Clima. As palavras bonitas estão ditas. Quando passamos à parte séria?
Governos devem coordenar mas cidadãos devem estar disponíveis a suportar os custos que a mudança económica, social, comportamental e de consumo implicam. Custos económicos e de conforto e comodidade.
Há três meses, a Reuters e o Instituto Ipsos fizeram uma sondagem aos norte-americanos sobre alterações climáticas.
Perguntaram se concordavam ou discordavam que os Estados Unidos deviam tomar medidas duras para abrandar o aquecimento global – a pergunta formulada foi “… the United States should take aggressive action to slow global warming?”.
A isto, 75% responderam que concordavam, incluindo uma maioria de eleitores ou simpatizantes republicanos.
Numa outra questão foi perguntado o que cada um estava disposto a fazer no próximo ano para ajudar a conter as alterações climáticas. Só cerca de um terço (34%) está disponível para pagar mais 100 dólares (cerca de 91 euros) de impostos por ano para o efeito. Ou menos ainda (29%) quando se trata de um aumento de igual montante na factura da electricidade.
Olhando para as respostas a esta questão é revelador que os cidadãos se mostrem disponíveis para alterações de comportamentos mais vagas, não vinculativas ou que até envolvam poupanças mas que estejam menos receptivos a pagar uma parte da factura quando esta é quantificada.
O inquérito da Reuters foi feito no âmbito da próxima corrida presidencial e das políticas públicas que começam a ser colocadas em cima da mesa pelos candidatos a candidatos. Do lado democrata, Joe Biden já falou de um plano de 1,7 milhões de milhões de dólares – o número é um 1 e um 7 seguidos de 11 zeros – para anular as emissões até 2050 e Elizabeth Warren fala de um pouco mais, de 2 milhões de milhões de dólares. Estamos a falar de cerca de 10% do PIB do país.
Cada um deles apresenta depois caminhos diferentes para financiar essas medidas. E como não se fazem omeletes sem ovos, tudo começa e acaba nos impostos.
Que não haja então ilusões: lá, como cá, o que está em causa tem grandes custos e exige enormes investimentos que, inevitavelmente, serão pagos pelos cidadãos enquanto contribuintes ou consumidores.
Basta pensar na reconversão de indústrias, nas redes de mobilidade eléctrica, na substituição do parque automóvel, no investimento em transportes colectivos urbanos e na ferrovia (rede e composições), nas infraestruturas de reciclagem e reaproveitamento, na transformação de milhões de edifícios energeticamente ineficientes… Enfim, trata-se “apenas” de virar de alto a baixo uma sociedade e uma economia que durante muitas décadas se viciaram em petróleo e seus derivados, na exploração muitas vezes sem regras e pouco senso de recursos naturais e no conforto e comodidade que tudo isto permitiu.
E além desta há mais duas certezas que importa ter muito presentes.
Uma é que além de custos económicos, a descabornização da economia e o combate às alterações climáticas exige de todos mudanças de hábitos e comportamentos que implicam que se abdique desses níveis de conforto e comodismo na forma como hoje os entendemos.
A outra é que se não aceitarmos pagar esses custos agora vamos pagá-los muito mais caros no futuro sob diversas formas, de cuidados de saúde à ajuda a largas fatias de populações afectadas por fenómenos climáticos e naturais adversos – este custo já o estamos a pagar. E, pior do que isso, há coisas que não têm preço, como a redução da biodiversidade e a extinção de espécies, a perda de vidas humanas e a perda de qualidade de vida de forma não voluntária, não planeada e não controlada.
A tarefa é ciclópica e só terá alguma eficácia com um nível de frontalidade e verdade que, para já, está ausente dos discursos e das medidas que se vão vendo e ouvindo.
Pode ser giro ver governantes a andar de carro eléctrico, reitores a banir a carne de vaca de cantinas ou ministros a incentivar que no Verão as gravatas fiquem em casa para que se possa poupar alguma energia no ar condicionado. Mas para além do simbolismo e do bem que se fica nessas fotografias, pouco ou nada se resolve, sobretudo porque são actos isolados de qualquer plano abrangente e consequente, pensado e estudado para produzir resultados visíveis.
De igual modo, colectivamente estamos na fase reivindicativa de pedir – não se sabe bem o quê, concretamente, ou a quem – que se faça alguma coisa.
As manifestações, protestos, greves e discursos são importantes para colocar o assunto nas agendas e isso já foi conseguido. Prova disso é a importância que os temas ambientais já tiveram nesta campanha eleitoral – independentemente da forma mais séria ou populista e extremista das várias abordagens – e os ecos globais que tem cada passo dado por Greta Thunberg.
Mas ainda estamos muito longe. Depois desta fase “discurso de Miss Mundo”, em que se apela a um mundo melhor, livre de fome, guerras e com bom ambiente, com que quase todos concordam, teremos que passar rapidamente às medidas concretas, pensadas, discutidas, planeadas, calendarizadas e devidamente orçamentadas entre custos, proveitos e impactos económicos e sociais.
É que é fácil e cómodo ir e vir de automóvel a gasolina ou gasóleo participar no protesto contra a prospecção de petróleo. Ou ir carregado de telemóveis e máquinas fotográficas e de vídeo que só funcionam com baterias de lítio reivindicar que não se explore esse minério no país.
A menos que o que se pretende, afinal, é o dumping ambiental em relação a outras regiões – queremos continuar a usufruir destas matérias-primas mas não queremos pagar os custos de explorá-las no nosso quintal.
Também é cómodo protestar contra o capitalismo, o pai de todas as desgraças, em marchas convocadas através do Facebook e Whatsapp e depois devidamente documentadas no Instagram. Mark Zuckerberg, dono das três, deve sorrir com o aumento de tráfego nas suas plataformas, que só funcionam tão bem porque têm data centers imensos que consomem muita energia – neste estudo publicado pela Nature calcula-se que o sector das tecnologias de informação tenha neste momento uma pegada de carbono semelhante à da aviação. Mas como os data centers não libertam fumo não dão tanto nas vistas.
E o Guardian diz que esse sector pode ser responsável por 20% do consumo de energia daqui a seis anos.
E aqui chegamos à velha questão: em vez de perguntarmos o que é que os governos estão a fazer pelo planeta teremos que responder o que estamos todos – todos mesmo – disponíveis para fazer por ele. Porque os governos, sejam eles quais forem, podem e devem ser organizadores e promotores de políticas públicas. Mas uma parte essencial do que tem de ser feito depende das sociedades e da disponibilidade que cada um terá para mudar de vida.
Os governos dispõem de ferramentas para condicionar os cidadãos e conduzi-los à mudança de hábitos. São os incentivos e penalizações dados pelas leis e, sobretudo, pelas medidas fiscais.
Conhecemos essas ferramentas do tabaco e do álcool, por exemplo, que pagam impostos elevados, têm a venda e publicidade condicionadas e utilizações reguladas por causa dos impactos individuais e sociais que podem provocar.
Mais recentemente, o pacote da fiscalidade verde taxou, e bem, os sacos de plástico de supermercado, provocando alterações no comportamento de muitos consumidores e incentivando empresas a criar alternativas.
Os veículos eléctricos comprados por empresas também dispõem de incentivos fiscais.
Chega então a hora de enfrentar o problema e de pedir clareza sobre o que ele implica.
Aos governos e aos políticos exige-se frontalidade, verdade e transparência sobre os custos dos planos de descabornização, o seu financiamento e impacto económico.
Como vai ser utilizada a política tributária para provocar a alteração de comportamentos e padrões de consumo? Que produtos e serviços vão ser penalizados e quais vão ser incentivados? Se vamos optar por condicionar o crescimento económico para proteger o ambiente, que impacto social devemos esperar? Como vão ser repartidos os custos pela sociedade?
É que nos discursos cheios de boas e genuínas intenções por regra não se abordam estas questões aborrecidas.
Aos cidadãos pede-se que, na parte que lhes diz respeito, estejam disponíveis a suportar os custos que a mudança económica, social, comportamental e de consumo implicam. Custos económicos e de conforto e comodidade.
Pensar que o que está em causa se faz com pequenos ajustamentos e sem custos e concessões importantes do nosso modo de vida é uma ilusão que deve ser rapidamente afastada.
Nota: O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.
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