Tem o culto da música, mas devoção só ao Santo António. Américo Amorim disse-lhe que o segredo dos negócios era “adivinhar o futuro”. E Luis Montez já tem na cabeça o conceito para um novo festival.
"I think it is possible for ordinary people to choose to be extraordinary.
Elon Musk”
Na Cervejaria Liberdade com Luis Montez, Diretor Geral da Música no Coração.
O nosso #Coolunch acontece dias depois de estrear na Netflix o Rolling Thunder Revue – Uma História de Bob Dylan por Martin Scorsese. O documentário sobre a lendária digressão de Bob Dylan nos anos setenta, uma “atmosfera de circo”, com atuações em salas pequenas e que mediu o pulso a uma América que festejava o seu bicentenário. “Life isn’t about finding yourself or about finding anything. Life is about creating yourself” diz o Nobel da Literatura, logo no arranque. Entre dois estranhos, que se sentam para um almoço, parece-nos um bom desbloqueio de conversa. Afinal de contas, Luis Montez é um homem da música. E que se criou a si próprio. “Como é que um miúdo que vem de África sem nada, de calções e chinelos, hoje é acionista do Altice Arena…”, dirá mais à frente na conversa, sem encontrar uma explicação que não seja o trabalho e uma certa ajuda de Santo António. Mas essa história fica para a sobremesa.
Primeiro a entrada; escolhe um creme de marisco. Estamos numa das mesas junto às janelas para a Avenida de Liberdade, num diálogo com a cidade e com o nosso convidado. “Nasci em Angola e vim para cá em 1975, tinha 12 anos. Fui para o Fundão, não tinha lá ninguém conhecido, a minha mãe foi lá colocada a dar aulas. Foi um choque, eu que vivia ao pé da praia ir para junto da Serra da Estrela… Mas fui muito bem recebido, hoje sou um pró-refugiados. Temos esse talento de receber bem as pessoas e fui muito bem recebido, fiquei a amar para o resto da vida as cerejas do Fundão”, começa por contar.
O meu primeiro trabalho remunerado foi a apanhar cerejas no Fundão. Comprei os meus primeiros Stan Smith da Adidas com o salário. Depois vim para Carcavelos estudar e como gostava muito de matemática tirei engenharia no Técnico.
A engenharia hoje serve-lhe para assinar os termos de responsabilidade das estruturas dos palcos, mas deu-lhe sobretudo “uma capacidade de decisão, uma velocidade de raciocínio” estratégicas na gestão (do Altice Arena, às seis Rádios que gere, aos festivais que organiza) e, se quisermos, construir eventos também requer algum engenho: “gosto de ver as pessoas felizes com uma ideia que tivemos” diz, como se fosse simples.
Já os anos do Técnico deram-lhe a Rádio. Para se “enturmar” começou a fazer programas, “como tinha discos e cassetes concorri e às quartas-feiras fazia um programa — o Cozido à Portuguesa — só com música portuguesa e que passava na Cantina” recorda. Entretanto, a Rádio Comercial abriu um concurso e fui selecionado. Tinha o programa ‘A Nossa Turma’, para malta do Liceu, com uma equipa que veio a verificar-se de luxo, a Maria Flor Pedroso e o Nuno Santos”. Em tempo de férias substituía ídolos como o António Sérgio ou o Luís Filipe Barros, em tempo de aulas fazia as madrugadas, “entre a 1 e as 7 da manhã. Mas eu adorava”.
Uma dia às 4 da manhã pensei… ninguém me está a ouvir, só o padeiro e o taxistas e pus o Cerco, dos Xutos. O Zé Pedro andava na noite ouviu e, como era bom coração, quis conhecer o maluco que estava a passar uma banda de Punk Rock Português. Foi ter comigo para agradecer, ficámos amigos para sempre, das melhores pessoas que conheci na vida.
E torna-se no menino da linha, ainda que “com uma presença africana muito vincada” como gosta de frisar, que assistia aos ensaios dos Xutos & Pontapés numa garagem em Carcavelos, enquanto preparavam os temas para o Circo de Feras, nos anos 80. “Um dia disseram-me: ‘Luis tu andas lá no Técnico, és bom na matemática, não fumas, estás na Rádio que é importante para promoção, não queres ser o nosso manager?’ E então ajudei-os a organizar a primeira tournée ibérica e aprendi a fazer contratos: a contratar som, luz, palcos, até a colar cartazes”, conta. “E aí percebo que gosto, senti que era uma oportunidade, havia talento mas não havia pessoas organizadas a fazer este trabalho de forma metódica, com planeamento”, diz o engenheiro que “com as coroas que fez” emancipa-se e compra o primeiro apartamento em Alfama — o bairro do Santo António a que voltaremos.
Antes, o prato principal, Garoupa ao Sal, uma sugestão que nos chega à mesa, neste restaurante da cidade e para a cidade.
Eu não toco nada mas gosto muito de música e tenho ouvido para êxitos. Ainda ontem estive com o Dino Santiago e fui eu que acertei no tema que seria o sucesso. Muita gente manda-me o disco antes para eu ouvir e pergunta-me qual o tema que devem escolher.”
No Festival Glastonbury, em que foi como enviado da Comercial, ficou “esmagado, ver ali 80 bandas, num fim de semana. Estavam a ouvir música cheios de lama e frio, eu chegava ao acampamento de imprensa e tinha o saco cama molhado, e pensei nós temos lá um clima inacreditável, e se eu fizer isto…senti a oportunidade e é assim que surge o SBSR. Não tinha capacidade de investimento, meti-me no comboio, fui a Leça do Balio bater à porta com a ideia e fui recebido na Unicer por um craque do marketing, o João Sampaio, que me disse ‘não percebo nada de música, mas gosto muito do nome do teu festival’, e avançámos”.
Numa conversa com o senhor Américo Amorim perguntei-lhe: “você agora é o mais rico, qual é o segredo?” Ele respondeu-me: “o segredo é adivinhar o futuro”. Ele via muito à frente e disse-me “tens uma maneira simples de adivinhar o futuro, vais à América, andas 10 ou 15 anos à frente e depois voltas para aqui.
O conselho ficou para a vida. Há mais de duas décadas que Luis Montez é presença assídua no South by Southwest (SXSW), em Austin. “Um festival sobre o futuro. Vi lá a Amy Winehouse a começar, o Kendrick Lamar. Há 20 anos ouvi falar em download de música e pensei isto não vai funcionar em Portugal e hoje só se descarrega música. É sobre toda indústria e é importante antecipar tendências, perceber o que vai funcionar ou deixar de funcionar” fala com entusiasmo, “fico a tremer quando se está a aproximar a data”.
E pensando à frente, como aprendeu, sobre o futuro dos festivais em Portugal, Luis Montez acredita que o segredo está na “experiência e a eficácia das marcas tem a ver com o seu contributo para a experiência, mais importante do que ter lá um stand é, por exemplo no Sudoeste, o Meo oferecer Wi-Fi gratuito, coisas que nem o Coachella tem. E depois é aquela atmosfera, a tranquilidade alentejana, são coisas que não se reproduzem em França ou na Alemanha”, defende, acrescentando “esta passagem do SBSR para o Meco vem com uma componente ambiental muito forte, e este ano vamos transformar o Meo Sudoeste num grande parque de diversões, inspirei-me em Las Vegas, o verão é para nos divertirmos”.
Provavelmente para o ano vou lançar um festival novo, porque há espaço, tem é que se fazer diferente. No Coachella os Chefs são anunciados como cabeça de cartaz. E nós temos uma gastronomia fantástica, eu quero juntar a gastronomia à música.
Numa altura em que a tendência na indústria em que se move está a ser dominada por “grandes fundos de pensões que andam a comprar festivais na Europa, porque o entretenimento está com bom crescimento”, tornando os cartazes iguais, ganha força a sua teoria que o que passará a ser valorizado é “um pôr-do-sol na costa vicentina, ou um mergulho no canal” e revela-nos divertido: “a promotora do Coachella esteve na Zambujeira a comer um sargo grelhado e ficou maluca, temos que investir na experiência”.
Para sobremesa pergunta se há cerejas do fundão. Não há. Mas há pudim. E conta-nos o que só os amigos sabem: “Tenho uma grande devoção ao Santo António. Quando fui viver para Alfama, apanhava sempre a altura dos Santos Populares e só se ouvia ‘uma moedinha para o Santo Antonio’ e passei a gostar muito dele e a ler sobre a sua história, era um bom homem. Depois há coisas para as quais eu não tenho explicação, que me acontecem e acho que é o Santo António que me ajuda” revela.
Quando alguém perde uma coisa liga-me para eu ajudar. Há dias a Gisela João ia para Nova Iorque e não sabia do passaporte : fala lá com o Santo António que eu tenho que apanhar o avião. E o passaporte lá apareceu. Depois as pessoas que juntei e se casaram, e tenho uma coleção lá em casa, uma parede cheia, e claro, tenho um filho António.
Luis Montez não anda de fato e gravata. Mas anda a pé, e muito. Se dúvidas tivéssemos, basta um almoço para confirmar que a música é a sua vida. “Todos os dias faço a barba a ouvir rádio e deito-me a ouvir as notícias”. E se é todo um mundo glamoroso ou meio louco como vimos no documentário sobre Dylan, diz-nos: “se eles não são malucos, não são artistas, têm que ter lá qualquer coisa de diferente”. Já a sua pequena loucura, se assim lhe podemos chamar, é sempre que pode regressar a África, “vou a Angola 4 ou 5 vezes ao ano” (onde tem dois festivais), “aqui em Portugal as pessoas batem palmas, em Angola dançam”.
Estar cá muito tempo atrofia-me, é um país muito fadista, entro em depressão. Em África pensamos, hoje está mau mas amanhã vai estar bom. As dificuldades que passei em miúdo deram-me força para aguentar e Angola dá-me isso, essa esperança.
Há 3 anos, um acidente que destruiu o seu carro e de onde saiu ileso, fê-lo (re)pensar a vida. “Desfiz-me de coisas, de empresas, comecei a ‘arrumar’.” Se foi um sinal para abrandar? “Sim, obrigou-me a parar para pensar, nunca mais conduzi à noite e quando me falam em algo importante, passei a pensar que importante sou eu, já não tenho aquela correria”.
Mas pela música ainda corre e quer continuar a viajar. Afinal de contas, o seu Santo, foi um dos grandes viajantes da história de Portugal. “…Numa viagem que durou 10 anos os seus olhos viram muito, mais do que ele saberia compreender ou identificar. Mas tal como escrevia o seu mentor Santo Agostinho uns mil anos antes, o mundo é um livro e quem não viajou não saiu da primeira página” escreveu Gonçalo Cadilhe nos Nos Passos de Santo António. Estamos certos de que Luis Montez há muito que passou da primeira página.
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#Coolunch com Luis Montez, diretor geral da Música no Coração: “Música é um negócio de emoções. Bob Marley dizia: ‘quando uma música te bate, nunca magoa'”
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