Guia prático dos apoios ao jornalismo

Se o Estado quer fazer alguma coisa pelo futuro do jornalismo, tem de entender o setor e agir de forma objetiva. Não é preciso fazer muito, há onde ir buscar dinheiro e a democracia agradece.

Continua a discutir-se o estado do jornalismo como se de um jogo de futebol se tratasse. O tema não é para amadores e a discussão precisa de ser recolocada. Comecemos pelos pressupostos: Já ficou óbvio que, numa economia como a portuguesa, sai demasiado caro informar devidamente os cidadãos – e neste momento o mercado não será por si só capaz de assegurar o pluralismo e muito menos a qualidade. Portanto, se queremos continuar a ter jornalismo, o Estado tem de intervir. Em Portugal, muito por culpa do setor, o problema está a ser visto ao contrário. O jornalismo não é uma atividade lúdica que possa desaparecer sem que estejamos preparados para enfrentar as consequências para a democracia – e, acreditem, não estamos.

Esta é uma atividade tendencialmente privada, mas que pode e deve ser apoiada pelo Estado em caso de necessidade no estrito sentido em que fornece um serviço essencial aos cidadãos. É essencial tirar a carga dramática deste tema. O Estado subsidia empresas de transportes para que estas o façam em áreas onde economicamente isso não é sustentável em nome da equidade. Ninguém se queixa disto, todos acham normal que assim seja feito porque protege os cidadãos. Então porque é que a discussão sobre o jornalismo tem de ser diferente? Não tem e não pode. A tónica da discussão tem de estar no serviço ao cidadão, porque o jornalismo é antes de mais uma questão de cidadania. A coisa consiste em saber como proteger o jornalismo de qualidade, sem consequências na independência. Para fazer a discussão evoluir é preciso assumir que o jornalismo tem de ser protegido e responder à questão de como concretizar esses apoios sem pôr em causa a independência. Aqui vai uma lista que responde a essa questão:

  • Criar incentivos para a modernização de gestão

O que mais falta aos média portugueses é capacidade de gestão. Os gestores dos grandes títulos, com honrosas exceções, continuam a trabalhar da mesma forma que há vinte anos, sem perceber que o mundo mudou. Quase não há – os que há são as boas exceções – gestores com formação apropriada para o cargo e isso tem de mudar depressa, uma área em que o Estado pode ajudar com apoios específicos à aprendizagem.

  • Criar incentivos para a inovação

Do primeiro ponto explica-se porque é que os nossos média se recusam a inovar – e quando o fazem cometem erros de palmatória como se viu no caso do Nónio. São urgentes programas específicos para a inovação nos média que ajudem a assegurar a contratação de profissionais que hoje (quase) não existem nas redações: programadores e cientistas de dados estão à cabeça desta lista.

  • Criar incentivos para progressões na carreira

Ao contrário do que se pensa, o problema do jornalismo não é o acesso à profissão. É a progressão na carreira para quem tem entre 27 e 40 anos, porque os salários são miseráveis e as perspetivas de progressão quase nulas – por isso tantos profissionais excecionais saem do mercado e se dedicam a outras atividades. E por isso é que a qualidade do jornalismo está tão baixa, com redações partidas entre veteranos demasiado tradicionais e jovens inovadores demasiado inexperientes.

  • Facilitar a criação de fundações e start-ups jornalísticas

Isto faz-se através da modernização do enquadramento jurídico e contabilístico das fundações, fomentando a criação de empreendimentos jornalísticos que possam ser diretamente apoiados pelo Estado de forma simples – e que permitam também à iniciativa privada apoiar projetos jornalísticos de forma simplificada. Só assim se assegura a diversidade de vozes e a cobertura apropriada de nichos.

  • Criar mecanismos para pagar ações de serviço público

Há tarefas urgentes que são serviço público e onde os média estão colocados de forma privilegiada para assegurar um serviço de qualidade. Exemplos: programas de inclusão digital em setores, regiões e faixas etárias específicas; detetar notícias falsas; criar informação de qualidade que forneça proteção ao consumidor em setores como a banca, os seguros, a energia, etc.

  • Exigir que os cursos superiores de comunicação social e de jornalismo tenham maior integração com a indústria

Muitas universidades ainda hoje formam para o desemprego, porque não têm qualquer correspondência com as necessidades do setor. Para além do número absurdo de licenciados anualmente em jornalismo, o desencontro entre a teoria e a prática é enorme e isso precisa de ser resolvido.

  • Garantir que a RTP fornece um serviço de qualidade no digital

Com o fechamento da maioria dos títulos atrás de paywalls, quem não tem dinheiro para pagar informação de qualidade fica sem opções. Se este governo se preocupa efetivamente com a desigualdade, tem de resolver urgentemente este problema, e a RTP ou a Lusa (ou ambos) são a única via para o fazer.

  • Incluir o ensino obrigatório de cultura e cidadania digital nas escolas

Só quando as escolas formarem para uma cultura digital, onde se inclui a necessidade do jornalismo, é que a sociedade vai perceber – é o um objetivo que demora anos a concretizar, pelo que já se devia ter começado há muito.

Como pagar isto tudo? Simples. Basta obrigar as grandes multinacionais digitais a pagar em Portugal os impostos pela publicidade que cá vendem (em vez de o fazerem no Luxemburgo e na Irlanda). Acredite-se ou não, ainda sobrava dinheiro. Claro que tudo isto pressupõe mecanismos de apoio claros, regras bem definidas, um regulador eficiente e uma exigência absoluta de transparência por parte dos média. Já agora, também não era mau garantir que Portugal tem uma voz ativa nas muitas discussões sobre o futuro do setor que vão ter lugar em Bruxelas nos próximos anos. O contexto é outro, as soluções também, mas o tema é o mesmo.

Ler mais: O Reuters Institute publicou um importante relatório em que discute precisamente que políticas se podem aplicar aos media de forma a sustentar e reforçar a democracia europeia. A leitura é essencial para quem se interessa por estes temas.

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