Maria Luís esteve para ser comissária. “Jean-Claude, não ficas pior” com Moedas

O pretexto foi a apresentação do livro de crónicas de Carlos Moedas. Pedro Passos Coelho fez revelações sobre a escolha do comissário europeu, a que esteve para ser e o que foi.

O motivo era a apresentação do livro de crónicas de Carlos Moedas no Correio da Manhã nos cinco anos em que foi comissário europeu, com o título “Vento Suão: Portugal e a Europa”, mas o que se ouviu foi história política recente, e pela mão do principal protagonista, Pedro Passos Coelho, no papel de apresentador. Uma história revisitada, a memória dos que criticaram a escolha de Moedas, desde logo de António Costa, todo o processo que levou à sua indicação, e uma revelação: Maria Luís Albuquerque não foi para a Comissão, para o lugar que veio a ser de Valdis Dombrovskis, porque o BES caiu naquele mês de agosto de 2014. Numa tarde que juntou alentejanos — os amigos da terra do atual administrador da Gulbenkian –, ex-ministros, políticos no ativo, banqueiros, comentadores e empresários, e não contou com ninguém da atual direção do PSD. A (nova) história política de Carlos Moedas começou aqui, neste dia 17 de fevereiro de 2020?

Pedro Passos Coelho foi, como reconhece o próprio Carlos Moedas, a figura decisiva para a sua carreira política. O critério da escolha do apresentador do livro está feita. E Moedas recordou, na sua intervenção, dois dias marcantes. 10 de março de 2010, quando Passos lhe disse que ganharia a liderança do PSD e depois lhe ligaria. E ligou, na sexta-feira seguinte, às 10h00 da manhã. E no dia 31 de julho de 2014, às 21h30, quando o primeiro-ministro lhe ligou para dizer que no dia seguinte o indicaria como comissário europeu.

Antes, Passos Coelho fez um ajuste com a história, alguma dela desconhecida e que antecipa o que o próprio poderá revelar no prometido livro sobre o exercício das funções de primeiro-ministro. Um ajuste de contas com os seus adversários políticos. Primeiro, com aqueles que criticaram a nomeação de Moedas, desde logo António José Seguro, à data líder do PS, e António Costa, candidato a líder. E citou ipsis verbis. “O pior sinal que o Governo poderia dar” na escolha, por causa da alegada ortodoxia europeia do comissário indigitado, pior do que Vítor Gaspar. A vingança serve-se fria. Passos Coelho recordou os elogios que o primeiro-ministro lhe fez na “passagem de pastas” com Elisa Ferreira, em São Bento.

Apresentação do livro "Vento Suão Portugal e a Europa" de Carlos Moedas - 18FEV20

Carlos Moedas poderia ter sido ministro do Governo de Passos Coelho, e teria sido se não fosse para a Comissão Europeia naquele ano. Não foi antes, logo no início do Governo, porque não poderia ter o papel que teve como o secretário de Estado que tinha a responsabilidade de acompanhar a execução operacional do programa da troika quando o programa tinha um titular, o ministro das Finanças, justifica o antigo primeiro-ministro.

Passos Coelho fez outra revelação. Perante uma sala a abarrotar — nomes como Francisco Pinto Balsemão, Vasco Mello, Ilídio Pinho, Esmeralda Dourado, João Talone, Pedro Rebelo de Sousa, Assunção Cristas, José Luís Arnaut, Nuno Crato, Pedro Norton, Miguel Relvas e tantos outros –, o antigo primeiro-ministro revelou que o novo presidente da Comissão Europeia lhe propôs um nome… por sinal um nome que Passos Coelho omitiu, mas que também estava na sala: Silva Peneda. “Caro Jean-Claude, isso não tem pernas para andar”… O presidente indigitado sugeriu Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças que tinha sucedido a Vítor Gaspar. Primeiro, Passos estranhou, depois, entranhou. E aceitou “equacionar” essa possibilidade. Estávamos em junho/julho de 2014, e o BES já era um problema.

“Tive conversas com o presidente da Comissão” sobre Maria Luís, e desde logo rejeitou a possibilidade de aceitar para Portugal a pasta dos fundos europeus. E afirma não perceber porque é que o atual Governo a queria. Se Portugal é um beneficiário líquido de fundos, tinha interesse em tudo menos nos fundos, afirmou Passos Coelho. A pasta que foi discutida foi a Valdis Dombrovskis, que tinha o euro e o semestre europeu. Mas quando o BES estava mesmo nos últimos dias, e inspirava já as maiores preocupações, Passos Coelho decidiu que não poderia abdicar da sua ministra das Finanças. “Jean-Claude, não ficas pior”, terá dito a Juncker quando indicou o nome de Carlos Moedas.

 

Para Passos Coelho, Carlos Moedas tinha também o perfil que era necessário, um homem do mundo, “um estrangeirado”, cosmopolita, e que tinha sobretudo uma visão transversal da governação no papel que teve no Governo.

Passos Coelho revelou também que, naqueles primeiros dias depois da indigitação, a pasta de que se falava era a dos Assuntos Sociais. “Você fuja disso, homem”, disse-lhe. E Moedas fugiu. Mas como o próprio antigo primeiro-ministro revelou, foi Carlos Moedas a encontrar uma saída, com a área da ciência e da investigação. “Conseguiu fazer do Horizonte 2020 um programa com muito fôlego” e deixou para a nova Comissão Europeia um programa ainda mais reforçado. “E a Europa precisa desse programa como de pão para a boca”.

Na sessão de apresentação do livro de crónicas que tem o nome “Vento do Suão” também como dedicatória ao seu pai, José Moedas, já desaparecido, que escrevia uma crónica com o mesmo nome num jornal alentejano, começou às 18h35, e às 20h40 ainda Carlos Moedas assinava dedicatórias. Já com a sala quase vazia do El Corte Inglês, em Lisboa. Para o administrador da Gulbenkian, a história estava feita. As crónicas serviram para contar uma história da Europa, quando se ouve tanto falar de diretivas europeias e de diretores-gerais, reconheceu Moedas. “Para não se perder a identidade da Europa”.

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