Domingues não tinha amigos? A sério!?
António Domingues caiu porque não tinha amigos? A sério!? Ao contrário, aguentou-se tanto tempo porque tinha amigos. É tão competente hoje como era há seis meses, mas falhou na avaliação política.
Rei morto, rei posto. Sim, António Domingues é história, e será de rodapé se Paulo Macedo fizer bem o que tem a fazer. É a vida, é injusto, porque o banqueiro do BPI não merecia esse tratamento, desde logo dos que o convidaram e que nos disseram que era o melhor para a função. Mas há agora uma tese, defendida, ironicamente, por alguns dos mais influentes opinion leaders como Paulo Baldaia, diretor do DN, segundo a qual Domingues caiu porque estava sozinho, sem apoio dos fazedores de opinião.
“Sendo o Dr. Domingues um desconhecido da causa mediática, é fácil derrotá-lo, quando ele decide nem sequer ir a jogo. Não coleccionou amigos entre os fazedores de opinião, não faz festas em que participa metade da corte de Lisboa, nem se vislumbra que interesse possa ter para essa mesma causa num futuro próximo. Coisa diferente se passa com o Dr. Macedo”. Quem escreve isto? Paulo Baldaia, hoje no DN. Mas muitos outros o defendem. E outros ainda, como José Gomes Ferreira, outro fazedor de opinião, acrescentam outra tese, esta totalmente ‘fora da caixa’, para não dizer outra coisa, segundo a qual houve uma enorme conspiração dos que têm créditos na CGD e, para não os perderem, fizeram uma espécie de pacto de regime com a política para correrem com aquela administração.
Vamos por partes: a história é mais simples do que parece, mas não é menos grave. Neste país, não é apenas no futebol, passar de bestial a besta é um instante. Domingues foi anunciado como o salvador da pátria por quem o contratou, e usou. Para fins políticos internos e para fins negociais externos, em concreto com a Comissão Europeia, para negociar o plano de recapitalização do banco. E quando a ‘bronca’ das declarações apareceu, pela mão de Marques Mendes, António Costa percebeu que tinha um problema político. Lavou as mãos, como Pilatos… Já não tinha nada a ver com o assunto. Quebrou um compromisso. Aqui, Domingues ficou sozinho, e exposto, facto reforçado com a posição, essa sempre coerente, de Marcelo Rebelo de Sousa. Primeiro por causa do salário, depois com a declaração de património.
Resistiu semanas à pressão política, do governo e da oposição. Mas, ao contrário do que escreve Paulo Baldaia, só resistiu tanto tempo porque tem amigos na corte. Não só, mas também. Pela sua competência, pelas razões que lhe assistiam, pela determinação e teimosia, mas também pelos opinion leaders que o defenderem. Em público, nas páginas dos jornais e nas televisões, e em privado, nos corredores do poder. É até ofensivo para Domingues considerá-lo um ‘coitadinho’ no meio de ‘espertalhões’. Não faz jus à sua personalidade, ao contrário, forte e que assume as guerras que entende assumir, por convicções. Assumiu-as e perdeu.
Domingues continua a ser tão competente hoje como era há seis meses. Mas é preciso acrescentar que é hoje possível dizer que não percebeu o que deveria ter percebido. A CGD não é o BPI, a política conta, e Domingues revelou sobranceria e ignorou avisos que não deveria ter ignorado. Estou à vontade. Escrevi a 23 de outubro que “Domingues começa mal”, por responder a Passos Coelho. E a 14 de novembro, Domingues já só tinha uma saída, a da porta. Depois disso, outros escreveram, e disseram em prime-time na televisão, que Domingues continuaria.
Macedo tem a competência técnica de Domingues? Não, para ser claro, não tem uma carreira de 30 anos na banca, mas, como é costume, rei morto, rei posto. Macedo já é o melhor banqueiro do mundo, o que vale é que, como escreve o diretor do DN, e que subscrevo, o ex-ministro sabe do que a casa gasta e não se deixará embevecer por elogios de ocasião… e interesse. Mas se a competência técnica é crítica, a experiência de gestão de organizações privadas e, sobretudo, públicas, é também essencial. E a experiência política – no seu sentido mais nobre – também. Macedo tem-na, já provou, Domingues não tem, como se comprovou.
Em conclusão, e para o futuro? Macedo vai ter de fazer o que Domingues ia fazer, vai ter de gerir a CGD como se de um banco privado se tratasse. Porque assim o exige a Comissão Europeia, porque isso é condição para a recapitalização pública e privada, de mais de cinco mil milhões de euros. Nem todos ainda perceberam o que está em causa, nem todos perceberam que, todos nós, contribuintes, só poderemos continuar a ser donos de um banco público porque esse banco vai comportar-se como um privado.
Outro qualquer caminho, mais cedo do que tarde, resultará num bail-in da CGD. Nunca, como hoje, as condições que nos permitem manter a CGD sob controlo do Estado, e que Costa apresenta como uma vitória política, são tão favoráveis à tese dos que defendem a sua privatização.
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