O Brasil em 2020? Economia acelera apesar da diplomacia
A economia do Brasil vai acelerar em 2020, para cerca de 2%, antecipa o antigo director do Banco Central do país. Mas isso sucederá com uma política externa que anda "ao sabor dos ventos".
A economia brasileira deverá crescer no próximo ano, com um aumento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), mas as relações exteriores andarão ao “sabor dos ventos”, diz o ex-diretor do Banco Central (BC) do Brasil. O economista brasileiro Alexandre Schwartsman declarou, em entrevista à agência Lusa, que, após três anos com um ritmo “anémico” na casa de 1%, o país sul-americano registará um crescimento económico, acreditando que há “condições razoáveis” para uma aceleração.
“Temos visto um comportamento mais firme do consumo, das famílias em particular, principalmente durante o segundo semestre de 2019, e já apontando para uma continuidade. As raízes dessa melhoria são, por um lado, uma queda expressiva da taxa real de juros, e provavelmente ainda vamos ter mais alguma redução; por outro lado, uma expansão dos rendimentos no trabalho”, disse o administrador.
“Temos visto algumas melhorias a nível de emprego, e com o salário real a manter-se estável, o que se traduz num aumento de rendimentos no trabalho. Esses dois fatores têm impulsionado o consumo, e devem continuar a fazê-lo no próximo ano”, argumentou Schwartsman.
O ex-diretor do BC do Brasil admitiu que tem assistido a sinais encorajadores do lado do investimento, apesar de frisar que esse não será, de todo, o motor do crescimento económico em 2020, advogando que esse papel será ancorado pelo consumo.
“O investimento, que estava praticamente morto nos últimos anos, deve ganhar algum fôlego também em cima da redução das taxas de juro, e por uma combinação de alguns sucessos que tivemos com as reformas (do Governo), que indicam um melhor comportamento das contas públicas. Acredito que também as recentes concessões de infraestruturas podem ajudar um pouco no cenário”, indicou.
Quanto a previsões efetivas de crescimento para 2020, Alexandre Schwartsman apontou para valores que rondem os 2% e 2,5% (PIB), sublinhado que está “mais inclinado para 2%”: “Não é um valor brilhante, mas acho que é alguma evolução, uma recuperação sólida”, afirmou.
“Não há política externa”
Se no cenário económico, o analista brasileiro antevê uma melhoria, já em relação às relações exteriores a visão é mais pessimista. Schwartsman teceu duras críticas ao atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, avaliando o diplomata como um “burocrata de segunda categoria”, que está longe de ser uma das mentes mais “brilhantes” daquele Ministério.
“Em relações a relações exteriores, precisaríamos de ter primeiro uma política externa e, infelizmente, não vemos isso. Temos observado uma ideologização nesse campo que, no mundo de hoje, faz muito pouco sentido”, defendeu.
O analista refere, a título de exemplo, o facto do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, não ter marcado presença na tomada de posse do seu homólogo argentino, Alberto Fernández, eleito no final de outubro passado.
“A Argentina é um dos nossos principais parceiros comerciais, é o destino da fatia mais relevante das exportações brasileiras de manufaturados. Obviamente que a Argentina tem os seus problemas, está em recessão, de onde vai demorar para sair, mas não é motivo para não cultivar relações, mesmo que haja desacordos do ponto de vista de política económica”, justificou o especialista.
“Há aquela máxima de que “países não têm amigos, têm interesses”, salientou. “Temos de nos lembrar de que a política externa tem de ser orientada pelos interesses do Brasil. Queremos ter uma parceria sólida com a Argentina, com a China. Neste momento, a diplomacia brasileira vai ao sabor dos ventos e dos humores, e será essa a previsão para o próximo ano. Já é uma sina do país, que também passou por isso no Governo anterior”, frisou.
No campo das relações comerciais, o ex-presidente do BC referiu a importância do acordo estabelecido entre Mercosul [Mercado Comum do Sul, do qual fazem parte a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai] e a União Europeia, fechado em junho após 20 anos de negociações entre os dois blocos. Contudo, o analista relembrou que o facto de ter ocorrido uma troca de Governos na Argentina posterior à assinatura do acordo, poderá trazer “complicações”.
“É preciso ver se há interesse no novo executivo argentino em levar o projeto adiante ou não. Do ponto de vista europeu, teremos ainda de esperar a ratificação do acordo, e a postura do Brasil em relação a questões ambientais não colabora”, declarou, acrescentando que, “embora tenha sido um avanço, é necessário aguardar para que seja uma realidade”.
Schwartsman indicou à Lusa que o Governo de Bolsonaro conseguiu, a nível interno, um avanço importante na questão da reforma do sistema de pensões, tendo “êxito onde outros Presidentes falharam”, apesar do seu projeto original ter perdido força ao longo das análises efetuadas pelo Congresso.
Contudo, o economista destacou uma “diminuição do ímpeto reformista” nas últimas semanas de 2019, temendo que reformas importantes para a economia do país passem por atrasos na ocasião de serem votado.
“O calendário para aprovações é relativamente apertado, temos eleições municipais no próximo ano, e vamos passar três ou quatro meses com o interesse do mundo político em outros tópicos, o que dá um plano temporal curto para o Governo avançar nas reformas. É necessário avançar com, pelo menos, a reforma administrativa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, avançar no pacto federativo e tentar encaminhar também a reforma tributária”, disse.
Em jeito de balanço, Alexandre Schwartsman indicou que em 2020 predominará uma economia global com pouco crescimento, um cenário de preço de “commodities”, em geral, baixo, o que representará uma queda das exportações brasileiras.
“Não só não parece que não haverá nenhum avanço significativo em 2020, como ainda teremos de viver com um mundo menos favorável para estabelecer relações comerciais”, concluiu o brasileiro.
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