O economista Ricardo Santos analisa se o crescimento da economia trouxe. ou não, uma revolução, como foi defendido por Mário Centeno.
A revisão das contas nacionais por parte do INE provocou as mais variadas reações – ou não estivéssemos em plena campanha eleitoral. Do lado da oposição, houve quem acusasse o INE de escolher o pior timing (ainda que o calendário já fosse conhecido). Já o Governo, apresentou a revisão em alta dos números do crescimento como prova da revolução da economia portuguesa ocorrida durante esta legislatura.
No entanto, ainda que esta revisão seja uma boa notícia relativa ao passado, e até em certa medida, ao presente da economia portuguesa, os números não revelam nenhuma revolução. Apenas confirmam a tendência que já se verificava desde que a economia portuguesa se começou a expandir em 2014. Confirmam assim, que depois de uma aceleração tímida em 2016 para um crescimento de 2%, a economia acelerou fortemente em 2017 (para 3.5% em termos reais, o valor mais alto desde 2000), para desacelerar em 2018, ainda que menos do que o estimado inicialmente (para 2.4%). Ou seja, entre 2016 e 2018, o PIB cresceu mais 1 ponto percentual do que o anteriormente estimado – é isto uma revolução?
O INE revela ainda o impacto desta revisão no PIB per capita nominal (crescimento nominal dividido pela população). E neste caso, ainda que tenha 5.3% em 2017, mais uma vez o valor mais alto deste século, acabou por crescer tanto em 2018 (4.2%) como tinha feito em 2015 (4.3%). Ou seja, a legislatura termina praticamente como começou…Algo revolucionário também?
Quanto aos detalhes, aí sim, surgem algumas novidades relevantes, mas não são de todo responsabilidade do governo:
- O investimento, afinal, cresceu mais do que o esperado, mas principalmente graças à construção, que cresceu afinal em termos reais perto de 17% em 2017 e 2018 (mais 5.4 pontos do que o inicialmente estimado). No entanto, esta recuperação tem de ter em conta que o peso do investimento no PIB estava, e está ainda em níveis bastante deprimidos;
- E o joker do costume – o turismo. As exportações de serviços foram revistas em alta em mais de 3 pontos percentuais, levando a um crescimento de 18% entre 2017 e o ano passado. Ainda assim, o impacto desta revisão na balança comercial é mais do que compensando por uma revisão (marginal) em baixa da exportação de bens e pela revisão em alta das importações de bens e principalmente de serviços. Daí que na prática, a balança comercial até se tenha deteriorado ligeiramente.
Impacto da revisão do INE e Crescimento real acumulado (%)
Fonte: INE e cálculos do autor
Segundo o ministro das Finanças, estes números confirmam a verdadeira revolução estrutural da economia portuguesa ocorrida durante esta legislatura. Segundo Mário Centeno, a combinação de um crescimento mais forte com um equilíbrio externo e das contas públicas provam que a estrutura da economia portuguesa mudou entre 2015 e 2019. Mas será mesmo assim? Ou é penas a confirmação de uma tendência que já vinha de trás, mais concretamente desde 2013/14?
Ainda que o ‘Ronaldo das finanças’ tenha toda a legitimidade para se vangloriar de alguns feitos, como do cumprimento das metas orçamentais num contexto politico desafiante ou da recuperação da confiança das famílias e das empresas (algumas), tem muito pouca responsabilidade na recuperação do investimento (em particular em construção) e também do turismo.
Mas o mais importante acaba por ser mesmo constatar que na verdade os últimos 4 anos apenas continuaram a tendência que já vinha de trás. Quando comparado com 2010 ou até com 2000, a economia portuguesa tem hoje:
- Menor peso do consumo;
- Menor peso do investimento (ainda que a recuperar);
- Saldo comercial equilibrado (com o dobro do peso das exportações do que em 2010, mas agora também com mais importações)
Peso no Produto Interno Bruto (%)
Fonte: Cálculos próprios
Como já escrevi em artigos anteriores, este Governo acabou por não divergir muito da estratégia orçamental de Passos Coelho e de Maria Lís Albuquerque, mudou sim a tática, apostando mais na “recuperação de rendimentos” da função publica, dos trabalhadores com salários mais baixos e dos reformados, a par de um menor horário de trabalho da função publica e de uma redução do IVA da restauração.
A maioria destas medidas funciona como um estimulo ao consumo e apenas a redução do IVA da restauração poderia ajudar o turismo, reduzindo os preços. No entanto, tal como já tinha sido pré anunciado pelas associações do sector, não foi o caso. A redução do imposto acabou por aumentar as margens do sector, levando quanto muito a um aumento do emprego e, marginalmente, do investimento.
Portanto, as medidas deste governo tiveram impacto principalmente no consumo das famílias, que acabou até por manter a tendência de decréscimo no PIB. É preciso assim mesmo muita autoconfiança, digna de um Ronaldo, para reclamar louros pelo crescimento do turismo e agora também da construção!
Concluindo:
Revolução? Antes uma evolução na continuidade, mas no bom sentindo. O grande mérito deste governo foi conseguir manter o rumo seguindo desde o programa de ajustamento, simulando para a esquerda (no parlamento) e fintando para a direita (na execução orçamental e com Bruxelas).
É verdade que Portugal parece um oásis da Europa e que tem vindo a crescer acima da média, mas tal como já escrevi, muito se deve ao arranque mais tardio da recuperação da economia portuguesa face aos outros países da moeda única. Para alem disso, é sempre bom repetir que dificilmente a conjuntura externa podia ser melhor, com o petróleo e taxas de juro em mínimos, com os principais parceiros comerciais também com crescimento recorde e com a explosão do turismo.
De aqui para a frente é que se verá se com um enquadramento externo mais incerto (ainda que as taxas de juro e o petróleo continuem baixos) é possível continuar esta (re)evolução ou se voltamos ao antigo regime (anterior a 2011)!
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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Economia Portuguesa: (R)Evolução na continuidade?
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