Programa de Estabilidade: Conseguirá Mário Centeno continuar a fintar para a esquerda e simular para a direita?
Na semana passada, o Governo apresentou o seu último Programa de Estabilidade da legislatura. E embora seja compreensível que no último programa queira esconder até mais próximo das eleições qual o seu programa, já não se compreende que em ano de negociação de um novo quadro comunitário sejam dados tão poucos detalhes quanto as prioridades do país, tirando, claro, a quantificação do descongelamento das carreiras e dos aumentos da função pública!
Ainda assim, tratando-se do último programa desta legislatura, permite analisar as escolhas e os resultados dos últimos quatro anos e comparar não só com os programas do início da legislatura, mas também com o último programa do anterior Governo, e assim avaliar os planos para os próximos anos.
Simular para a esquerda e virar à direita
Em traços gerais, e apesar de toda a retórica, António Costa e Mário Centeno, acabaram, tal como preconizado por Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, atingir ao longo dos últimos quatro anos as principais metas orçamentais definidas pela Comissão Europeia. E isto sem pôr em causa (ou estimular) o crescimento. Mário Centeno e António Costa passaram assim os últimos quatro anos a fintar para a esquerda, mas viraram para a direita na altura de rematar.
A economia acabou por crescer praticamente o mesmo do que o esperado pelo anterior Governo (ainda que com mais criação de emprego). É certo que o défice terminará 2019 em 0.2% do PIB em vez do excedente de 0.2% do PIB planeado pelo anterior Governo. Mas, vendo bem, os resultados ficam muito mais próximos do planeado em 2015 do que pelo atual Governo 2016 e mesmo em 2017. Ou seja, a melhor forma de prever os resultados de Mário Centeno seria através do plano de Maria Luís Albuquerque!
De qualquer forma, há diferenças na tática e Mário Centeno acaba também por fletir para a esquerda. E estas diferenças, ainda que não sendo muito significativas em termos absolutos, sinalizam bem as prioridades económicas e políticas da atual maioria. Com a geringonça, os custos com o pessoal praticamente não vão descer em percentagem do PIB entre 2015 e 2019, em vez de descerem cerca de um ponto percentual tal como planeado não só pelo anterior Governo, mas também pela equipa de Mário Centeno ainda em 2016.
Fica assim provado, se duvidas houvessem, que a redução do horário da função pública e os aumentos de ordenados não são grátis, ao contrário do que nos tentaram vender… Estes aumentos foram pagos com contribuições de três fatores:
- Menos despesa com juros – em 2015 era previsto representarem 3.5% do PIB para este ano, 4% em 2016, depois da subida das taxas nos primeiros meses da geringonça e apenas 3.3% agora, depois de novos programas do BCE e de Mário Centeno ter convencido o mercado que conseguia cumprir as metas do défice.
- Mais receita fiscal do que o esperado – ficará em 25.5% do PIB, mais do que os 25.3% esperados em 2015 e bem acima dos 24.7% planeados em 2016 por Mário Centeno), mesmo com uma redução no IVA da restauração, que foi compensada com outros impostos indiretos e mais receita de IRS.
- Menos investimento público – era previsto em 2015 atingir 2.2 % do PIB este ano, 2.1% em 2016 e deverá ficar pelos 2% neste programa (menos 0.3 pontos percentuais do que no Orçamento do Estado para 2019 aprovado há menos de meio ano!)
Em suma: desde o final de 2015 que a estratégia passou por cumprir as metas do défice nominal, principalmente com a ajuda da conjuntura económica (que como vimos não constituiu uma grande surpresa) e das políticas do BCE. E isto, privilegiando as remunerações da função pública em detrimento do investimento. Temos, portanto, agora uma despesa pública não só mais rígida mas também menos amiga do crescimento económico futuro ( com mais consumo, mais impostos e menos investimento)
E o que diz o programa quanto ao futuro?
Como Mário Centeno deixou bem claro esta quarta-feira no Parlamento, na próxima legislatura o plano é manter a estabilidade fiscal (ou seja, não contem com baixa de impostos) e com recuperação de salários e pensões (leia-se, mais do mesmo dos últimos quatro anos).
Este programa continua a apontar para uma consolidação orçamental nominal. Prevê uma melhoria gradual do saldo orçamental, de -0.2% do PIB, para 0.7% em 2023. Esta consolidação é principalmente cíclica (baseada numa boa conjuntura macroeconómica, ainda assim cada vez menos simpática…) e conta principalmente com uma continuação da redução dos juros (que irão pesar menos 0.6 pontos percentuais em 2023).
O saldo primário ajustado do ciclo mantém-se praticamente inalterado, passando de 2.8% do PIB em 2019 para 3% em 2023. É, portanto, um programa com pouca margem para acomodar qualquer desaceleração económica, mesmo que marginal.
E mesmo que o Governo e a maioria digam que no último programa da legislatura não faz sentido incluir medidas que teriam de ser implementadas pelo futuro Governo, há uma exceção que revela qual a prioridade para os próximos quatro anos: os aumentos salariais e as promoções na função pública.
Depois do anuncio há algumas semanas da reposição gradual da progressão das carreiras especiais da função publica, o governo colocou-as nas estimativas até 2023. Por isso, ainda que tal como nos programas anteriores, o Governo prometa mais investimento público – uma melhoria de 2% do PIB para 2.6% ate 2023, menos custos com pessoal em percentagem do PIB (de 10.8% para 10.4%) e menos receitais fiscais (de 25.5% para 25.1%), tudo leva a crer que tal como nos últimos 4 anos, se for necessário nos próximos anos alterar o plano para cumprir as metas, o investimento será mais uma vez sacrificado e serão inventadas novas taxas e taxinhas…
E por último, o mais importante – o crescimento?
O programa não tem praticamente medidas que sustentem o crescimento – o próprio ministro da Economia desvalorizou este documento quando disse que “só é importante para mostrar a Bruxelas que o governo tem uma estratégia orçamental”. E esta falta de estratégia torna-se particularmente preocupante se tivermos em conta os sinais cada vez mais claros de que o melhor momento do ciclo dos nosso parceiros já passou e que a economia portuguesa continua bastante restringida pela falta de financiamento externo e com uma poupança interna novamente perto de 0 (o saldo da conta corrente deverá rondar entre os 0% e 1% do PIB…).
Assim, é muito pouco provável, como apontam o Conselho de Finanças Publicas e todas as instituições internacionais que o PIB cresça 1.9% este ano e 2% ao longo dos próximos anos.
E não só a estimativa do PIB para este ano é irrealista como principalmente a estimativa para o PIB potencial também o é. Continua a ser um mistério o “salto” que esta estimativa deu nas novas estimativas em 2017. É certo que há uma ligeira redução face ao programa de 2018, e “apenas” se estima um crescimento potencial de 2% ao ano. Esta é uma variável altamente incerta e que dá origem a grandes discussões entre economistas… ainda assim, a estimativa do Governo parece bastante elevada por dois motivos:
- É bastante acima do que é esperado pela maioria das instituições independentes, que apontam para um valor perto de 1.5% e muito acima do passado recente da economia portuguesa – entre 2000 e 2014, Portugal apenas cresceu 0.7% ao ano.
- O crescimento potencial depende dos dois fatores (capital e trabalho) e da produtividade. Com o investimento (publico e privado) em percentagem do PIB em valores mínimos e com a produtividade em queda e difícil contar com um crescimento do emprego ao mesmo ritmo dos últimos anos (e os últimos dados até já apontam para um menor crescimento…)
É ainda de lamentar que ao contrario de outros anos, o documento não venha acompanhado da contribuição dos vários fatores (capital e emprego) e da produtividade. Ou seja, é impossível avaliar minimamente os pressupostos para a estimativa de uma variável tão importante…
Conclusão: Uma boa e duas más notícias
A boa notícia: Mais uma vez o Governo mantém o compromisso de cumprir as metas europeias, algo que não é de somenos tendo em conta não só a composição da maioria, mas também o historial do nosso pais.
As más notícias:
- Para atingir estas metas, o Governo vai privilegiar mais uma vez um crescimento mais baseado no curto prazo, com mais salários na função publica, mais impostos e menos investimento.
- A médio prazo, parece cada vez mais provável que o crescimento irá desapontar. O ciclo económico está a inverter e basta ver que Conselho de Finanças Publicas não endossa totalmente as estimativas de médio prazo. E com menos crescimento será cada vez mais difícil agradar a Bruxelas e á geringonça (qualquer que seja a sua forma futura).
Até agora, Mário Centeno (e António Costa) foi mais do que um Ronaldo, foi um verdadeiro Maradona (ou Messi) que simula para um lado (esquerdo) mas finta para o outro, será que vão continuar a fintar até 2023, com uma marcação cada vez mais cerrada?
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