O direito à pornografia

Daqui a um mês os britânicos só poderão ver pornografia na net se demonstrarem que têm pelo menos 18 anos. É mais uma incompetência de quem acha que pode regular o mundo digital como o faz no físico.

Daqui a um mês, o Reino Unido vai introduzir uma legislação conhecida como “Porn Block” – é uma parte do Digital Economy Act de 2017 que se refere explicitamente à necessidade de regular o livre acesso que hoje as crianças e o jovens têm a pornografia. Os objetivos são meritórios, a execução é tudo menos isso. A ideia é que os menores de 18 anos fiquem impedidos de aceder a sites com conteúdo pornográfico, o que obrigará os maiores de 18 a uma verificação através da carta de condução ou identidade, passaporte ou cartão de crédito.

Claro que a tentação dos grupos que defendem a internet livre é gritar “censura”. Mas seria muito mais verdadeiro e eficiente gritar “incompetência”, que é o verdadeiro problema aqui. Mais uma vez, esta legislação é o produto de gente que não tem a capacidade de compreender o mundo digital em que vivemos e tenta legislar sobre o que não conhece.

É fácil explicar porque é que esta é uma má ideia.

Em primeiro lugar, é uma legislação que não é verdadeiramente eficiente. Se um site que não esteja localizado no Reino Unido ignorar a lei, o que vai o governo Britânico fazer? Processar o país que acolhe os servidores? A internet não respeita fronteiras nem se chateia com limitações geográficas.

Depois, esta legislação não afeta a forma como hoje a pornografia é mais partilhada entre os jovens, que é a partir de redes como o Snapchat ou o Twitter e de apps como o WhatsApp ou o Line.

Em terceiro lugar, o maior problema da pornografia é o da mensagem: o imenso predomínio de conteúdo machista que força a marginalização das mulheres e das minorias, reduzidas a estereótipos vulgares, que levam a modelar comportamentos que promovem preconceitos. Já para não falar de questões de saúde (como o uso do preservativo) ou da ausência de uma cultura de consentimento na maioria da pornografia.

Depois, há ainda a questão da privacidade: A dúvida não é saber se esta lei vai dar origem a uma violação de privacidade em massa, é saber quando. Fazer uma imensa base de dados que liga um utilizador às suas preferências sexuais tem tudo para correr mal. E denunciar pessoas pelas suas preferências sexuais é uma consequência quase inevitável, para mais num país tão voyeurista como a Inglaterra.

Por fim, porque cria mais uma camada na cultura de desigualdade digital: quem tiver conhecimentos e posses para aceder a um serviço de VPN tem direito à pornografia, quem não tem esses meios fica de fora.

É certo que ninguém deseja expôr crianças a pornografia e que esta está demasiado acessível na internet. Mas querer reproduzir mecanismos do mundo real para o digital normalmente esbarra na evidência de que a estrutura do primeiro não se enquadra com o segundo.

Ler mais: A Opposing Viewpoints é uma série de livros que reúne pontos de vista diferentes sobre um mesmo tema, apresentando duas formas de olhar para uma realidade. No título Online Pornography discute-se se a pornografia faz mal à sociedade, se empodera as mulheres ou se deve ser permitida, entre outras questões. É um bom ponto de partida para quem se interessa por estes temas.

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