O padre Melícias e o ‘ratinho’ do Montepio
Na órbita de Tomás Correia continuam a gravitar políticos, figuras públicas e eclesiásticas, que criaram à volta dele um buraco negro regulatório que o protege de ser corrido do Montepio.
Foi há dez anos que a agência BBDO lançou uma campanha publicitária para promover os produtos de retorno absoluto do Banco Privado Português (BPP). A agência publicitária pediu a 60 figuras da sociedade portuguesa para escreverem sobre a sua relação com o dinheiro. Os textos foram publicados em jornais, com anotações à margem feitas pelo próprio BPP a promover os seus produtos, nomeadamente aquele produto do retorno absoluto que era vendido como se de um depósito a prazo se tratasse. Muitos clientes foram enganados.
Uma das figuras que deu a cara pela campanha do BPP foi Manuel Alegre. O caso estoirou em plena campanha para as presidenciais e, na altura, o escritor alegou ter feito um texto literário, sem saber que estava a participar numa campanha publicitária para o BPP.
Outro a dar a cara pelos produtos do BPP foi o padre Vítor Melícias. No seu texto publicitário, o padre franciscano escreveu que o dinheiro “é apenas um instrumento, cheio de tantos perigos, como de potencialidades para fazer o bem e impulsionar o desenvolvimento da humanidade”. Na palavra “potencialidades”, o BPP fez um asterisco e escreveu à margem: “Com a nossa Estratégia de Retorno Absoluto, que garante valorizações reais e potenciais muito competitivas e a conservação do capital investido, são bem mais as potencialidades do que os perigos”. Quem investiu perdeu o capital dito garantido e o retorno dito absoluto. Nem uma palavra de conforto, creio, receberam do padre Vítor Melícias.
Dez anos depois de ter dado a cara pelo BPP, o padre Vítor Melícias, numa atitude muito cristã, deu a outra face para defender um outro banco: o Montepio e a Associação Mutualista da qual é presidente da Assembleia Geral. Mesmo depois de Tomás Correia ter sido condenado pelo Banco de Portugal por, entre outras coisas, realizar operações ilegais para esconder créditos em incumprimento, e mesmo depois de se saber que Tomás Correia é arguido pelo Ministério Público e suspeito, entre outras coisas, de ter recebido 1,5 milhões do construtor civil José Guilherme, o padre Vítor Melícias mantém-se um acérrimo defensor de Tomás Correia.
Aliás, perante as notícias que dão conta da possibilidade de a idoneidade de Tomás Correia poder vir a ser reavaliada após as condenações do Banco de Portugal, conta-nos o Observador que, no final da reunião desta semana do Conselho Geral, o padre Vítor Melícias saiu em defesa de Tomás Correia e atacou quem quer correr com o presidente da mutualista. “Isto não pode ser assim, os órgãos sociais da Associação Mutualista foram legitimamente eleitos e não é nenhum secretariozeco nem nenhum ministro que vão retirar do cargo pessoas democraticamente escolhidas pelos associados”, terá dito o padre Vítor Melícias.
Como é que o padre Melícias, com aquilo que sabemos hoje, continua a apoiar Tomás Correia? É um mistério. Aliás, como é que um sem número de figuras públicas e políticos continuam a achar normal que alguém condenado pelo Banco de Portugal continue a ser responsável por gerir as poupanças de 620 mil portugueses?
Escreve o Observador neste perfil, que Tomás Correia gosta de se apelidar de “ratinho da lezíria” para sublinhar as suas origens humildes. Só que de “ratinho” pouco ou nada tem hoje em dia. O homem forte do Montepio montou à sua volta uma teia de cumplicidades de gente bem colocada que o protege, independentemente das suspeições e condenações de que é alvo. De “ratinho” já nada tem Tomás Correia. Quanto muito é um gato com sete vidas. Cada vez que cai, há sempre um político, um regulador, um maçom, um ministro, um padre para o amparar na queda.
Esta quarta-feira, o PSD veio criticar o que chamou de “jogo cúmplice entre o Governo socialista e o socialista Tomás Correia”. Que jogo é este? O jogo do gato e do rato? Brincar com as poupanças de 620 mil portugueses é um jogo que nos pode sair muito caro. Vítor Melícias tinha a obrigação de saber porque João Rendeiro andou a jogar este jogo no BPP, com a bênção publicitária do padre, e estorricou 1,8 mil milhões de euros de clientes que compraram gato por lebre.
Além de amigos que gravitam à sua volta jurando fidelidade, criou-se à volta de Tomás Correia um vácuo regulatório que o protege de ser corrido da Associação Mutualista: o Banco de Portugal deixou de o poder avaliar, a ASF diz que só o pode fazer daqui a 12 anos e o Ministério da Segurança Social de Vieira da Silva tem andado há meses a assobiar para o lado, chegando ao cúmulo de ter defendido que 200 milhões de euros de dinheiro dos pobres da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa poderiam ser canalizados para o banco de Tomás Correia.
Esta quinta-feira, perante o vazio legal que o próprio Governo criou com o novo Código das Mutualistas, o primeiro-ministro prometeu que fará aprovar em conselho de ministros uma “norma clarificadora” que esclareça que cabe à ASF avaliar a idoneidade de Tomas Correia. Resta saber se uma “norma clarificadora” é suficiente e dará segurança jurídica à ASF para avaliar e, esperemos nós, retirar a idoneidade a Tomás Correia. Se assim não for, chamam o padre, até pode ser o Vítor Melícias, para dar a extrema-unção à credibilidade dos políticos, banqueiros e reguladores deste país.
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