Mas a Caixa ainda é pública porquê?

Esta semana, a CGD perdeu a moral e perdeu valor. Sem dinheiro, já tinha abdicado de fazer muito serviço público. Depois disto, devemos mesmo discutir o papel da Caixa. Sim, e a nacionalização dos CTT

1.
Esconderam-nos a auditoria durante mais de um ano. A nós, que pagamos a Caixa, mas também aos deputados, que nos representam. Agora passaram todos uma vergonha – uma comentadora apanhou o documento e mostrou-nos como o banco público era gerido.

  • Uma comissão de avaliação de risco que era ignorada – sendo até 2008 liderada pelo próprio presidente do banco;
  • Garantias que não eram exigidas;
  • Créditos aprovados sem papéis;
  • Financiamento a um banco concorrente para financiar uma guerra política e financeira;
  • Sete empréstimos totalmente perdidos pelo banco – sabe-se lá quantos por favor;
  • Mais de 1,2 mil milhões em perdas – que serão bem maiores, mas a investigação parou em 2015 quando a Caixa ainda não tinha dinheiro para assumir todas as imparidades (como explicou bem a Helena Garrido, no Observador).

Tudo isto demorou uma eternidade a ser conhecido. Tanto tempo que os eventuais crimes se arriscam a uma prescrição. Tanto tempo que não há inocentes na história. Nem o PSD e CDS, que pediram um inquérito mas nada quiseram saber enquanto foram Governo (e quando tinham representantes na administração); nem o PS, que pediu esta investigação, mas continua a esconder os resultados e a chutar as responsabilidades para outros.

Mas já lá vamos. Primeiro, é preciso dizer que lhes perdemos o respeito – aos antigos gestores da Caixa.

2.
Há dois anos, precisamente, Faria de Oliveira e Carlos Santos Ferreira foram à comissão de inquérito à CGD dizer-nos que a culpa tinha sido da crise, ou que não se lembravam dos créditos que tinham dado enquanto presidentes do banco público.

Agora, mesmo depois de a amnésia ter passado, Faria de Oliveira teve a lata de nos dizer que “o conselho de crédito dá pareceres que não são vinculativos”; e que, “claro que não”, não deu créditos indevidos. Parece que ainda é presidente da Associação Portuguesa de Bancos…

(Melhor fez Santos Ferreira – calou-se. Pelo menos não trouxe mais desculpas).

A verdade é que, há dois anos, a Caixa foi recapitalizada com 3,9 mil milhões dos nossos impostos. A verdade é que, para lá da crise que afetou todos, houve muito má gestão na CGD, violando as regras que tinham que ser cumpridas em qualquer banco – muito mais no que é público.

Sobre isto, não há perdão – mesmo que não haja pena aplicada.

3.
O que também já sabemos são as consequências que a Caixa sofreu. Precisou de um reforço de 4,9 mil milhões de euros, sendo que desses 3,9 mil milhões vieram dos nossos impostos (esqueça o BPN, pior só mesmo o BES).

Sabemos, também, que Frankfurt e Bruxelas só autorizaram o Estado a pôr tanto dinheiro na Caixa com uma condição: que o banco público se passasse a comportar como um banco… privado. A primeira consequência foi ter que se financiar no mercado, com taxas tão altas que seria improvável um privado pagar: mais de 10%.

Quem também perdeu com isso foi quem trabalha na Caixa – ou precisa dela. A partir de 2016, o banco teve que negociar muitas rescisões, tirar direitos a trabalhadores (alguns dos quais sem o poder fazer), subir comissões para quem tem lá conta (mesmo para os pensionistas e para os jovens) e encerrar dezenas de balcões – sobretudo no interior do país.

Na prática, para o acionista Estado, ter a Caixa passou a ser tarefa única: é só procurar quem queira ser presidente (aceitando entregar declarações de rendimentos no TC). Depois, é deixá-la fazer o que os outros bancos fazem, na esperança de que não dê mais prejuízo.

A avaliar pelo que descobrimos que era feito antes, não é mau. Pelo menos deixou de ser gerida com favores políticos ou por administrações que não cumprem as regras.

Mas, mesmo com fé que tudo isso tenha ficado para trás, já não faz sentido manter o tabu de Mário Centeno. Com as restrições à gestão que Bruxelas impõe, com as restrições à gestão que o setor público sempre trás (restrições de salários, p.e.), que função tem hoje a Caixa como banco do Estado? Vale mesmo a pena que seja 100% público?

4.
Porque ninguém quer discutir nada de estrutural, eis-nos perante a esquizofrenia do nosso status quo político:

  • O PS pede auditorias mas esconde-as; aceita que a Caixa jogue o jogo dos privados, mas não aceita discutir a privatização;
  • A esquerda (não podendo pedir a nacionalização) critica a administração pelos fechos de balcões, mas não pede contas ao Governo; incentiva as comissões de inquérito mas bloqueia as conclusões;
  • E a direita, no afã de ter argumentos políticos, já pede o fim do sigilo bancário e exige o apuramento das decisões – depois de anos em que abdicou de tirar as consequências.

Ainda não vou defender que se privatize a Caixa. Não agora, que o banco desvalorizou tanto, e quando já nem lhe resta o sigilo bancário – perdendo mais um argumento face à concorrência. Mas não alinho no tabu e insisto mesmo na pergunta: havendo concorrência, havendo investidores estrangeiros, a Caixa hoje é 100% pública porquê? Porquê, se já sabemos por prova dada que o Estado vai sempre assumir as perdas com qualquer banco, seja ele privado ou público?

5.
Foi exatamente um dia antes de se abrir este debate que o PS se agitou com outro debate. Sobre os CTT. Vendo mais balcões a fechar pelo interior, sentido a pressão dos seus autarcas, as distritais do Porto, Guarda, Algarve, foram pedir a António Costa para que revertesse a privatização. Ou seja, para que nacionalizasse os correios. No Parlamento, Bloco e PCP aproveitavam a onda e gritavam em coro: nacionalize-se os CTT. Que pontaria.

Que triste figura, também. Porque na Caixa também se fecharam balcões, também se piorou o serviço – que já é mais privado que público. Mas como a Caixa já é do Estado, nunca mais se ouviram os protestos. É política.

Mas é uma pena. Porque não faltam razões para criticar a atual gestão dos CTT: uma distribuição louca de dividendos, uma evidente estratégia de redução de custos, de balcões, de desinvestir num serviço que é público, mas concessionado. E em monopólio (ao contrário da Caixa, já agora).

Ora aí está outro tabu que podíamos quebrar. Sim, podemos e devemos discutir o futuro dos CTT: nacionalização, renegociação ou até a abertura do negócio a outros concorrentes. Porque não?

O azar é que, com toda a polémica sobre a Caixa, quem se salvou mesmo de uma pressão enorme foram os donos e administradores dos CTT. Pena, porque mereciam mesmo um puxão de orelhas.

P.S. O Banco de Portugal e a administração de Paulo Macedo alegam que já têm o relatório final “há muito tempo” e que este é “muito diferente” do que o preliminar, agora conhecido pela mão de uma comentadora.
Primeiro: se já o têm há muito tempo por que não tomaram, atempadamente, medidas adequadas? Ou faltam-lhe poderes para isso?
Segundo: se é muito diferente, por que não o dão a conhecer agora e nos deixam ficar com o retrato errado?
Terceiro: se é mesmo muito diferente, mudou porquê? Alguém perguntou? Ou como estava não dava jeito?

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