As baixas taxas de juro também afetam a solvabilidade das seguradoras. Para compreender como a solidez destas é controlada, a consultora da EY especialista em seguros revela tudo sobre solvência.
Com 15 anos de experiência a trabalhar no regulador e os últimos seis na consultora EY, onde é atualmente associate partner para a área de Seguros – Risco e Serviços Actuariais, Carla Sá Pereira explica ao ECO como está o resguardo de solvência das seguradoras a operar em Portugal, após a recente divulgação de uma baixa dos valores dos principais indicadores de solvência pela entidade de Supervisão ASF e que são o RCM e RCS.
Habituada a trabalhar no mercado com seguradoras como Fidelidade, Generali, Liberty e Victoria, conhece profundamente a legislação e os indicadores de saúde do setor. É licenciada em Matemáticas Actuariais pela FCT da Universidade Nova de Lisboa e Mestre em Ciências Actuariais pelo ISEG.
O que significam os rácios RCS e RCM e como são calculados?
O regime de solvência II, em vigor desde 1 de janeiro de 2016, veio definir, entre outros, os requisitos quantitativos (Pilar 1 do regime) aplicáveis às empresas de seguros no que respeita, nomeadamente, aos níveis de solvência. Em particular, definiu dois níveis de capital: o requisito de capital mínimo RCM (MCR na designação inglesa) e o requisito de capital de solvência, RCS (SCR na designação inglesa).
Um dos principais objetivos do solvência II foi estabelecer requisitos de solvência melhor adaptados aos riscos efetivamente incorridos pelas empresas de seguros.
O RCM corresponde ao limite mínimo de capital abaixo do qual se considera que o nível de proteção dos tomadores e beneficiários de seguros é insuficiente, situação que pode desencadear medidas extremas por parte da autoridade de supervisão (ASF) como a retirada da licença.
O RCS diz respeito ao nível de capital que permite a absorção de um montante significativo de perdas inesperadas, devendo cobrir os riscos mais relevantes a que a empresa de seguros está sujeita, com um elevado grau de confiança (99,5%), num horizonte temporal de 1 ano.
O solvência II prevê que aqueles requisitos podem ser apurados com base numa fórmula padrão europeia ou com base em modelos internos (totais ou parciais) aprovados pela autoridade de supervisão. Em Portugal, todas as empresas de seguros estão a apurar os seus requisitos de capital com base na fórmula padrão.
Para o apuramento do RCS, a fórmula padrão considera os requisitos de capital para o risco de mercado, para os riscos específicos de seguros (Vida, Não Vida e Saúde), para o risco de incumprimento da contraparte, para o risco dos intangíveis e para o risco operacional, prevendo ainda um ajustamento para a capacidade de absorção de perdas dos impostos diferidos e das provisões técnicas.
Por sua vez, o RCM é definido como um limiar mais baixo, com um nível de confiança de 85%, deverá situar-se entre 25% e 45% do RCS e é apurado com base numa fórmula linear.
Os rácios de cobertura do RCS e do RCM são obtidos através do quociente entre os fundos próprios elegíveis e o RCS e RCM, respetivamente. Os fundos próprios elegíveis correspondem a uma parte dos fundos próprios (excesso de ativos sobre passivos em solvência II) que, de acordo com as regras do regime, podem ser utilizados para cobertura dos requisitos de solvência.
Quais os valores, ou intervalos de valor, considerados de referência para o setor?
Em termos regulamentares é requerido que as empresas de seguros cumpram com os RCS e RCM, o que implica que os rácios de solvência devem ser superiores a 100% ao longo do tempo.
Embora não estejam definidos regulamentarmente outros limites para os rácios de solvência, é comum que as empresas definam internamente diferentes metas estratégicas para demonstrar a sua estabilidade financeira perante os seus stakeholders, quer em termos de valores mínimos, quer em termos de rácios “target”.
Encontra-se previsto na regulamentação que as empresas de seguros devem informar de imediato a entidade reguladora ASF assim que verifiquem que o RCS ou o RCM deixou de ser cumprido ou que existe o risco de incumprimento nos três meses subsequentes. E devem, num prazo de dois meses para o RCS e um mês para o RCM, apresentar um plano de recuperação a 6 meses em caso de incumprimento do RCS e um plano de financiamento a curto prazo no caso de incumprimento do RCM.
Como se compara Portugal com outros países neste aspeto?
O regime de solvência II trata-se de um regime prudencial aplicável aos Estados-Membros da UE, existindo alguns países como a Suíça, as Bermudas e os Estados Unidos onde os respetivos regimes são considerados com regras parcialmente semelhantes ao regime europeu.
De acordo com dados publicados no relatório da EIOPA “EIOPA Financial Stability Report, June 2019” é possível verificar que Portugal está entre os 5 Estados-Membros com mediana mais baixa no que respeita ao rácio RCS (170%) em 2018, fazendo igualmente parte deste conjunto a Eslovénia (129%), o Reino Unido (163%), a Grécia (168%) e a Eslováquia (176%). No limiar oposto estão a Alemanha (322%), a Dinamarca (288%), a Áustria (255%), a Finlândia (245%) e Espanha (238%).
É de notar que, de acordo com o referido relatório da EIOPA, a posição de solvência das empresas de seguros da UE difere significativamente entre países, sendo que em 2018, os percentis 10 e 90 para todos os países da UE variaram entre 108% a 664%, sendo que em Portugal se situaram entre 128% e 277%, respetivamente.
É ainda de destacar que, ao serem feitas comparações entre países, deve ser tido em conta que existe um conjunto de medidas transitórias e de longo prazo que podem ser aplicadas e que têm um impacto significativo nos rácios de solvência das empresas, sendo a sua utilização diferente de país para país. Deve ainda ter-se em atenção o facto de em alguns países estarem a ser utilizados modelos internos.
Como vê a descida dos indicadores no último ano? Por exemplo, o rácio de capital mínimo baixou 15%.
Importa destacar que o relatório de “Solvência II: Informação Trimestral 2018.06 – 2019” da APS reflete a posição de solvência para uma amostra de 90,8% do mercado Português. Os indicadores desde relatório foram preparados com base nos mapas trimestrais produzidos pelas empresas. Assim, no que respeita aos valores do final do ano 2018, o rácio RCS de 172% incluído neste relatório reflete a posição de solvência da amostra para o 4º trimestre de 2018.
De acordo com o “Relatório de Evolução da Atividade Seguradora – 1º semestre de 2019” da ASF, que inclui informação de todas as empresas de seguros em Portugal sob supervisão da ASF, é possível verificar que ocorreu durante o primeiro semestre de 2019 uma descida quer do rácio de cobertura do RCS quer do RCM. Em junho de 2019, estes rácios situaram-se em 174% e 485%, respetivamente, correspondendo a diminuições de 6 pontos percentuais e 28 pontos percentuais face ao reporte anual de 2018.
Uma das principais justificações para a redução da posição de solvência das empresas de seguros prende-se com o ambiente de taxas de juro muito reduzidas.
Quando observada a evolução da estrutura temporal das taxas de juro publicada pela EIOPA, que serve de referência para a atualização das responsabilidades das empresas de seguros numa perspetiva económica, verificamos uma quebra significativa em junho de 2019 quando comparada com o final do ano 2018, sendo que em setembro de 2019 os valores são ainda mais baixos.
Adicionalmente, e com vista a assegurar que os rácios de solvência se aproximam do real perfil de risco das empresas, a ASF comunicou às empresas de seguros com autorização para utilização da medida transitória das provisões técnicas que deveriam proceder ao recálculo da mesma, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019.
Estas situações contribuíram para um incremento dos passivos e, consequentemente, para um decréscimo no nível de fundos próprios das empresas, o que poderá justificar a redução observada dos indicadores no último ano, com impacto relevante na posição de solvência de algumas empresas de seguros.
Qual a resposta possível face a baixas destes indicadores? Aumentos de capital?
A melhoria dos rácios de solvência das empresas de seguros pode ser conseguida pelo incremento do nível de fundos próprios elegíveis (por via de aumentos de capital que podem tomar várias formas) e pela redução do seu perfil de risco.
Neste contexto, importa mais uma vez destacar que os requisitos de capital de solvência apurados pela fórmula padrão estão muito dependentes das estruturas temporais das taxas de juro que são publicadas pela EIOPA.
Durante o ano de 2019 esta estrutura teve um decréscimo significativo face ao ano anterior, sendo que o valor mais baixo do ano foi registado em agosto, havendo uma ligeira recuperação em setembro.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Carla Sá Pereira (EY) explica o que se passa com a solvência das seguradoras
{{ noCommentsLabel }}