Em entrevista, Pedro Magalhães, da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, fala sobre os perigos do Brexit, os novos mercados-alvo das empresas portuguesas e as apostas do passado que falharam.
Nos últimos anos, Portugal passou de um país periférico no sul da Europa para os holofotes mediáticos a nível mundial, muito por culpa do crescimento do turismo. Também a esfera empresarial nacional sofreu transformações profundas e fez com que o país seja neste momento uma referência nas exportações em diversos setores, desde o calçado à cortiça.
Em entrevista ao ECO, Pedro Magalhães, diretor de Comércio Internacional da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), falou-nos da globalização dos empresários portugueses, do papel do governo na internacionalização das empresas e não esqueceu a guerra comercial entre as duas grandes potências mundiais, EUA e China.
Os empresários sempre tiveram a tradição de investir em países de língua portuguesa, Espanha e Inglaterra. No entanto, nos últimos anos temos assistido a uma mudança de paradigma com apostas em mercados como a Polónia ou Colômbia. Existe uma presença mais homogénea de empresas portuguesas um pouco por todo o mundo?
É uma boa pergunta, porque por vezes a perceção não corresponde à realidade. É verdade que houve e ainda há uma tendência clara de uma exportação para países de língua portuguesa, mas no fundo, as nossas exportações foram e sempre continuarão a ser muito viradas para a Europa. Se há 10/15 anos, 80% das exportações eram para o continente europeu, hoje em dia, são apenas 70% — os restantes 10% foram diluídos para outros mercados. Posso dizer que há uma maior diversificação dos mercados e aqui na Câmara do Comércio temos precisamente esse foco, de apoiar as empresas que desejam entrar em novos países — especialmente fora da União Europeia — porque acreditamos que podem ajudar aumentar as exportações portuguesas. Além disso, se houver uma aposta em diversos continentes do mundo, as empresas não ficam dependentes do que possa acontecer na Europa.
Recentemente, quais são os países que mais têm suscitado interesse ao empresário português?
Tem havido uma forte aposta nos Estados Unidos nos últimos anos, tal como na China. Porém, recentemente temos sentido uma grande procura em mercados como por exemplo Marrocos, México, Coreia do Sul, Japão, Peru e Emirados Árabes Unidos — só para ter uma noção nas próximas semanas vamos realizar uma missão nos Emirados com 15 empresas.
Se me perguntasse há 15 anos se havia empresas a exportarem para esses mercados, eu iria dizer que eram quase inexistentes, mas agora tem existido uma procura exponencial por parte das empresas portuguesas. Para ter uma ideia, nestes países que lhe nomeei fazemos duas a três missões por ano. Estamos cada vez mais globais.
E porque é que agora existe foco nesses mercados em específico?
São mercados que estão em crescimento e têm dado um retorno interessante às empresas que lá investem. O que interessa aos empresários é rentabilidade e esses países oferecem isso. Nos dias que correm, é mais atrativo para estas empresas procurarem novas oportunidades de negócio em países mais distantes.
Tem havido um crescente interesse por parte de empresas portuguesas no mercado chinês, quais são para si os pontos mais aliciantes para investir na China?
Há diferentes níveis de atração, mas na sua maioria, as empresas vão pela dimensão territorial e populacional do país — que por vezes é uma tentação errada — mas a China é dos países que mais têm crescido nos últimos 20 anos. Há muito dinheiro disponível para consumo e muito interesse pelos produtos ocidentais, sendo assim um mercado muito apetecível.
É necessário que o Governo e as empresas estejam alinhados para serem mais céleres na resolução de possíveis problemas”.
Numa altura em que as tensões entre EUA e China parecem não diminuir, sente que as empresas continuam interessadas em apostar nesses mercados?
As empresas portuguesas podem ultrapassar qualquer obstáculo, seja ele qual for. Contudo, se formos comparar com outros países que têm um lobby junto dos seus governos e conseguem assim, de uma forma mais rápida, que essas barreiras sejam ultrapassadas, a história é outra. Recuando à questão da China, Portugal começou a vender carne de porco para este mercado há muito pouco tempo, mas durante anos não conseguiu exportar esse tipo de produto. Porém, era algo que os espanhóis já o faziam com frequência. Agora pergunto, o que levou a que esta situação demorasse tanto tempo a ser resolvida? É necessário que o Governo e as empresas estejam alinhados para serem mais céleres na resolução de possíveis problemas. O Governo e a esfera privada têm de ser mais unidos, pois barreiras vão surgir sempre.
O Brexit também tem sido um dos temas mais discutidos nos últimos tempos na esfera política e económica. Sente que os empresários estão de facto preocupados com o que possa acontecer ou será apenas um falso alarmismo?
Só para ter perceção, o Reino Unido é o principal destino de exportações de serviços, não é só de bens alimentares e é completamente legítimo que as empresas estejam apreensivas com toda esta situação. Os grandes receios são a imposição de taxas alfandegárias, o fim da livre circulação de pessoas e, por fim, que haja uma retração da economia do Reino Unido – o que irá provocar uma diminuição do poder de compra dos britânicos. O que eu digo aos empresários é que esperem e que não entrem em alarmismo porque, apesar de tudo, Portugal é um parceiro histórico do Reino Unido e acredito que o vai continuar a ser no futuro.
As empresas não param, se não dá na Venezuela, existem mais de 190 países em que é possível apostar”.
Mudando de foco, no Governo de José Sócrates, a Venezuela era vista com uma espécie de ‘El Dorado‘ para o investimento português. Porém, com a instabilidade política e social, muitas empresas portuguesas decidiram abandonar o país. Com esta saída, para onde foi o investimento?
Na minha ótica, a Venezuela nunca foi um “El Dorado” para Portugal. Foi de facto um bom investimento para algumas empresas grandes, mas de forma geral o número de exportações para esse país não foi muito expressivo. Como já referi, os empresários portugueses começaram a investir fortemente em países como o México, Colômbia e Chile. As empresas não param, se não dá na Venezuela, existem mais de 190 países em que é possível apostar.
Quanto às exportações portuguesas, que atingiram um valor recorde de 57.958 milhões de euros em 2018, acredita que esta tendência de crescimento será mantida ou espera uma quebra nos próximos anos?
Temos capacidade de muito mais, mas temos de ter em atenção o abrandamento da economia mundial e, devido a isso, o crescimento das exportações nacionais nos próximos anos não deve ser tão significante. Contudo, as coisas mudam muito rapidamente e tudo pode acontecer. A juntar isso, as empresas portuguesas estão cada vez mais bem preparadas para enfrentar percalços, não existem aventureiros como antigamente que se ‘lançavam’ para novos mercados.
É certo que tem havido um aumento significativo nas exportações, no entanto, o número de multinacionais portuguesas é bastante pequeno se compararmos com o resto da Europa. Por que razão as empresas nacionais acabam por não seguir esse caminho?
Nós somos um país de dez milhões de habitantes, com uma economia que está com um nível inferior a muitos países europeus. É saudável tentarmo-nos comparar com os maiores países do velho continente, mas não é justo por causa da nossa escala. Não temos capacidade de criar inúmeras multinacionais. Aliás, a nossa internacionalização é 99% exportação.
De referir que à nossa escala já temos empresas muito interessantes e que estão a dar cartas lá fora. Nós crescemos imenso nos últimos 20 anos e podemos continuar a caminhar nesse sentido.
Considera que os produtos “Made in Portugal” têm já um valor premium?
Nos últimos tempos tem havido um aumento qualitativo gigantesco, mas depende dos setores obviamente. No setor do calçado, algumas partes do setor alimentar e também do têxtil, os produtos portugueses são vistos com algo premium e de referência. Porém, a marca Portugal ainda não é muito forte, não nos podemos comparar com uma Alemanha, França ou Espanha.
Contudo, não posso deixar de dizer que o país tem ganho estatuto. Se antigamente havia empresários que tinham algum receio de dizer que os produtos eram produzidos em Portugal, atualmente, acontece o oposto. Tenho de referir também que o mundo é cada vez mais global e, com isso, o mais importante é que os produtos tenham qualidade, sejam diferenciadores e inovadores, não interessa de onde vêm. Penso que isto de sermos portugueses, romenos ou ingleses já não interessa para fazer negócio.
Queremos um Estado mais aberto, facilitador e menos burocrático. As empresas ainda sentem que existe uma barreira entre si e o governo.”
Para finalizar, considera que o Estado tem ajudado as empresas a internacionalizarem-se?
Nós queremos muito mais. Queremos um Estado mais aberto, facilitador e menos burocrático. As empresas ainda sentem que existe uma barreira entre si e o governo. Por exemplo, há muitos empresários que me têm dito que “desde que o Estado não atrapalhe isso já ajuda muito” e se pensarmos bem é verdade. Por outro lado, eu considero que a culpa não é totalmente dos governos, porque no final de contas todos queremos exportar mais além-fronteiras.
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“A Venezuela nunca foi um El Dorado para Portugal”
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