Previsões económicas? Tetlock: “Um relógio estragado está certo 2 vezes por dia”

Ao ECO, o professor norte-americano identifica os erros das sondagens nos EUA. Quanto a recessões, o provérbio dos ponteiros não é um boa medida. O melhor é alguém com um bom historial de previsões.

Fazer previsões, entre a arte e a ciência, tem como uma metáfora realista um nevoeiro. O que está mais perto vê-se com maior nitidez. O que está mais longe é incerto. Em todo o caso, as nuvens encarregam-se de nos confundir, enganar ou esconder partes da realidade. Ainda assim, temos de avançar: há quem o faça insistindo nas previsões repetidamente (seguindo o provérbio do relógio acertará eventualmente) ou, como prefere um cientista social norte-americano, há quem o faça misturando pessoas com pouca correlação e que tenham um historial de previsões corretas.

Todos os dias, o leitor(a) lida com previsões. Como vai estar o tempo, por exemplo. Estamos constantemente a prever, a antecipar, a adivinhar o futuro. Em decisões com risco para o futuro as previsões são ainda mais essenciais. Mas a incerteza inerente ao caráter aleatório da vida continua presente. Quando passamos do plano pessoal para o plano nacional ou mundial, a história pode fintar as previsões de tal forma que “os intelectuais caem”. A incerteza é quem dita o grau de sucesso de uma previsão, mas quantificar a própria incerteza de um momento é complexo.

É nesta encruzilhada de movimentos contraditórios que, perante um mundo cada vez mais complexo, se depara quem faz previsões. Não é o caso de Philip Tetlock, professor da Universidade da Pensilvânia, que se dedica a melhorar as previsões há mais de 30 anos, mas não a fazê-las. Num momento em que ainda se discutem potenciais fraudes nas eleições norte-americanas, este cidadão não tem dúvidas: as sondagens falharam porque foi feita a perguntar errada. Ou melhor, as sondagens acertaram: Hillary Clinton conseguiu mais votos do que o próximo presidente dos EUA.

Mas isso não chega. A pergunta certa à qual a resposta foi “Donald Trump” é: quem vai vencer o Colégio Eleitoral? A diferença entre esta pergunta e a questão “Quem vai vencer as eleições?” ditou o insucesso das sondagens norte-americanas. Esta é uma resposta rápida para uma incongruência especifica das eleições nos EUA. Mas a problemática alarga-se ao Brexit, até às eleições portuguesas e às previsões económicas que tanto debate criam pelas divergências entre instituições repletas de técnicos.

No livro “Super Previsões – A Arte e a Ciência da Previsão” publicado pela Gradiva com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o professor norte-americano, em conjunto com o jornalista Dan Gardner, exploram os contornos da temática ao longo de mais de 300 páginas. É mesmo um tema que dá pano para mangas. No fim até deixam 10 mandamentos para aspirantes a ‘superprevisores’: é preciso foco, contrabalançar posições, não transformar as visões em preto e branco, contemplar o cinzento e ser moderado. Depois é praticar, praticar e praticar.

Philip Tetlock na conferência "A Ciência das Previsões", organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que se realizou na Universidade de Lisboa.
Philip Tetlock na conferência “A Ciência das Previsões”, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que se realizou na Universidade de Lisboa.DR

As previsões económicas não deveriam ser mais fiáveis do que as previsões políticas?

Depende do tipo de previsões económicas que estivermos a falar. Se estiver a falar das previsões do crescimento do Produto Interno Bruto de um trimestre para o outro ou inflação ou desemprego,… Este tipo de previsões tem um grau de viscosidade maior. A não ser que a história esteja a tramá-lo, os modelos vão funcionar bem. Podemos tirar boas conclusões com modelos estatísticos básicos.

Mas depois também há outros tipos de incerteza como o choque financeiro de 2008/2009 onde tudo é lançado para um chapéu. Há uma frase famosa de Karl Marx: “Quando o comboio da história embate numa curva, os intelectuais caem”. Quando há pouca incerteza temos mais sucesso. Mas quando existe uma descontinuidade virtualmente toda a gente erra. Essa altura, claro, é quando toda a gente quer acertar por isso as pessoas ficam mais desapontadas.

Quando há muita incerteza, os especialistas tendem a extremar as previsões?

É preciso dizer que quando o comboio da história embate numa curva, há apenas uma pequena parte dos especialistas que conseguem dizer com confiança que acertaram. E esses que previram, por exemplo, a recessão de 2008, também previram a recessão de 2007, de 2006, de 2005,…

Quando o comboio da história embate numa curva, os intelectuais caem.

Philip Tetlock

Professor norte-americano

Até um relógio estragado está certo duas vezes por dia. Esses especialistas previram também muitas recessões que não ocorreram. O que se quer é pessoas que sejam boas a prever recessões que realmente ocorram sem prever muitas recessões que não ocorrem.

Os media tendem a dar atenção aos “especialistas”. Na sua visão estes não são assim tão “especiais”. O professor prefere pessoas normais?

Prefiro uma mistura de pessoas. Devemos ter especialistas, pessoas normais e pessoas com diferentes pontos de vista. Devemos ter pessoas que tenham conhecimento sobre partes diferentes da economia: alguém que seja um trabalhador normal, um gestor, um governante, alguém que trabalhe no setor financeiro. Ou seja, diferentes pontos de vista e diferentes experiências para depois juntá-los todos.

"Para ter essa diversidade é preciso reunir pessoas que tenham uma correlação quase nula.”

Philip Tetlock

Professor norte-americano

As sondagens tentam ter amostras da população e tentam prever o comportamentos de quem vota e a opinião pública. O que nós estamos a fazer é não só querer pessoas com diferentes pontos de vista, mas também pessoas que tenham um bom passado de previsões. Vamos dar mais peso a quem tem este passado e um ponto de vista que não está bem representado.

Como faz esse tipo de avaliações?

O melhor é ter pessoas cujas opiniões não estão correlacionadas. Se as únicas pessoas que tem na sua amostra são socialistas e só pensam como socialistas, essa não será uma população diversa. Para ter essa diversidade é preciso reunir pessoas que tenham uma correlação quase nula. Um facto bastante interessante é que pessoas com pouca correlação começam a concordar. Quando isso acontece, é razão para se dar peso [a essa concordância].

Tetlock
Philip Tetlock com Carlos Fiolhais, cientista português que fez a revisão científica do livro “Super Previsões – A Arte e a Ciência da Previsão” publicado pela Gradiva com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Tendo em conta isso, o que podemos aprender a partir do que aconteceu nas eleições norte-americanas?

Há duas coisas a dizer. A primeira é que as sondagens que previram o voto popular foram precisas. Hillary Clinton ganhou o voto popular, mas perdeu no Colégio Eleitoral. Tinham de mudar a questão. O que queremos é sondagens que não digam a opinião geral do país, mas que traduzam a opinião de cada Estado. Contudo, fazer uma sondagem específica e representativa para cada um dos cinquenta Estados é extremamente caro. É muito mais simples fazer uma só sondagem dos Estados Unidos da América do que para cada unidade do Colégio Eleitoral.

Se assumir que algumas pessoas estariam embaraçadas em assumir que apoiavam o Trump porque os jornalistas “educados” iriam rir-se deles, então tem um erro nas sondagens.

Philip Tetlock

Professor norte-americano

Não podemos confundir as questões. Se a questão era: Quem vai ganhar o voto popular? Então as sondagens fizeram um bom trabalho. Mas não é essa a questão que as pessoas querem ver respondida. As pessoas queriam saber quem ia ser o próximo presidente dos Estados Unidos e isso traduz-se o vencedor do Colégio Eleitoral. O erro feito pelas pessoas é acharem que estavam a responder a uma questão, quando na verdade estavam a responder a uma outra questão.

O que devem os jornalistas, sejam de economia, sejam de política, aprender com o que se passou?

Os jornalistas devem prestar muita atenção à questão que está a ser feita. Parte do problema foi o facto de os jornalistas fazerem parte de uma elite que falam com outros jornalistas e falam com pessoas que tendem a ser mais bem-educadas, têm certas visões, pensavam que o Donald Trump era um idiota e que nenhuma pessoa sensata iria votar nele…

De facto, eles não conheciam ninguém que votaria em Donald Trump e, por isso, estavam mais confiantes que ele ia perder, muito mais do que as sondagens. Estas mostravam que ele ia perder, mas não eram assim tão evidentes. Se assumir que algumas pessoas estariam embaraçadas em assumir que apoiavam o Trump porque os jornalistas “educados” iriam rir-se deles, então tem um erro nas sondagens. Isso produziu um potencial vazio na previsão.

Editado por Pedro Sousa Carvalho

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