Quando é que as marcas vão pôr o futebol em fora-de-jogo?
O futebol português precisa de uma "operação limpeza" e só as marcas que investem milhões têm a força para impor essa mudança.
Aos clubes de futebol português já não bastavam os resultados desportivos no contexto europeu, os casos de arbitragem, a violência nas bancadas, as redes de favores e interesses e um setor protegido, o ar bafiento dentro e fora dos relvados. Também foi preciso juntar-lhe (novos) indícios de crime e uma investigação que toca em clubes, presidentes, agentes, advogados e jogadores (quem é que ficou de fora?). O futebol português está mesmo em fora-de-jogo e só as marcas que investem milhões podem obrigar o futebol a uma limpeza geral.
Afinal, o que está agora em causa? Há 47 arguidos no âmbito da operação “Fora de Jogo”, que ditou buscas às SAD do Benfica, Porto e Sporting, entre outras. Entre eles estão “jogadores de futebol, agentes ou intermediários, advogados e dirigentes desportivos”, revelou o Ministério Público (MP). “Em causa estão suspeitas da prática de factos suscetíveis de integrarem crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais“, refere o comunicado.
Neste momento, são investigações, não são acusações nem condenações. Mas quem é que está disponível a pôr as mãos no fogo por uma indústria que dá de si mesmo os exemplos que esta dá? Haverá suspeitas como estas em outras indústrias, sim, mas qual é a indústria que vive um tão generalizado ambiente de suspeitas, que se acumulam e parecem não ter nunca conclusão? Qual é o setor que parece (ou é mesmo) um Estado dentro do Estado? Cumplicidades de negócios, conflitos de interesses entre acionistas e dirigentes, “family gate” entre dirigentes e agentes, e o encolher de ombros ou, pior, uma certa ignorância informada.
A cada processo judicial, há um clamor geral seguido de um pedido de reflexão por parte dos líderes desta indústria. Para proteger um setor muito importante, competitivo e que movimenta milhões, diz-se. Já não é tão competitivo como se diz, como é bom de ver, e movimenta milhões, sim, mas à margem dos circuitos, em offshores, e no limite da legalidade, ou para lá dela. E nos dias que correm, já nem se pode dizer que o futebol dentro das quatro linhas está protegido do que se passa nos bastidores.
Chegados aqui, é no mínimo ingénuo continuar a pedir aos que se movimentam nesta indústria, aos que fizeram dela o que ela é hoje, para mudarem de práticas, de princípios e de valores. Isso não vai acontecer. E o público que paga o futebol nas suas várias dimensões ainda está longe de estar preparada para pôr o futebol em quarentena, Protesta, insulta, mas continua a pagar a sua quota parte, a assistir aos jogos, a comprar os passes de acesso aos estádios, a consumir as marcas de futebol que estão associadas a este setor.
Quem é que pode, e deve, tomar ações concretas para pressionar uma mudança? As marcas que investem milhões neste setor. São elas quem tem o poder de voltar a pôr o futebol em jogo se deixarem de investir num setor que está doente. São as marcas que têm o poder de dizer “não”, que têm a obrigação de se afastar de uma indústria que tem tudo menos o que estas empresas dizem defender em todos os seus códigos e comissões de ética, nos compromissos de finanças sustentáveis, nos princípios.
As principais marcas portuguesas associam-se ao futebol porque consideram que sem esta exposição vão perder negócio, tal é a força desta indústria. Ninguém imagina a Altice a deixar de investir no futebol se a Nos não fizer o mesmo, e vice-versa. Assistiu-se, há anos, ao contrário, à destruição de valor pela concorrência irracional na compra de direitos desportivos que, simplesmente, não têm retorno possível. As duas operadoras investiram mais de 1,3 mil milhões de euros nos “três grandes” em direitos televisivos e publicidade. Ou a Superbock e a Sagres, para dar outro exemplo. Qual vai ser a marca a mostrar o primeiro cartão vermelho, sem direito, sequer, a VAR?
Em algum momento, as marcas que investem no futebol vão ter de tomar decisões, e se não o fizerem serão também apanhados por esta enxurrada. Mas não só: Se não o fizerem em tempo devido, não conseguirão sair na 25ª hora como se nunca por lá estivessem estado, cumplices deste jogo sujo.
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