A solidez de uma economia revela-se em situações de crise. Portugal tinha uma estrutura muito frágil em 2008, como o tem agora.
O programa de recuperação da economia apresentado pelo PSD consiste numa visão de médio prazo, para os próximos 2-3 anos, das medidas que devem ser tomadas pelo governo em áreas como a capitalização das empresas, o sistema fiscal, a formação profissional, o apoio a diferentes setores, como o turismo, a agricultura e as pescas.
Mas este texto que agora aqui se reproduz consiste na análise da economia Portuguesa pré-crise do covid-19. A crise pandémica da Covid-19 teve um impacto significativo na economia Portuguesa, bem como a nível mundial e Europeu. Os cenários de diferentes entidades (CFP, OCDE, BdP) apontam para quebras do PIB em torno dos 10% em 2020 e uma recuperação longa e difícil.
Mas esta crise não deve servir para ignorar os problemas graves de competitividade que a economia Portuguesa tinha antes de março de 2020.
Podemos dizer que a economia nacional em fevereiro de 2020 tinha os problemas estruturais que o PSD identificou no seu programa eleitoral: baixa competitividade, baixa produtividade dos fatores trabalho, capital e do total productivity factor, bem como baixo nível de investimento, elevados níveis de endividamento das empresas (juntamente com o Estado e as famílias).
A economia Portuguesa desde 2000 que praticamente estagnou. Tem crescido a uma média de 0.5% ao ano em termos reais. Passou por quatro recessões (2001-2002; 2004; 2008-2009 e 2011-2013). Em termos reais, o PIB per capita subiu, entre 1999 e 2019, cerca de 8% apenas, um valor inferior à média dos países da União Europeia e muito inferior quando comparado com os países da União Europeia numa situação de desenvolvimento e competitividade económicos semelhantes a Portugal.
Desta forma, o texto que aqui reproduzimos procura reforçar esses problemas e estrangulamentos para que a resposta à crise não esqueça tais fatores e pelo contrário, os possa enfrentar e mitigar.
Portugal e o euro: Uma oportunidade perdida
A história da primeira década da economia portuguesa no novo século consiste na crónica da morta anunciada e lenta de um modelo de crescimento caduco, que transitou do século anterior, apesar de a nova ordem mundial ter sido profundamente alterada, primeiro, pela vaga de globalização que integrou todas os países outrora sob a esfera de influência soviética e que trouxe a China para o coração da economia global e, segundo, pela criação uma moeda comum na Europa que veio solidificar o Mercado Único e nivelar os custos de financiamento de todos os países do espaço do Euro pela bitola alemã.
Mas as enormes oportunidades emanadas da globalização foram pouco aproveitadas por Portugal, ao contrário do que lograram tantos outros países em estádios de desenvolvimento e níveis de rendimento semelhantes ou inferiores aos nossos. E nem a adesão à União Económica Monetária e o concomitante acesso em condições extremamente vantajosas aos mercados de capitais foi suficiente para que o país investisse na remodernização do seu aparelho produtivo, que com a passagem do tempo foi perdendo competitividade e autonomia e se desenvolvendo numa lógica clientelar em torno de um Estado omnipresente.
Na verdade, durante a década inaugural do milénio, a única mudança que Portugal operou no seu modelo de desenvolvimento foi substituir a alavanca dos baixos custos laborais, tornada anacrónica pelos reduzidos salários das economias do Leste Europeu, pelo paliativo das baixas taxas de juro que o Euro passou a possibilitar. Desse modo alienou-se a competitividade externa do setor transacionável por troca de uma pretensa capacidade ilimitada de dinamização do setor não-transacionável suportada na acumulação incessante de dívida. A inevitável perda do potencial da economia portuguesa é ilustrada de forma inequívoca pela trajetória descendente da medida de PIB potencial[1] da figura 1[2].
A opção pelo caminho fácil haveria, inevitavelmente, de se revelar fatal. A estratégia de produzir pouco e consumir muito saldou-se em desequilíbrios macroeconómicos insanáveis, incluindo défices crónicos nas vertentes externa e orçamental, que se foram acumulando em montanhas de endividamento tornadas impossíveis de suportar pelos baixos níveis de produtividade inerentes à estratégia prosseguida. Estavam, assim, criadas as condições para que a economia portuguesa implodisse à mínima perturbação das suas frágeis bases. Tal perturbação chegou com estrondo e sem aviso, sob a forma de uma crise do setor financeiro global em 2008. A partir daí a obsolescência do modelo de crescimento português ficou inapelavelmente exposta.
A crise do subprime dos EUA atingiu a Europa de modo muito peculiar e sob a forma de aviso. Com efeito, a ideia de que os investidores poderiam cometer erros grosseiros de avaliação de risco, o que claramente aconteceu com os produtos tóxicos de dívida alavancados sobre o segmento mais baixo do mercado imobiliário norte-americano (subprime), alertou para a possibilidade de que a prática de equivaler o risco da chamada periferia da área do euro ao de países como Alemanha ou Holanda, poderia constituir um inaceitável distorção da realidade.
No caso de Portugal, a situação de progressão exponencial da dívida pública e privada e de endividamento externo líquido superior a 100% do PIB[3] constituía um quadro de elevada perigosidade. O que se seguiu foi uma implosão sob a forma de crise de balança de pagamentos, pela qual os agentes económicos portugueses ficaram sem qualquer acesso a financiamento externo, sendo obrigados a conter a procura doméstica numa fronteira de possibilidades financeiras radicalmente encurtada pela severidade da crise, que só não ficou ainda mais limitada devido ao programa de assistência financeira a que Portugal teve que se submeter em 2011.
O resultado de tudo isto foi um desempenho macroeconómico medíocre, consubstanciado numa taxa de crescimento médio do PIB real abaixo dos 0.5% ao ano entre 2000 e 2013. O retrato da economia neste período está bem patente na figura 3, a qual ilustra o mais básico preceito da macroeconomia: um país que ao invés de reforçar a sua capacidade produtiva desinveste e que consome mais do que aquilo que produz está condenado a crescer pouco e endividar-se muito. A este respeito refira-se que Portugal conseguiu algo, que não sendo feito inédito, não deixa de ser incomum: ter uma enorme recessão sem ter tido uma expansão que a precedesse.
A consequência social foi brutal e manifestou-se sob a forma de violenta destruição de emprego, a qual, no entanto, se limitou a acompanhar a evolução negativa da atividade, como documenta a figura 4. A severidade da recessão empurrou a taxa de desemprego para uns inéditos 17,5%, no primeiro trimestre de 2013.
O “milagre” macroeconómico português
A crise de 2011-2013 veio por cobro à situação económica em que Portugal tinha incorrido e, simultaneamente, promover uma reestruturação do aparelho produtivo nacional, a qual se processou ao longo de três vetores essenciais. O primeiro foi o esforço levado a cabo pelas empresas no sentido de racionalização das suas estruturas para, assim, aumentar a eficiência. O segundo foi a internacionalização: a conjuntura extremamente adversa no plano doméstico levou a que muitas empresas reorientassem a sua oferta para os mercados externos. O terceiro foi a explosão do empreendedorismo, revelada na transformação de muitos portugueses que viram a suas vidas devastadas pela chaga do desemprego em pequenos empreendedores, tipicamente nas áreas dos serviços ligados ao turismo, dessa forma contribuindo para o crescimento de um dos mais dinâmicos setores exportadores da economia nacional.
A reestruturação e internacionalização do tecido empresarial produziram uma onda exportadora que se revelou crucial no relançamento da retoma. Acresce que perante a explosão do desemprego e das insolvências empresariais, bem como a perda de capacidade de endividamento dos agentes económicos, a procura interna afundou, conduzindo a um colapso das importações. Destas duas tendências – recuperação das exportações e queda das importações – resultou um “milagre” macroeconómico, que foi a metamorfose de um défice da balança de bens e serviços superior a 9% do PIB real num superavit em pouco mais de dois anos (figura 5). Isto sem qualquer possibilidade de operar uma desvalorização cambial, que é o principal instrumento promotor das recuperações económicas na sequência de uma crise de balança de pagamentos, que foi o que Portugal sofreu.
A fase de recuperação seguiu a dinâmica tipicamente observada após uma crise de balança de pagamentos, com o arranque das exportações à cabeça, como mostra a figura 6. A este propósito atente-se na evolução desfavorável e preocupante do investimento (excluindo a construção) em 2019.
Não obstante o crescimento sustentado dos últimos anos, a economia portuguesa revela uma fragilidade estrutural que em muito limita o seu potencial de expansão e que consiste na fraca progressão da produtividade do trabalho, a qual desde o início do século nunca ultrapassou a fasquia de 70% da média da União Europeia (gráfico 7). Este fenómeno é o sintoma de que em Portugal existe uma enorme falta de densidade de capital físico e humano, que os níveis de inovação são modestos e que as empresas portuguesas têm uma fraca inserção nas cadeias de valor internacional.
É certo que depois da crise Portugal voltou a crescer, como é certo que desde 2014 o ritmo médio de expansão do PIB português (2,2%) excedeu o verificado na União Europeia (2,0%). Porém, tal facto está longe de ter sido uma grande façanha, já que, neste período, dezoito países da UE cresceram mais do que Portugal[4].
Tudo isto é muito pouco para uma economia que esteve estagnada década e meia e que, mesmo durante a sua melhor fase de crescimento, foi sistematicamente ultrapassada por países que ainda há pouco tempo tinham níveis de rendimento muito abaixo dos nossos.
A Portugal falta ambição na vertente económica. Uma ambição que possibilite maiores níveis de produtividade e competitividade, que permita incrementar de forma sustentada o emprego e os salários, que permita aliviar o garrote financeiro que resultou de anos a fio de endividamento excessivo, enfim, que permita criar prosperidade duradoura para o povo português. Para o atingir não é necessário alterar nada de essencial do nosso modo de vida. Não é necessário dispensar a solidariedade ou diluir o estado social. Basta, tão só, acertar algumas agulhas, o que na verdade corresponde a libertar e desonerar as forças produtivas nas áreas em que os mercados são eficientes e intensificar a intervenção do estado onde o não são.
A Inusitada Chegada do Novo Coronavírus
Eis que quando tudo parecia estar a correr mais favoravelmente, surge a pandemia da Covid-19.
A lição da década meia perdida não foi aprendida. O regresso ao crescimento da economia, do emprego e dos salários não foi aproveitado para forjar as urgentes reformas de que o país ainda precisava de realizar. Ao invés, algumas das reformas mais importantes implementadas no período de vigência do programa de assistência económica e financeira (2011-2014) foram posteriormente revertidas e mesmo a grande conquista recente de consolidação das finanças públicas é débil e insustentável porque assente numa evolução cíclica muito favorável (crescimento económico, redução da despesa com juros e dividendos do Banco de Portugal), numa carga fiscal em máximos históricos e num investimento público em mínimos de sempre, bem como em expedientes temporários que não podem ser prolongados pelo efeito nefasto que têm sobre a qualidade dos serviços públicos.
A expansão da atividade não gerou qualquer ganho de produtividade. A economia tornou-se muito dependente do turismo e do imobiliário, bem como de uma única fábrica de automóveis para exportação, colocando Portugal numa situação de extrema vulnerabilidade no quadro global da pandemia em que vivemos.
Naturalmente que ninguém poderia adivinhar a chegada do novo Coronavírus, assim como só poucos anteciparam a choque do subprime. Mas a solidez de uma economia revela-se em situações de crise. Portugal tinha uma estrutura muito frágil em 2008, como o tem agora. Não fora a atuação do BCE e, Portugal estaria de novo com uma crise de acesso ao financiamento.
[1] A medida do PIB potencial utilizada foi calculada através de uma média móvel exponencialmente alisada.
[2] Os dados estatísticos utilizados em todos os gráficos provêm do Pordata.
[3] A posição de investimento líquida de Portugal era de 104% do PIB em 2010, ou seja o ano anterior ao pedido de assistência financeiro do governo português.
[4] A taxa de crescimento média do PIB da UE entre 2014 e 2019 foi muito influenciada pela fraca prestação de algumas das maiores economias europeias, o que faz com que a maioria dos países tenha crescido mais do que a média da União.
Nota: Este texto incorporou o documento do Conselho Estratégico Nacional do PSD intitulado “Programa de recuperação económica do PSD” apresentado no passado dia 4 de junho. O programa que então apresentámos encontra-se disponível aqui.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
A economia Portuguesa pré-coronavírus
{{ noCommentsLabel }}