Supervisor britânico arrasa preços excessivos e má conduta nos seguros
Prémios que penalizam clientes fiéis, participantes de mercado que capturam valor que devia ser entregue aos segurados e pobre conduta comportamental são males apontados ao 'London Market' de seguros.
Disponível no sítio eletrónico da Financial Conduct Authority (FCA), o estudo (em língua inglesa) integra o cenário de mudanças resultantes do designado Brexit e, ao longo de sete capítulos, analisa os temas de maior impacto para o consumidor de serviços e produtos financeiros (banca de retalho e pagamentos; crédito ao consumo; seguros gerais e proteção; poupança-reforma e rendimento reforma; retalho de investimento; gestão de investimentos e mercado grossista).
O que “aparentemente se torna claro neste estudo é que muitos dos males detetados são criados por um número significativo de empresas pequenas que regulamentamos ou por entidades que escapam ao nosso mandato”, sugere Christopher Woolard, diretor executivo interino da FCA na apresentação do relatório.
No que interessa aos seguros, o “Sector Views 2020” compila resultados de inquéritos a profissionais do setor e aos consumidores e elabora sobre a ineficiência do sistema e as necessidades de modernização do ‘London market’, classicamente considerado um hub de referência para a indústria seguradora global.
Entre os fatores que traduzem maior prejuízo para os consumidores e são motivo de preocupação para o organismo regulador, a FCA denuncia os preços cobrados aos clientes mais leais às suas companhias. “A (in)justiça do preço (prémio de seguro) mantém-se como o problema principal nas linhas de seguros pessoais”, nota o relatório.
“Os consumidores que permanecem fiéis às suas seguradoras, sem mudar de companhia no momento da renovação das apólices pagam normalmente prémios mais elevados do que aqueles que mudam ou forçam uma renegociação do contrato”, explica o estudo.
Em média, mais de metade dos segurados permanecem pelo menos dois anos na mesma companhia. Do universo de participantes no inquérito, nove em 10 consumidores, ou 90% do total, consideram a ‘loyalty penalty’ uma prática injusta, sentencia o supervisor.
Este custo, que a FCA qualifica de ‘penalização por lealdade’ “é mais comum nos seguros habitação e no ramo automóvel”. De acordo com a entidade, esta penalização significou, em 2018, um custo extra de 1,2 mil milhões de libras esterlinas para seis milhões de segurados fiéis às suas companhias. Para minimizar tal sobrecarga, a FCA promete apresentar remédios que têm por base o estudo ao mercado.
Analisando os fatores que determinam a escolha dos consumidores em seguros dos ramos automóvel e habitação, o preço é o elemento decisivo para 83% dos consumidores quando procuram contratar uma apólice de seguro automóvel. No seguro habitação, 76% decidem pelo mesmo critério. Somente 15% dos segurados no ramo automóvel e 14% no seguro habitação baseiam as decisões nas coberturas englobadas nas apólices. A oferta de soluções pouco diferenciadas explica este foco no preço, sintetiza a FCA.
Face aos restantes segmentos do setor financeiro, o setor de seguros está também associado aos mais baixos níveis de confiança, sendo que 30% dos consumidores assumem desconfiança. Termos e condições enganadoras (segundo 53% dos inquiridos) e conteúdos pouco claros (para 34% dos respondentes) são as principais razões da falta de confiança. A credibilidade das seguradoras traduz um nível de confiança mais baixo do que o atribuído aos bancos.
A FCA faz uma abordagem abrangente dos riscos e dos potenciais prejuízos a que os consumidores estão expostos no setor financeiro, avaliando a insuficiência de respostas que a indústria dá às necessidades dos consumidores, mas também destapa padrões de conduta comportamental não financeira que o estudo qualifica como sendo “pobres”.
Neste âmbito, o organismo realça o problema crónico com produtos de baixo valor pelos quais, por exemplo, as pequenas e médias empresas pagam preços significativamente elevados. Aprofundando, a FCA aponta a existência de participantes de mercado auferindo remunerações bastante acima do valor que acrescentam enquanto integrantes da cadeia de distribuição de seguros. Daqui resulta que “os clientes pagam preços potencialmente excessivos pelos serviços” que adquirem, assevera o supervisor.
Por outro lado, o relatório ataca as barreiras de acesso ao seguro resultando em formas efetivas de discriminação, adentro do tema mais geral da inclusão social. Práticas detetadas no mercado funcionam como obstáculos para clientes com condições de saúde pre-existentes, em particular na forma como os doentes de cancro são discriminados nos seguros de viagem. Segundo o documento, “três milhões de pessoas com algum tipo de incapacidade viram ser-lhes recusada a contratação de um seguro ou foi-lhes cobrado um valor extra”.
Notando o movimento acelerado de digitalização dos serviços, o supervisor refere que o acesso facilitado aos dados de clientes pode gerar muitos benefícios, “mas também representar risco [de discriminação personalizada] para os consumidores”. Tomando como exemplo os dados biométricos ou genéticos, a FCA salienta que “a modelação do risco pode tornar certos seguros inacessíveis para consumidores que indiciem a possibilidade de vir a desenvolver algum tipo de doença”.
Adiante, o relatório recorda que os casos noticiados de má conduta não financeira no London market “levantam questões sobre a cultura das empresas” que atuam no mercado grossista de seguros. De acordo com o documento, 71% dos profissionais que por ali operam reconhece a necessidade de uma alteração da cultura comportamental. Mas, tratando-se de uma mentalidade predominante, mudar torna-se um desafio complexo.
A má conduta não financeira levanta questões sobre a capacidade intrínseca do London market identificar e combater os problemas comportamentais, como por exemplo na gestão de conflitos de interesse. Todas as questões de natureza comportamental (não financeira) “constituem uma ameaça à integridade do mercado e afetam a confiança no setor”, considera a FCA.
Por outro lado, funcionando como benchmarking do setor, os modelos comportamentais exportados a partir de Londres têm potencial de contagiar outras geografias.
O London Market Group, organismo que abrange a generalidade dos especialistas presentes na praça londrina, e o próprio Lloyd´s of London “reconhecem que a falta de uma cultura [comportamental] constitui uma barreira para atrair e manter talentos”, comprometendo também a exigência de modernização da indústria, sugere ainda o relatório.
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