É um otimista por natureza e nunca se deu mal com isso. O que o ocupa mais? Vaguear pelas diferentes áreas do conhecimento e diz-se apaixonado pelas novas gerações que se recusa chamar de Millennial.
"I think it is possible for ordinary people to choose to be extraordinary
Elon Musk ”
No Grill D. Fernando Altis Grand Hotel, com Luís Mergulhão, CEO do Omnicom Media Group.
É o primeiro a chegar ao 12º. Andar do Altis Grand Hotel. Um lugar que, sem sabermos, curiosamente lhe traz memórias. De outros tempos. De outros almoços. De outros encontros. E de negócios. Entre nós temos uma vista panorâmica sobre a cidade de Lisboa, o Tejo ao fundo e uma regra logo à entrada: “Como sabe não falo sobre mim, não tenho entrevistas confessionais e também não há nada para contar, não sou reservado nem fechado, tenho a minha vida, os meus amigos, a minha família onde a intromissão da minha profissão é nula, nunca foram parte”.
As regras estão dadas à partida. Falemos então do mercado. O mercado que Luís Mergulhão, CEO do Omnicom Media Group (OMG) conhece melhor do que ninguém. Em tempos curiosos e de movimentos interessantes, “porque as marcas percebem não só o valor da Data, que para isso têm que ter tecnologia e que têm que ter brain” começa por referir, explicando: “As marcas finalmente perceberam que estão a precisar de ganhar competências internas, não é apenas ter capacidade de investimento tecnológico. É conseguir tratar a Data, saber como a armazenar, e essas competências são fundamentais até para o nosso setor, porque uma marca neste novo contexto, só sabe escolher bem um parceiro se tiver conhecimentos que lhe permita escolher a melhor oferta, não aquela que faz mais barulho, ou que tem mais notoriedade, mas aquela que acrescenta mais valor”. Todo um novo movimento que não vê como ameaça, mas como uma passagem necessária e que quando mais cedo ocorrer, melhor.
E se há marcas que já abraçaram este movimento? Há. “Acho que a Amazon tem um avanço sobre uma Google, porque criou relações de proximidade com quem produz e com quem distribui conteúdos. Hoje a capacidade de venda está naquilo que é criar o marketplace e não ter os produtos em si” explica-nos, apontando a recente “queda” da Farfectch como uma marca que seguiu um caminho diferente. “Há 7 ou 8 anos a Net-a-Porter era o líder desta área e é derrotada pela sua conceção do que é o comercio eletrónico. Tinha stock e disponibilizava, e a Farfecth tem apenas stock de informação. Esta queda recente é por terem feito o contrário, adquiriram uma marca para meterem um pé nessa área, o contrário do modelo que os tinha tornado vencedores. Hoje lançamentos que não tenham isto em conta, são lançamentos datados“, explica Luís Mergulhão.
O tempo. É um tema que o ocupa algum tempo. E gosta pouco de falar do século XX. Um século datado. Assim como do seu percurso profissional. Também datado. Prefere os tempos atuais, o século XXI “que corresponde, do ponto vista da humanidade, a um período semelhante àquele que foi o do Renascimento. Em que o conhecimento é muito apreciado, em que cada pessoa tentaria ser universalista, ou seja, conhecemos os grandes pintores que eram também filósofos, astrónomos, físicos, químicos, pessoas que tinham um conhecimento universal. De repente, mais tarde com o enciclopedismo passamos a dizer que o conhecimento deriva não da experiência, mas da ciência, e hoje precisamos outra vez, com esta omnipresença da tecnologia, de pessoas que têm sucesso nos negócios, nas suas atividades como intelectuais, que tentam ter uma visão global e não uma versão apressada de tudo”, explica.
Os tempos “são o preliminar de um novo Renascimento, o Renascimento do terceiro milénio“, diz convicto, tempos em que “as pessoas têm que ter esta procura incessante pelo conhecimento, e não darem as coisas por adquiridas, embora possamos ficar muito deslumbrados com a conectividade, com a mobilidade, com o aparente conhecimento”.
Temos que evitar ser o líder do quase nada do conhecimento perfeito, isso é o desafio de uma marca. Se uma marca estiver apenas atenta àquilo que são os seus consumidores, nunca vai conseguir ganhar novos consumidores.
“Quem não é curioso, está morto”, diz a propósito deste novo Renascimento. E elogia as novas gerações, por quem tem mesmo “um fascínio”, ainda que se recuse a usar o termo Millennials, que não gosta. “São pessoas com uma maturidade muito grande, que têm uma visão atual, que têm uma abertura e que continuam a ter valores, são valores diferentes, mas são valores bons, e este aspeto tem que estar presente em tudo. Tem que estar nas empresas, nas marcas, e num cidadão que é um consumidor”. É esse o sentimento que gosta de partilhar no Omnicom Media Group, até como forma de reter talento. “A maneira de conseguirmos reter o valor destas pessoas é dar-lhes a oportunidade de viverem dentro do nosso grupo em ecossistemas diferentes, em situações muito distintas, o que lhes permite fazer a migração de uma experiência para outra, sem terem necessidade de abandonar o grupo”, explica.
Uma empresa moderna deveria ter dois diretores de Recursos Humanos, um para pessoas com mais de 28 anos e outro para pessoas com menos de 28 anos. E quem não perceber isto, não percebe que temos que potenciar o valor dos jovens.
Luís Mergulhão é um apaixonado por Portugal, “mas não é um orgulho patético, temos razões para isso”, acrescenta logo de seguida. “Para as marcas na área da comunicação, a tecnologia é uma commodity, o programático é uma commodity, o que não o é, é o talento, as pessoas. Quando falo no momento fascinante que hoje vivemos não é apenas por aquilo que a tecnologia permite, mas também a maneira como gerimos o talento. São as pessoas que conseguem criar insights, que conseguem ler muitos números, que conseguem perceber o que aquilo pode significar, mas também questionar esses números”, acrescenta.
O que me ocupa mais? Vaguear pelas várias áreas do conhecimento. Temos que ser humildes e não arrogantes. Não é feio reconhecer que errámos e é inteligente mudarmos de opinião.
Fala de tecnologia como os jovens que admira. E diz que é a inovação tecnológica que torna precisamente obsoleto o que há um ano era uma área de ponta. E fala novamente dos novos movimentos. “Hoje na nossa área trabalhar só uma marca ou só um segmento de mercado é muito redutor. É por isso que as marcas vão a certa altura fazer a aquisição de conhecimentos in-house, criando agências in-house, tanto na área digital, como na área criativa. Por exemplo, a Unilever criou uma agência in-house porque não tem capacidade de assegurar insights ao mesmo tempo de outros mercados e de outros ecossistemas, e de repente podem se tornar líderes, mas tornam-se líderes do ‘poucochinho’. Porque neste novo mundo, é preciso perceber o que está a acontecer nas áreas da tecnologia, das marcas, da Data, na Inteligência Artificial, mas principalmente nas soluções”.
“No nosso setor os média não têm apenas capacidade de produzir conteúdos, têm que ter a capacidade de monetizar, é o grande dilema que existe em Portugal. Mas para isso têm que ter a capacidade, não de evangelizar, mas de criar parcerias; as televisões não vão sobreviver se não tiverem alianças estratégicas com as plataformas de distribuição local e que tem níveis de cobertura elevados. Essas próprias plataformas pura e simplesmente ficarão mais frágeis se tiverem menos conteúdos em português, menos inventário digital e que sejam dificilmente monetizadas, porque vão ficar muito dependentes de outros fornecedores — Netflix, HBO, Amazon Prime –, e com pouca margem negociável o que as torna mais frágeis”, explica.
E acrescenta sobre o Grupo que gere: “Nós temos que trabalhar com as marcas no sentido de ajudar, instalar do ponto de vista da aquisição de competências, mas ao mesmo tempo aportar valor. Não tenho a visão de que as consultoras mundiais são uma ameaça para os grupos de comunicação, porque o negócio deles é diferente. O deles é encontrar soluções, não é prestar um serviço no dia-a-dia. Nós trabalhamos na área da comunicação, no conhecimento do consumidor e dominamos a questão tecnológica. Mas isso é uma commodity, a questão de fundo está na capacidade daquela passagem da tecnologia para a estratégia. Hoje a componente automação existe, nós não temos de fazer um plano estratégia anual, é preciso quase todos os dias atualizar a estratégia. Isso é o nosso valor acrescentado”.
Deixou de haver aquela crença ilimitada na tecnologia, hoje já se percebeu que a tecnologia não é propriamente boa, correta e verdadeira. O output da tecnologia não é uma coisa que não possa ser questionável, as próprias marcas já perceberam que a Data que se obtém das plataformas globais têm um algoritmo por detrás e que tem uma lógica de construção.
Um mundo interessante que o desafia. Em que a Data que se obtém dos consumidores é limitada e cria limitações na segmentação. Dos media tradicionais que eram escrutinados — dos conteúdos às audiências, o digital leva-o a recordar casos como o do Cambridge Analytica e todas as questões que se levantam à volta das métricas. Sem falar nos BOT e na sua capacidade de gerar contactos e visualizações. “Nós até agora estávamos muito focados no brand safety, assegurar que as marcas não estavam juntas a conteúdos discutíveis, mas hoje também a questão daquilo que é o chamado visability, ou seja, a capacidade de nós assegurarmos que aquilo que é visto, é mesmo visto e não é gerado por robots”, explica.
Hoje já podíamos ter publicidade naquilo que é visionamento não linear em termos de TV e é pena porque dava às marcas mais oportunidades. O 5G pode criar oportunidades. As marcas precisam, nós precisamos e há razões para acreditar que é possível ter conteúdos, ter inventário digital, para continuar a ser eficaz, é o desafio que temos em Portugal.
Por trabalhar com marcas líderes de mercado, defende que hoje um “grupo de media tem é que procurar ser um bom produtor de conteúdos, depois ter a capacidade de transformar esses conteúdos em inventário digital e tem que ter a capacidade de gerar modelos de negócio que permitam ter receitas. Os grupos não podem ver as plataformas de distribuição como opositores, têm que perceber que têm de ser parceiros e esse aspeto é fundamental, senão as oportunidades que as marcas podem ter de contactos vão se perder. Porque o consumidor pode mudar de processo de consumo, a forma de consumo e pode mudar até de atitude de consumo. É necessária uma visão muito lúcida e estratégica, e eu tenho receio que isto esteja muito no plano de quem é o líder de audiência, em vez de quem é que produz conteúdos com sentido”, acrescenta.
É por isso, que em todo este novo movimento que fala, tantas vezes refira a admiração pelos jovens, “as pessoas do século XXI” como lhes chama. Não por defesa, costuma dizer que é velho, “porque a pior coisa é uma pessoa querer parecer nova”, diz com a sua assertividade. E recorre a Fernando Pessoa, de quem gosta, especialmente da sua prosa “mais franca”, numa passagem sobre a origem da mentalidade portuguesa, escrita por volta de 1920 e que dividia a sociedade em três grupos: os escol, os provincianos e o povo. “O que ele diz, com razão, é que os piores são os provincianos, porque não conseguem ser escol e porque se acham mais importantes que o povo. Eu digo isto porque acho que não há nada melhor que as pessoas dizerem as coisas”.
E o que lhe falta fazer? “Trabalhar o resto do dia”, diz com graça, voltando à regra inicial. Não fala de si. Dos seus sonhos ou dos seus dias. Apenas nos diz que não pudemos ser monotemáticos, levando-nos a crer que há muitos outros Luís do que aquele que se sentou connosco a conversar, enquanto comíamos um tradicional Bacalhau com todos.
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#Coolunch com Luís Mergulhão: “As pessoas que têm sucesso nos negócios têm uma visão global e não uma visão apressada de tudo”
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