Não são só as suas férias que estão à espera. É 10% do PIB mundial

Filipe Santos Costa assina a nova newsletter de fim de semana do ECO. "Novo normal", a análise de um tema destes dias, a leitura dos jornais de hoje e o que fica das opiniões televisivas de ontem.

Viva!

Nada melhor para começar um trabalho novo – esta newsletter que poderá ler no ECO semanalmente aos sábados – do que falar sobre… férias.

Se as suas férias não foram consumidas pela paragem forçada, e tem folga financeira para isso, está só à espera para ver o que acontece, certo? Não é o único. Está acompanhado por muitos milhões que também esperam pela reabertura global da indústria de viagens e turismo – tanto do ponto de vista do utilizador como do fornecedor. Vejamos assim: segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), em 2019 houve 1,5 mil milhões de pessoas a fazer turismo. Para 2020 previa-se uma subida de 3% a 4%. Por outro lado, de acordo com esta organização, um em cada dez trabalhadores no mundo têm um emprego direta ou indiretamente relacionado com o setor de viagens e turismo (contas por alto, são uns 760 milhões de almas). E só em Portugal mais de 336 mil pessoas trabalhavam no turismo em 2019, e a esmagadora maioria está agora em layoff, na dúvida sobre se o seu emprego ainda existe.

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Como vê, está bem acompanhado na incerteza sobre as suas férias em particular, e o futuro das viagens e do turismo em geral.

  • Estamos a falar de um setor que em 2019 representou, diretamente, 3,3% do PIB mundial e, indiretamente, 10,4%. Por cá, vale (valia…) 8,4% do PIB português e 20% das exportações. Num contexto em que todos os países, sem excepção, proibiram ou restringiram fortemente a mobilidade, viagens aéreas e deslocações internacionais, a previsão inicial de 20% a 30% de queda mundial do turismo depressa foi substituída por um novo cenário, divulgado esta semana, apontando para uma quebra do negócio que pode chegar aos 80%.
  • A descida global no primeiro trimestre de 2020 foi já de 22%. Traduzindo: perderam-se nesse trimestre 67 milhões de chegadas internacionais e 80 mil milhões de dólares em receitas (ainda não há dados do primeiro trimestre para Portugal, mas em janeiro e fevereiro estávamos a subir em todos os indicadores). O pior cenário em consideração diz que globalmente estarão em risco 100 a 120 milhões de empregos diretos do setor do turismo, e muitas mais vítimas indiretas.

Portugal: o tombo anunciado

No caso de Portugal, o peso económico que o turismo ganhou nos últimos anos torna ainda mais decisivas as questões sobre como e quando este setor poderá retomar alguma normalidade. Ao contrário da última recessão, não sairemos desta puxados pelo crescimento do turismo, que há uns anos aproveitou bem a conjuntura mundial, a emergência da nova economia do turismo (low-cost, novas propostas e plataformas de alojamento, etc) e a descoberta do destino Portugal para o boom que continuou até há dois meses. Pelo contrário, desta vez o turismo não será a locomotiva, mas provavelmente estará na última carruagem do comboio da retoma.

Na entrevista que fiz esta semana para o podcast “Política com Palavra” ao ministro da Economia, Pedro Siza Vieira (pode ouvir aqui ou aqui), o governante admite que “o turismo vai demorar tempo a recuperar os níveis” dos últimos anos, será uma retoma mais lenta do que noutras áreas, e por essa razão admite que o apoio do Estado possa ser mais generoso, e prolongado, no caso deste setor, mas de forma cirúrgica.

Apesar do investimento do Estado em programas de apoio de emergência, os apoios públicos nunca chegam – um drama que não é exclusivo nosso. Nos EUA, estando sobre a mesa um pacote de ajuda de 2 biliões de dólares, o dinheiro não chega a todos e o prazo das ajudas é uma das preocupações para o turismo, que já pediu que os pacotes previstos até 30 de junho sejam “prolongados até ao final do ano, ou mesmo mais do que isso”.

Siza Vieira admite isso por cá, mas avisa que não vale a pena os empresários terem a tentação de parar à sombra de apoios públicos:

“Há coisas que têm de ser preservadas, e outras que não faz sentido manter fechadas, com recursos humanos em casa durante um ano“.

Hotelaria, restauração e outras atividades relacionadas com o turismo terão de reabrir a par com o regresso da procura, e estimulá-la. A primeira boia de salvação em todos os países será o mercado interno. Em Portugal também. O mercado externo (à excepção de Espanha) dependerá essencialmente do que se passar na aviação.

Basta olhar para os números de 2019 para perceber o tombo que aí vem: os turistas portugueses representaram no ano passado apenas 35% do negócio do turismo em Portugal, e é garantido que muitos desses não o poderão fazer este ano, seja por estarem desempregados, seja porque perderam rendimentos mesmo mantendo o emprego. Em países de grande dimensão (como, por exemplo, na China, conforme se lê aqui) o turismo interno é suficiente para ser a alavanca da recuperação. Não em Portugal.

Achatar a reta da queda livre

Para usar uma imagem que se tornou familiar, também no turismo há uma curva que tem de ser achatada. Neste caso, a curva do declínio do turismo e da aviação é mais uma reta, em queda livre, e só recuperará de forma significativa quando os aviões voltarem a povoar os céus. Para isso é preciso, antes de mais, a abertura generalizada de fronteiras. É esse o factor determinante para os cálculos da OMT sobre a quebra do turismo mundial – o melhor cenário (-58%) corresponde à reabertura gradual de fronteiras a partir de julho, o pior (-78%) a partir de dezembro.

Ontem, a Comissão Europeia disse aos 27 que prolonguem até 15 de junho a interdição de entradas “não indispensáveis” na UE. Ou seja, no que depende da Europa, ainda será viável o cenário mais otimista. Entretanto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros lembrou ontem que este calendário não impede os emigrantes portugueses radicados na Europa de visitar a terra que os viu nascer, pois o espaço aéreo dentro de UE continua aberto.

Ninguém sabe ainda como será o novo normal da aviação, mas, como previa esta semana o editor da secção de viagens do FT, “voar quase de certeza vai tornar-se mais difícil, desagradável e caro”, com menos companhias a operar com menos voos e medidas de distanciamento social. A Comissão Europeia ainda não decidiu as novas regras, mas possivelmente será necessário deixar assentos vagos, o que reduz as receitas, redobrar os cuidados de higiene e limpeza, o que aumenta os custos, e usar máscara, o que coloca problemas de segurança (e quem quer viajar sentindo-se inseguro?). O diretor executivo da Airbus, Guillaume Faury, avisou esta semana que pode demorar “três a cinco anos” até os passageiros quererem voltar a voar como antes da crise. Warren Bufett, por seu lado, desfez-se de todas as posições que detinha nas quatro maiores companhias aéreas dos EUA porque não acredita no futuro do negócio da aviação:

“Não sei se daqui a dois ou três anos tantas pessoas vão voar tantas milhas quanto as que voaram no ano passado.”

E há a pergunta de vários milhões de dólares: como assegurar o distanciamento social e todas as novas regras nos aviões e ter uma operação lucrativa? Não há fórmula mágica, mas o New York Times responde a essa e a mais uma série de perguntas neste trabalho de fundo de leitura muito recomendada.

Haverá todo um mundo de novas regras. Aeroportos e terminais de embarque terão de acolher novos procedimentos de saúde, como medição de temperatura e outros testes à partida e à chegada, que tornarão tudo mais demorado e a experiência de viajar de avião menos atraente. A Emirates já introduziu a obrigatoriedade de testes de sangue antes do embarque.

A previsão do editor do FT é que as viagens de avião cairão, trocadas por trajetos de automóvel, comboio ou barco para destinos mais próximos. Por seu lado, o CEO do Booking.com, Glenn Fogel, aposta que as mudanças não serão radicais, mas já nota algumas tendências de novos comportamentos, como mais apetência por alojamentos alternativos aos hotéis, e preferência por estadias mais prolongadas, mas em destinos domésticos ou mais próximos. A revista The Economist pode ter acertado ao vaticinar que “a indústria de viagens vai tornar-se local”.

Mais local, mais digital, mais sustentável

Se for assim, Portugal terá de reajustar o tiro, pois, embora os principais mercados emissores de turistas para o nosso país continuem a ser europeus (Reino Unido, Alemanha, Espanha e França), a grande aposta nos últimos anos foi a diversificação, para captar turistas de fora da Europa, nomeadamente do Brasil, EUA e Ásia. A pandemia obrigará o país a recentrar-se na Europa, mas Siza Vieira mostra-se confiante.

“Neste momento estou um pouco mais otimista do que há três ou quatro semanas. Há uma enorme apetência dos mercados europeus pelo destino Portugal já para este ano”.

Como no velho chavão, a teoria do Governo e do Turismo de Portugal é que esta crise traz mesmo uma oportunidade.

“Estou convencido de que a médio prazo Portugal vai ser um destino turístico ainda mais valorizado do que foi nos últimos anos”, diz o ministro da Economia, confiante na combinação de “boa promoção e boa capacidade de captação de operações aéreas, e aproveitando a imagem muito positiva que Portugal projetou nestas últimas semanas” face à pandemia. Se a segurança já era um ponto a favor de Portugal na promoção externa, agora ainda o poderá ser mais, sobretudo em comparação com gigantes europeus do turismo como França, Itália e Espanha.

Por outro lado, outros argumentos com que Portugal se estava a destacar como destino mundial são hoje uma incógnita. Os grandes festivais de verão, que este ano estão cancelados (mais ou menos) alguma vez voltarão a ser o íman de turistas que foram nos últimos anos? E o que acontecerá ao gigantesco negócio de feiras, conferências, congressos e eventos corporativos? A experiência ao vivo passará à história, substituída por webinars e outros recursos de teleconferência? Aqui tem um bom trabalho focado no impacto do Covid-19 nos congressos de medicina, e aqui sobre os tech events (o que acontecerá à Websummit?).

Apesar da incerteza há mais quem olhe para a situação da indústria do turismo com relativo otimismo. Antes de mais, há uma longa história sobre a resiliência deste negócio. E há oportunidades, elencadas pela OMT, para repensar o modelo de negócio, apostar na inovação e digitalização do serviço, novo fôlego a abordagens orientadas para a sustentabilidade, beneficiando os segmentos mais orientados para essa preocupação (como turismo rural, agro-turismo, eno-turismo, turismo de natureza ou de saúde).

Uma coisa é certa: depois do confinamento, a vontade de viajar não desapareceu. Num inquérito do Skift, um terço dos norte-americano diz que espera voltar a viajar em breve, mal a pandemia esteja contida. Outro estudo, da Sojern, indica que as pesquisas online para voos no verão colapsaram globalmente, mas não diminuíram as pesquisas de voos lá mais para o final do ano. Foi o seu caso?

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