As greves boas e as greves más
Depois da greve dos enfermeiros e da greve dos motoristas, descobrimos que há greves boas e greves más. Que sirva, ao menos, para abrir a discussão sobre as condições de exercício do direito à greve.
Foi assim com os estivadores, foi assim com os enfermeiros, está a ser assim com os motoristas de matérias perigosas. São movimentos que não são controlados nem por partidos, nem pelo CGTP (a UGT só existe porque dá jeito ao PS e ao PSD), são movimentos que se organizaram em sindicatos e são muito recentes e perceberam que as redes sociais podem ser usadas a seu favor. São os maus grevistas, são os suspeitos, que estão ao serviço de interesses.
Assistimos a isto nas últimas greves, a uma tentativa de descredibilização de trabalhadores e sindicatos. Com os enfermeiros, com os professores que não dependem de Mário Nogueira e da Fenprof, agora com os motoristas de matérias perigosas que estão fora da Fectrans. São investigados os promotores, os seus líderes e as respetivas fontes de financiamento. Ficamos até a saber que há um vice-presidente sindical que não é motorista, é advogado, e até tem um Maserati, como se isso fosse relevante para as reivindicações daqueles trabalhadores, justas ou não. Tão relevante como saber que o ministro que ‘resolveu’ a greve tinha um Porsche.
O escrutínio a estes novos sindicatos – desejável – não tem paralelo com o escrutínio aos sindicatos instalados e dependentes da nomenclatura partidária e laboral. Há uma evidente descriminação negativa. Agora, sabemos, há os bons e os maus dentro do sindicalismo, os nossos e os deles. Afinal, nem todos as lutas dos trabalhadores se justificam, nem todas as reivindicações são justas. No limite, há o bons e os maus trabalhadores, as greves que estão dentro dos limites e as que os ultrapassam, as selvagens.
Há várias razões para o aparecimento destes novos sindicatos, uma delas, a mais óbvia, a incapacidade dos sindicatos existentes de os defenderem. Mas parece haver uma vaga de novos movimentos agora, que fogem ao controlo político e sindical. Uma das razões é mesmo a Geringonça.
A Geringonça, com o PS no Governo e o apoio do PCP e do BE, foi construída para servir o poder e, como é evidente ao fim de quase quatro anos, não se serve o poder nas ruas. E estes anos até foram particularmente favoráveis, porque o crescimento económico internacional e a austeridade interna – que mudou de sítio – chegaram para redistribuir. Criaram-se expectativas, fizeram-se promessas, e agora a Geringonça não chega para defender os trabalhadores. E o que fazem? Organizam-se de outra forma, noutros sindicatos. Como é que a Geringonça está a responder? Tentando descredibilizar estes movimentos, o melhor caminho para o aparecimento de outros, noutros setores.
Destas greves, ressalta uma oportunidade ‘soprada’ em surdina pelos que criticam estes novos sindicatos e greves, e isso é ‘mérito’ destes grevistas. A disponibilidade para se discutir essa coisa sagrada – e sempre repetida por qualquer político que se preze – que é o direito à greve independentemente dos impactos e consequências no país, as condições de exercício desse direito e sobretudo as condições em que se definem os serviços mínimos e a requisição civil. A greve é um direito, mas não pode ser um direito absoluto, tem de ser avaliado em perspetiva de outros direitos, pesados os vários interesses. E os interesses de uma classe, por mais relevante que seja, não podem pôr em causa o interesse público.
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