A manipulação democrática é o novo normal
Cada vez que há um problema político, o normal é que as redes sociais sejam usadas para atos de manipulação que subvertem o processo democrático.
Esta semana o Facebook, o Twitter e o Youtube anunciaram que havia milhares de contas a espalhar desinformação sobre os protestos em Hong-Kong nas suas plataformas. Estas contas eram chinesas e estavam diretamente ligadas ao governo de Pequim, confirmando a generalização deste comportamento por parte de estados que lidam mal com a democracia.
As plataformas digitais continuam a ser a arma preferida de ditadores para destabilizar os seus inimigos internos e externos. O discurso de ódio adapta-se bem ao imediatismo emocional das redes sociais e a sua dimensão e influência facilitam o exercício.
A evidência cresce à medida que o calendário avança: Myanmar já tinha usado as mesmas táticas no conflito com a minoria Rohingya; a Arábia Saudita fez o mesmo aquando do conflito com o Yemen; as ações de desinformação da Rússia são tantas que é impossível enumerar todas, mas bastaria a manipulação do eleitorado democrata nas eleições americanas para colocar o Kremlin no topo desta lista; a própria China já tinha sido apanhada com campanhas pagas nas redes sociais para espalhar desinformação sobre o genocídio dos muçulmanos e para atacar os nacionalistas de Taiwan.
Tão grave quanto isto, as redes sociais são rotineiramente usadas por populistas para ganhar o poder a partir do próprio sistema democrático: o caso do Brexit é paradigmático mas também o que se passou no Brasil, em Itália, na Índia e nas Filipinas é extremamente grave. E tudo isto enriquece as empresas que comandam as redes, porque usam os seus espaços publicitários de uma forma intensiva de forma a maximizar o seu efeito. Por isso é tão fácil encontrar no Youtube vídeos a promover a supremacia branca, tal como é comum ver publicidade no Facebook a desmentir a necessidade de vacinas ou utilizadores com perfis falsos no Twitter a promover teorias da conspiração sobre migrantes.
É bonito que as redes sociais tenham denunciado e excluído estes conteúdos das respetivas redes. Mas e os outros que por lá ficaram? E os próximos que vão entrar? O problema só se vai resolver com uma inversão do funcionamento destas redes – ou com a sua irrelevância.
A manipulação democrática sempre existiu mas, a esta escala, é um fenómeno novo. E é um fenómeno com que as democracias lidam mal, porque a única forma de a combater é exercer formas graduadas de censura – que depois podem ser usadas por inimigos da democracia liberal (basta ver o que se passa na Hungria e na Polónia). Quando as redes sociais não param de crescer em importância e a imprensa livre está mais ameaçada de ano para ano, o risco de perturbação do mecanismo democrático tradicional é cada vez maior. E em Portugal, que tem uma população digitalmente analfabeta, há eleições daqui a seis semanas…
Ler mais: Há dois relatórios recentes que merecem atenção a quem se interesse por este tema. Um estudo da Universidade de Oxford assinala o crescimento global das manobras de desinformação digitais, bem como o seu aparecimento em plataformas de chat privadas. E um relatório da NATO apresenta a forma como este mercado negro de desinformação nas redes tem vindo a crescer, detalhando as ferramentas e os mecanismos que tornam este risco tão comum.
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