Estagnados há 25 anos, eis a nossa tragédia

Temos que enfrentar: no contexto europeu e para os padrões que devíamos ambicionar corremos o risco de nos tornar uma nação falhada.

Temos Parlamento, Governo e programa para governar. O primeiro é o mais diverso de sempre. O segundo é o maior de sempre. O terceiro é banal, como sempre.

Há quatro anos fui dos que se enganaram redondamente sobre a durabilidade da solução governativa que se desenhava. Achei que a coisa iria partir rapidamente por um dos lados: ou quebrava na frente externa, através de um conflito com a União Europeia, penalização dos mercados e agravamento das dificuldades no financiamento; ou quebrava cá dentro, com bloquistas e comunistas a recusarem o “pacto de agressão”, a “submissão” e derivas liberais de contas públicas equilibradas, em coerência com o que sempre defenderam. Mas a coerência não fazia, afinal, parte da equação. Ainda bem.

Aprendendo com o erro, vou passar ao lado da especulação sobre a durabilidade do governo que este fim-de-semana iniciou funções. Noto apenas que o desaire eleitoral da direita obriga sempre a uma oposição proactiva de um partido da extrema-esquerda para chumbar diplomas ou derrubar o governo.

Sintomaticamente, as primeiras palavras do Programa do Governo, que dão nome ao primeiro capítulo, são “Boa governação – Contas certas para a convergência”.

Demorámos várias décadas, três resgates externos e uma forte devastação económica e social para lá chegar.

Chegámos, finalmente? Já percebemos que ter orçamentos equilibrados, boas condições de financiamento e um objectivo de redução da dívida são condição essencial para depois se ter qualquer coisa que possa assemelhar-se a um modelo de desenvolvimento económico?

É que ainda não há muitos anos – já mesmo depois de terem levado o país à beira da bancarrota – ainda havia sectores socialistas que achavam que essa coisa da eliminação do défice público era uma tara de uns maluquinhos radicais, neo liberais ou gente desprovida de qualquer sensibilidade social que queria acabar com o Estado levando-o ao equilíbrio de contas. Boa, boa era a inspiração no Syriza da fase Varoufakis.

Chega a ser enternecedor perceber como rapidamente os posicionamentos mudam.

Aqui chegados, falta agora o resto. E o resto é quase tudo. Ter as contas públicas equilibradas é condição necessária para garantir estabilidade económica e financeira e boas condições de financiamento a uma economia demasiado endividada. Mas está longe de ser condição suficiente. E muito menos pode ser um fim em si mesmo.

Por estes dias, o Banco de Portugal veio recordar-nos aquilo que nunca devemos esquecer: a convergência do nível de vida dos portugueses com a média europeia estagnou nos últimos 25 anos e ainda está abaixo dos níveis de 1995.

25 anos. Um quarto de século. Com governos mais à direita e mais à esquerda, com maioria ou em minoria, com a Europa a crescer ou a desacelerar, com o mundo mais eufórico ou mais depressivo. Não adianta entrar em disputas partidárias que nunca levam a lado nenhum, pelo menos da forma como são conduzidas: distorcendo factos, escolhendo-os de forma selectiva e, claro, empurrando sempre os desaires internos para os adversários e a crueldade da conjuntura externa como atenuante própria.

A verdade é que em 1995, entre os 28 países que hoje compõem a União Europeia, os portugueses tinham o 15º PIB per capita (a produção média por cidadão). De então para cá caímos para a 21ª posição. Mantemos um registo próximo dos 77% da média da União.

Mas fomos ultrapassados por países que no início da década de 90 não sabiam o que era a economia de mercado, que vinham de décadas de um regime comunista, com a economia inteiramente centralizada e detida pelo Estado, sem competitividade, com um aparelho produtivo caduco: Eslováquia, Estónia, Lituânia, Eslovénia, República Checa.

Não tarda, veremos também a Polónia ou a Hungria a chegarem a níveis de produto per capita mais elevados do que os nossos.

O pior que podemos fazer é encontrar atenuantes ou justificações externas para nossa mediocridade. Estes países, tal como o nosso, também estiveram expostos às oscilações da conjuntura global. A crise financeira também aconteceu para eles. Muitos também já estão no euro e sujeitos às mesmas regras orçamentais e sob a mesma política monetária. E não podemos queixar-nos de falta de fundos europeus para ajudar à convergência. Eles têm vindo. Se os temos utilizado da melhor forma é outra conversa.
Por exemplo, a Espanha, que sempre foi o vizinho com quem gostamos de nos comparar, manteve a sua performance relativa, foi acompanhando a evolução do pelotão e mantém-se a meio da tabela.

O trabalho do Banco de Portugal – que pode ser lido aqui a partir da página 91 – avança com algumas causas para a nossa prolongada anemia.

Diz que “os resultados apresentados apontam para a relevância do capital humano e da qualidade das instituições para as diferentes experiências de crescimento”.

E apesar do papel que as instituição europeias têm, recorda que “porém, a responsabilidade de promover o crescimento económico de forma duradoura continuará a ser, em larga medida, uma tarefa dos agentes económicos e das autoridades nacionais”.

Educação e qualidade das instituições. Um trabalho recente da Universidade do Minho aponta no mesmo sentido.

Não é por falta de dados, diagnósticos, estudos, propostas e de discursos e programas de governo bem intencionados que vamos marcando passo.

Alguma coisa temos estado a fazer mal e de forma continuada, sempre a correr apenas atrás do prejuízo num triste ciclo: baixo crescimento, desequilíbrios, crises, recuperação do que perdemos com as crises. Já ficamos satisfeitos quando conseguimos voltar a atingir os níveis pré-crise que, já por si, eram medíocres.

Temos que enfrentar: no contexto europeu e para os padrões que temos de exigir corremos o risco de nos tornar uma nação falhada.

E não se vê ambição nem ousadia capaz de dar a volta a isto. Se continuarmos a fazer as mesmas coisas da mesma forma os resultados não serão diferentes. Esta tem sido a nossa tragédia.

Nota: O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.

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