A China exerce uma política de medo através do uso da tecnologia. É a concretização de uma assustadora distopia que se tornou muito real com a complacência americana e europeia.

A recente onda de protestos em Hong-Kong mostrou quão difícil é escapar à violência tecnológica exercida pelo Governo chinês. Os manifestantes parecem ter aprendido bem as lições dos últimos protestos, em 2014, que teve efeitos limitados e cujos líderes ainda estão presos.

Desta vez tudo está a ser feito de maneira diferente, desde logo porque é um manifesto sem líderes declarados. Mas as grandes lições estão na forma como a tecnologia está a ser usada – e evitada – num estado policial. As regras eram claras: não tirar fotografias de rostos, não usar as aplicações de conversação tradicionais e não recorrer a métodos de pagamentos digitais. Em vez disso, as viagens de transportes e os cartões telefónicos eram de uso único e pré-pagos, as caras estavam tapadas para evitar as cada vez mais comuns tecnologias de reconhecimento facial e as poucas comunicações eram feitas pelo Telegram ou pelo Signal, com recurso às poucas VPN que ainda passam o crivo do estado. E a resposta foi rápida: os servidores do Telegram foram vítimas de um ciberataque e alguns coordenadores de grupos na app foram detidos por crime de liberdade de expressão.

Na China, em nome da modernidade, foi criada uma app que vai para além dos piores pesadelos de George Orwell. A WeChat junta apps de notícias, pagamentos digitais, mensagens de texto e voz, etc. É o Facebook, o Messenger, o WhatsApp, o multibanco, o passe social e todos os cartões que temos na carteira enfiados numa só app – convenientemente acessível por um Estado policial que vigia o discurso e o comportamento dos cidadãos.

É um exemplo de tecno-terror a que só um tonto chamaria progresso. Imediatamente após ter partilhado algumas fotos das manifestações de Hong-Kong, um repórter foi excluído da aplicação por “espalhar rumores maliciosos”. Para voltar a aceder à app, foi forçado a dar um registo biométrico da sua cara e da sua voz, que agora estão convenientemente arquivadas numa base central do governo junto com o registo das suas “ações criminosas”.

É importante recordar que a China exerce uma censura ativa que mantém os seus cidadãos na mais perfeita ignorância sobre qualquer acontecimento que possa abalar os superiores ideais do partido. Na internet chinesa, Tiananmen nunca aconteceu e Hong-Kong é um paraíso exemplar de integração na grande nação. Mas o exemplo mais assustador da maliciosa ditadura é o que se passa em Xingiang, a província transformada num laboratório de hiper-vigilância em que cada um dos cidadãos é ativamente controlado na sua vida pública e privada.

Para além dos eficientes mecanismos de controlo digital, está a ser construída uma base de dados biológica que recolhe ADN, impressões digitais, registos de voz e padrões oculares que se juntam à informação digital. E todos os dispositivos eletrónicos têm de incluir uma app obrigatória que dá ao Estado o controlo de qualquer conteúdo, algo que é assegurado graças a inspeções regulares em plena rua.

O objetivo declarado de tudo isto é exterminar a minoria religiosa muçulmana – os seus cidadãos são regularmente enviados para campos de reeducação onde cantam músicas de exortação ao regime chinês e são forçados a renegar a sua religião e culturas. Também isso poderá um dia ser feito de forma virtual, facilitando o controlo exercido sobre os cidadãos.

Ler mais: Publicado há duas semanas, o livro We Have Been Harmonised é um relato do “Big Brother made in China” que Xi Jinping implementou com a complacência e por vezes o apoio do ocidente. E essa dimensão internacional é também o aspeto mais interessante da obra, porque expõe bem a forma como este modelo repressivo está a ser exportado pela China para dezenas de países e alerta para o risco do acesso chinês aos mercados europeus.

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