Um abutre pousou na EDP (Energias e Dividendos de Portugal)

É curioso que os chineses, comunistas que são, jogam na EDP pelas regras do mercado capitalista. Já os americanos querem ganhar na secretaria. E querem para a EDP uma estratégia que deu cabo da PT.

Paul Elliott Singer é um daqueles investidores que os norte-americanos apelidam de “abutre”. Entra nas empresas ou compra dívida soberana dos países quando estão quase em bancarrota e tenta, através dos tribunais e de técnicas de guerrilha financeira e jurídica, recuperar o valor facial dos investimentos.

Na década de 90, comprou dívida do Peru e quando Alberto Fujimori se preparava para fugir do país, Paul Singer mandou arrestar o seu jato privado. Só o deixou embarcar quando o Tesouro do Peru lhe pagou 58 milhões de dólares por dívida em default que tinha comprado por 11,4 milhões. Também enriqueceu comprando dívida da falida Argentina.

Paul Singer resolveu agora entrar no capital da EDP numa altura em que os chineses lançaram uma oferta pública de aquisição (OPA) para ficar com a totalidade do capital da maior elétrica nacional. Aparentemente, o Sr. Elliott está contra a OPA e resolveu enviar uma carta a Luís Amado, presidente do Conselho Geral e de Supervisão, com um plano alternativo para a EDP.

A República Popular da China já controla 23,27% da EDP através da China Three Gorge e mais 4,98% através da sociedade CNIC e lançou a OPA para ficar com a maioria do capital. É curioso constatar que o país governado pelo Partido Comunista da China está a tentar comprar a elétrica portuguesa pelas regras de mercado e que os norte-americanos, do alto do seu capitalismo, estejam a ensaiar manobras de secretaria e bastidores para derrotar a OPA fora dos mercados.

Paul Singer, white knight ou a besta negra da EDP?

Mas afinal, o que Paul Singer quer para a EDP? O investidor acha, e bem, que a OPA dos chineses muito provavelmente vai morrer nos reguladores ou vai obrigar os chineses a venderem o ativo mais apetecível da EDP, que é o negócio das renováveis nos EUA — ainda está para vir o chinês que convença Donald Trump a ficar dono do terceiro maior fornecedor de energia renovável nos Estado Unidos da América.

Como tal, Paul Singer, que entrou na EDP já após a OPA e detém 2,29% do capital, propôs um plano alternativo para a elétrica nacional que consiste em vender ativos avaliados em 7,6 mil milhões de euros. Sim, 7.600.000.000 euros, mais de metade do market cap da empresas que é de 11,8 mil milhões. Donde vem este dinheiro? 2,3 mil milhões de euros através da venda da EDP Brasil, 3,6 mil milhões através da alienação de 49% das redes de distribuição de eletricidade na Península Ibérica e mais 1,7 mil milhões hão de vir da venda das centrais termoelétricas na Península Ibérica.

Vendendo mais de metade da EDP, para onde irá o dinheiro? O investidor americano quer que parte do dinheiro seja usado para acelerar o investimento no negócio das energias renováveis e parte para abater dívida. Paul Singer tem razão sobre o negócio das renováveis, mas isso foi pólvora que António Mexia já há muito descobriu quando resolveu, e bem, há mais de 10 anos comprar a Horizon à Goldman Sachs, entrando assim no negócio das renováveis nos EUA. Essa compra (por 2,74 mil milhões de dólares), e outras entretanto efetuadas por António Mexia, foram feitas com recurso a dívida e é por isso que a elétrica portuguesa é hoje uma das mais envidadas do setor na Europa (ver tabela).

Fonte: Reuters

Paul Singer tem razão quando diz que a EDP poderia usar parte do encaixe para abater à dívida. Mas o plano do investidor americano para a EDP não fica por aqui. Quando vemos um abutre à volta de uma presa indefesa (neste caso, a EDP nas garras dos chineses), com alguma propriedade podemos presumir que quererá dar uma dentada.

O plano de Paul Singer prevê que o dinheiro que a EDP liberte com a venda de ativos também seja usado, adivinhe-se… para pagar dividendos aos acionistas. E a dentada é valente. A ideia é aumentar os dividendos na EDP a uma média anual de 11% no período de 2019 a 2022, face ao cenário atual de dividendos estáveis. E um programa de share buyback (remuneração acionista através de compra de ações próprias) avaliado em 1,2 mil milhões de euros.

A EDP é já hoje uma das empresas do setor que melhor remunera os seus acionistas (ver tabela). E mesmo depois do profit warning de 200 a 300 milhões de euros para este ano por causa dos CMEC não alterou a política dos dividendos.

Fonte: Reuters

Se optasse por seguir a estratégia de Paul Singer, a EDP seria transformada numa EDPezinha e os dividendos subiriam para níveis estratosféricos comparando com as pares e com qualquer cotada.

Aqui chegados, creio que ficamos a perceber as reais intenções deste súbito interesse dos americanos na EDP. Afinal, o que se pensava ser um white knight da EDP [terminologia usada nos mercados para designar os investidores que vêm salvar uma empresa de uma OPA hostil] afinal não passa de uma besta negra [terminologia usada na linguagem de taberna para designar um investidor que vai dar cabo de uma empresa].

A última vez que uma empresa adotou a estratégia sugerida por Paul Singer para se defender de uma OPA foi a antiga Portugal Telecom. Também vendeu ativos em massa para premiar os acionistas que chumbassem a OPA da Sonae, aumentou exponencialmente o valor dos dividendos, fez vários programas de share buyback e ainda, coincidência, também vendeu o negócio lucrativo no Brasil à espanhola Telefónica, tudo em nome dos dividendos. E também, claro está, Paul Singer investiu na PT (a shortar, quando se conheceu o investimento ruinoso em papel comercial da Rioforte). Foi um preço demasiado alto que Henrique Granadeiro e Zeinal Bava pagaram para derrotar Belmiro de Azevedo e que quase rebentou com aquela que era a maior empresa portuguesa.

Hoje esse estatuto pertence à EDP. Como tal, vai ser curioso ver qual será o plano estratégico que o CEO da empresa vai apresentar ao mercado no dia 12 de março. Se António Mexia apresentar qualquer coisa que se assemelhe a uma venda massiva de ativos e prometer dividendos, teremos de concluir que Paul Singer não é o white knight ou cavaleiro branco da EDP, mas o cavalo de Tróia de António Mexia. Caso contrário, é ter paciência de chinês e esperar que a OPA saia derrotada ou vitoriosa onde é suposto ser, nos reguladores e no mercado.

(Nota: A informação de que “a PT teve Paul Singer como acionista” que constava na versão inicial deste texto não estava correta, já que Paul Singer esteve na PT apenas com posições curtas, com vendas a descoberto.)

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