Bloco afirmou logo no início dos trabalho que para haver uma política mais à esquerda já não é preciso votar no PS, o que foi demonstrado pela solução governativa de 2015. Por isso, o “voto útil morreu” – uma lição de 2015 que Catarina Martins não quis que seja esquecida em 2018. Já no discurso de encerramento, a líder do Bloco usou várias vezes a palavra “maioria”. “Não há família em que os idosos, os pais, os filhos ou as netas” não tenham tido ganhos nestes três ganhos. “Lutamos para a maioria. Não nos esquecemos de ninguém”, disse, tendo assim mostrar que o Bloco já não é um partido de franjas. No entanto, ao mesmo tempo que tenta fazer valer a sua força, o Bloco antecipa como serão os próximos tempos. “2019 é o ano de uma campanha potente, o capital quer que esta legislatura seja um parêntesis para não esquecer, mas que permita voltar à boa e velha alternância. Essa campanha, quando olha para o estado da direita portuguesa, sabe que só uma maioria absoluta do PS pode despejar o Bloco e a libertação do PS”, disse o dirigente Jorge Costa.
- Não é só Costa que consegue impossíveis. Foi outra ideia e expressão usada por Catarina Martins nos dois discursos. O perfil político do primeiro-ministro costuma ser associado a alguém que consegue pôr em prática soluções que pareciam impossíveis. O próprio já usou a imagem da vaca que voa para contar a história de como vê o programa Simplex (um programa de modernização administrativa). Mas a imagem também já serviu para comentadores falarem sobre a geringonça – a solução governativa que levantou dúvidas em 2015 e que dura até hoje. Este fim de semana, Catarina Martins também usou a mesma ideia para salientar o papel do Bloco nas políticas adotadas. “Diziam que era impossível descongelar pensões e subir o SMN”, lembrou, mas o “diabo não apareceu” e o “facto é que virámos a página da austeridade”.
- O Bloco também fala em reformas estruturais e não são fáceis para o PS. Com o guião das posições conjuntas praticamente cumprido, o Bloco destaca quais são os seus combates para os próximos tempos. Na abertura da convenção referiu-se ao combate à precariedade, ao fim das rendas na energia e à aposta nos transportes públicos e na saúde. No encerramento, usou a expressão “reformas estruturais” para mostrar que não olha apenas para o curto prazo. São cinco: nova Lei de Bases da Saúde, melhores salários com resposta à demografia, combate às alterações climáticas, nomeadamente, através da “baixa progressiva para os preços dos passes sociais“, controlo público do sistema de crédito e de bens comuns e criação da Entidade da Transparência como meio de combate à corrupção.
- O caso Robles para mostrar que as políticas não mudam. Na abertura da convenção, Catarina Martins usou o caso Robles – o vereador de Lisboa que se demitiu depois de envolvido numa venda polémica sobre um imóvel – para dizer que o Bloco “não mudou de políticas” estando antes a “mudar a política”. E lembrou que mesmo perante o caso de Ricardo Robles, o Bloco não ficou “calado” sobre o problema da habitação nas grandes cidades.
- O tratado orçamental e a reestruturação da dívida. No discurso de encerramento, Catarina Martins defendeu a mudança do Tratado Orçamental, porque este “criminaliza o investimento”. No entanto, ao contrário de registos anteriores em que a reestruturação da dívida era um elemento dominante dos discursos da líder do Bloco, desta vez Catarina Martins passou ao lado da questão. Apesar de a dívida externa, pública e privada, fazer parte do diagnóstico que preocupa o BE, a reestruturação do pagamento da dívida aos credores já não foi elencada como solução. Apenas no discurso de abertura houve uma referência à dívida quando anunciou que Marisa Matias seria de novo a cabeça de lista do partido às europeias e lembrou a “coragem” da eurodeputada que “levantou-se contra a dívida no tempo em que obedecer à troika parecia escolha única e fez a difícil campanha europeia de 2014”.
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