A nacionalização dos CTT volta ao Parlamento. Em entrevista ao ECO24, Francisco Lacerda rejeita esse caminho, explica os resultados de 2018 e garante que os CTT cumprem o serviço público universal.
Os CTT estão num conflito público e notório com a Anacom, o regulador setorial, mas Francisco Lacerda garante em entrevista ao ECO24 — um programa da TVI24 com o ECO — que não acredita em teses de perseguição. “Eu não posso acreditar nisso, nem quero acreditar nisso”. Ainda assim, aponta uma mudança de atitude da Anacom em relação aos CTT a dois anos do fim do contrato de concessão. Lacerda garante que os CTT querem manter esse contrato após 2020, mas não abre o jogo sobre as novas condições de negociação. Sobre a eventual nacionalização dos CTT, que é discutida esta quinta-feira no Parlamento, o presidente executivo do operador de correios afirma: “Não vejo vantagens em ter os CTT nacionalizados”.
Os CTT estão a mentir nos números das reclamações, como acusa a Anacom?
Os CTT não mentem, nem prestam informação enganosa. Os CTT são transparentes. Em termos do número de reclamações, seguimos uma norma europeia, que é uma norma que a Anacom prevê. Há um conjunto alargado de reclamações, em sentido lato, que são recebidas pelos CTT, quando os clientes falam com os CTT, procurando ou reclamando um serviço, mas não se trata de perguntas abstratas, são casos concretos de serviços. Foi com base neste critério que nós divulgamos estes números.
Afinal, entre reclamações e pedidos de informação, onde é que está a diferença entre a Anacom e os CTT?
Os pedidos de informação, o nome pode levar ao engano, são reclamações que são rapidamente resolvidas. Não obrigam a trabalho adicional, enquanto as reclamações já obrigam a trabalho adicional.
E quais são, afinal, os números das reclamações em 2018?
O total de reclamações, mais pedidos de informação, baixaram de 271 mil em 2017 para 252 mil em 2018. Daí os cerca de 7%. Se separarmos as duas dimensões, a evolução é diferente, fundamentalmente com um aumento das reclamações nas encomendas, onde a atividade também está a crescer bastante.
Há entendimentos diferentes entre os CTT e a da Anacom, e não só nesta matéria. Há uma perseguição da Anacom aos CTT?
Eu não posso acreditar nisso, nem quero acreditar nisso. Acho que a Anacom está a fazer o seu trabalho da forma que assim entende e os CTT estão a trabalhar como sempre trabalharam. Agora, o que temos sentido — e penso que não somos o único operador de comunicações que o sente — é que, de facto, há uma alguma mudança de requisitos, desde há um ano e pouco… num contrato de concessão de 20 anos em que os requisitos foram relativamente estáveis, nos últimos anos tem havido mudanças com algum significado.
Houve uma mudança de presidente da Anacom. A Anacom, no passado, não fez o seu trabalho e agora está a fazer o trabalho?
Os CTT sempre sentiram a Anacom como exigente. O tipo de exigência é que pode ir variando ao longo do tempo.
Os CTT estão a cumprir o serviço público universal? O regulador fez críticas e impôs novos critérios de avaliação de qualidade dos serviços dos CTT para 2019 e 2020.
Os CTT estão a cumprir a obrigação em termos de qualidade. Desde 2013 que os CTT estão a cumprir o indicador de qualidade de serviço, o indicador que faz a síntese de todos, acima do obrigatório. A qualidade é cumprida e vamos esperar mais umas três semanas, até 15 de março, para ver. Pelos indícios que tenho, isto só será confirmado ou melhorado. Um outro tema que também aparece é relativo à densidade da rede [de estações e postos]. Temos ou não temos a densidade a que somos obrigados? Temos.
Também há uma avaliação diferente entre a Anacom e os CTT…
Não, aqui não há interpretação diferente. A Anacom faz a mesma interpretação que os CTT, que é o que está na lei. A questão que a Anacom levanta é que quando o posto [dos CTT], eventualmente, não tem todas as condições que deveria ter, aí há que atuar para que passe a ter.
Então, porque é que a Anacom diz que os CTT abandonaram as populações?
Nunca ouvi a Anacom a dizer isso. Os CTT não só não abandonaram as populações como até reforçaram a sua presença. O número de postos dos CTT subiu em cerca de 60 nos últimos anos.
Quando fala de postos, são postos diretos ou parcerias com terceiros que prestam o mesmo serviço….
Posso garantir que haverá muito poucos concelhos que só tenham um posto com essas características. Portanto, nesses postos são feitas todas as operações do serviço universal de correios.
No crescendo de acusações entre a Anacom e os CTT, trata-se só de uma questão semântica?
Não acho que haja qualquer divergência entre os CTT e a Anacom sobre o que é um posto dos CTT. Pode haver um caso ou outro em que a Anacom fiscalizou um posto que hoje não está exatamente como deveria estar. Mas estamos a falar de coisas que não são estruturais… não quero ser mal interpretado, é fundamental um posto com qualidade.
O contrato de serviço universal termina em 2020. Os CTT querem continuar a ser o prestador desse serviço público?
Os CTT dizem há bastante tempo que têm muita honra e interesse em continuar a ser o prestador de serviço público universal, mas, obviamente, em condições que façam sentido.
É razoável manter as condições que existem hoje no novo contrato de concessão?
Eu não vou abrir conversa sobre o futuro em público, antes de falar no sítio certo. O que é facto é que o contrato de concessão e os requisitos de qualidade que existiam, nós considerámos que estão equilibrados para a situação destes 20 anos que passaram.
Mas há novas exigências para este ano e para 2020?
Quanto a estas novas exigências, consideramos que desequilibram o contrato e por isso mesmo é que as pusemos em questão no tribunal arbitral.
Exigem uma compensação financeira…
Se não for considerado que esses requisitos não devem ser impostos, então fazemos uma estimativa de quais são os impactos no desequilíbrio da concessão.
Fixa em 12 milhões de euros o valor do reequilíbrio financeiro a serem aplicados se esses critérios se mantiverem. Na relação custo/benefício, quando é que vale o serviço universal?
Não temos dados divulgados publicamente sobre isso. Consideramos que há um custo líquido no serviço universal e, em breve, voltaremos a falar sobre isso. O que estamos aqui a falar, como eu disse, é uma estimativa do que poderia custar à aplicação dos [novos] critérios tal como foram definidos.
Anunciou [esta quarta-feira] que os resultados líquidos dos CTT caíram 28% em 2018 face ao ano anterior. Como explica estes resultados?
Os resultados, de facto, caíram, mas o EBITDA (Lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) subiu. O que aconteceu com os resultados foi que, em 2018, tivemos um impacto maior no que diz respeito a indemnizações relacionadas com o programa de rescisões por mútuo acordo. E, também, há uma diferença de mais-valias, que em 2018 foram mais pequenas do que no ano anterior. Mas a base recorrente de resultados está a evoluir num caminho certo.
Sem querer entrar muito em temas ideológicos, o que é um facto é que os CTT estão no meio de uma transformação muito profunda, resultado da envolvente. Essa transformação está a ser executada, com muito dinamismo e determinação. E considero que é possível fazer esta transformação de uma maneira mais rápida num enquadramento privado, do que num enquadramento público.
O negócio dos CTT está dividido em três grandes áreas, os correios, as encomendas e a banca e serviços financeiros. É uma fatalidade que o negócio das cartas venha a perder peso no negócio dos CTT?
A diminuição do volume de correio é demonstrada pelos factos de há muitos anos. É uma realidade que está connosco desde 2001, que foi o pico do correio. Estamos a falar, neste período de tempo, em menos de 50%. Portanto, o volume de correspondência em Portugal caiu 50%.
Com medidas do lado do mix de produtos — porque há produtos que tem mais valor acrescentado — e com medidas ao nível do preço — dentro do que podemos fazer nas regras regulatórias — temos conseguido gerir, por um lado, a receita e, por outro lado, através da execução do plano de transformação operacional, temos conseguido baixar os custos. E, por isso mesmo, o EBITDA subiu relativamente a 2017.
A Anacom apontou também para uma imputação errada de custos entre o Banco CTT e os CTT, prejudicando, de alguma maneira, a empresa de correios. Que explicação é que tem para isso?
Não tenho explicação muito completa, na medida em que essa questão foi muito recente e estamos a analisar. Mas, de qualquer modo, o que posso e quero dizer é que temos um sistema de afetação dos custos às várias atividades e isto foi feito sempre com a preocupação de rigor. Vamos olhar e analisar, mas o que é um facto é que nós fizemos com todo o rigor essa afetação.
O que é que o país ganhou com a privatização dos CTT? Se é que ganhou alguma coisa…
Sem querer entrar muito em temas ideológicos, o que é um facto é que os CTT estão no meio de uma transformação muito profunda, resultado da envolvente. Essa transformação está a ser executada, com muito dinamismo e determinação. E considero que é possível fazer esta transformação de uma maneira mais rápida num enquadramento privado, do que num enquadramento público. Além disto, o Estado também teve o encaixe financeiro que teve quando os CTT foram vendidos.
Então, os CTT não devem ser nacionalizados?
Na minha opinião, não vejo vantagens em ter os CTT nacionalizados. Sobre os critérios que são apontados — de, por um lado, os CTT não terem qualidade suficiente e a qualidade piorar permanentemente e, por outro lado, que os CTT estão a abandonar as populações –, penso que já respondi antes. OS CTT cumprem os critérios de qualidade e não estão a abandonar as populações.
Há ainda outro critério de avaliação que tem a ver com a dimensão financeira. Entre o que os privados pagaram ao Estado e o que, entretanto, receberam de dividendos, o Estado poderia ter sido ele próprio a gerir os CTT e a receber esses dividendos…
As decisões do Estado, não fui eu que as tomei. O que é um facto é que temos um dividendo que é inferior ao resultado líquido, neste caso em 75%. Mas não deixámos de investir por causa disso. Vamos investir 55 milhões de euros, que é mais do que nos anos anteriores… Investimos no plano de transformação, no plano de criar o Banco CTT e na aquisição da 321 Crédito. Temos muitas frentes de investimento e temos tido meios para o fazer.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não vejo vantagens em ter os CTT nacionalizados”
{{ noCommentsLabel }}