A China, a Huawei e a soberania nacional
A nova lei de Criptografia anunciada em Pequim devia ser um guia prático para impedir que a China participe na economia europeia. Mas a força dos yuans ainda fala mais alto que a proteção da soberania
Pode uma mera empresa representar um risco estratégico? Sim, especialmente se estiver em causa o seu acesso a uma tecnologia de importância geoestratégica. O caso contra a Huawei e outras empresas chinesas ganha nova força com a aplicação uma lei que fecha o círculo do controlo sobre o digital: a 1 de dezembro entrou em vigor uma atualização da lei de cibersegurança e, a partir do primeiro dia de 2020, fica ativa a Lei de Criptografia. Juntas, elas determinam o acesso integral do governo chinês a todos os dados de todas as empresas que operem dentro das suas fronteiras.
O acesso a tudo o que está digitalmente registado pelas empresas será imediato e integral por parte do governo, mesmo que isso inclua patentes, dados financeiros, comunicações de funcionários, etc. E a lei aplica-se a todas as informações registadas em bancos de dados alojados na China, mesmo que a propriedade desses mesmos dados pertença a cidadãos, entidades e governos estrangeiros. A lei proíbe ainda explicitamente a utilização de VPNs e outros mecanismos para mascarar origem e proveniência de tráfego, bem como utilização de criptografia para impedir acesso a dados. Naturalmente, o problema não é com os algoritmos que encriptam os dados, visto que a maioria deles até é de domínio público: o que Pequim vai ter é as chaves que permitem o seu acesso incondicional aos dados.
Trocando isto por miúdos: quaisquer dados que estejam na posse da Huawei e outras empresas chinesas ou entidades estrangeiras que operem na China estarão imediatamente na mão do governo chinês, que pode fazer deles o que quiser – pode utilizá-los para os seus serviços de espionagem, pode oferecê-los a outras empresas para que estas tenham vantagens competitivas e pode aproveitar-se deles para quaisquer outras atividades governamentais, diplomáticas ou comerciais.
Se isto não é razão para bloquear imediatamente qualquer acesso de qualquer empresa chinesa a infraestruturas de segurança e comunicações na Europa, não sei qual seja. Bem pode a Huawei promover ações de relações públicas em Berlim, Londres e Paris com jornalistas de tecnologia e influenciadores; bem pode a empresa reportar que ofereceu 12.8 mil milhões de euros à economia europeia; e bem pode o seu chairman gritar aos quatro ventos na Websummit que todos se devem concentrar em aproveitar o 5G.
A verdade é que o risco de segurança é demasiado grande e que dar acesso ao 5G à Huawei é dar acesso ao governo chinês a uma peça-chave de segurança geoestratégica. E uma coisa é certa: a China nunca permitiria que uma empresa estrangeira tomasse parte na construção de um elemento crítico da sua infraestrutura. Devem os europeus ser ingénuos ao ponto de fazer o contrário?
Berlim, Lisboa, Budapeste são as capitais onde o governo chinês melhor tem exercido a sua influência persuasiva no que toca ao 5G. Berlim porque o governo Merkel se tem mostrado estranhamente ambivalente em relação ao poderio comercial chinês, Lisboa porque o Governo de Costa mantém negociações de infraestruturas com a China e Budapeste porque Órban não se importa de colocar o seu país em risco desde que isso irrite Bruxelas.
Portugal é um caso extraordinário: já cedeu o controlo energético, está a negociar a cedência do ponto comercial mais nevrálgico e ainda pondera abrir a infraestrutura de telecomunicações. Falta pouco para hastear a bandeira chinesa na presidência do Conselho de Ministros… Mas o problema na UE não fica por aqui: é provável que outros países, porventura mais sensíveis aos “argumentos” chineses, acabem por ceder e permitir a sua entrada na infraestrutura de telecomunicações. Razão pela qual terá de ser a União Europeia a fazer valer a importância do espaço comum europeu como uma esfera menos vulnerável a interferências estrangeiras. E perceber a importância deste tema é também perceber melhor as discussões que importam sobre o futuro geoestratégico do continente.
Ler mais: este problema é tão sério que o melhor é ler mesmo da fonte. Por isso aqui está o texto original e completo da lei agora anunciada e aqui fica um sumário da mesma em inglês, também de fonte autorizada.
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