Insurance Europe e fintechs europeias elegem prioridades para seguros digitais na UE
Dois anos depois do Plano de Ação de Bruxelas para a era digital no setor de banca e seguros, todos concordam com estratégia amiga da inovação e igualdade no acesso ao mercado. Mas há nuances.
A Insurance Europe, entidade que representa a esmagadora maioria da indústria europeia de seguros, divulgou um paper contendo a resposta à consulta pública lançada pela Comissão Europeia para construção da estratégia da União Europeia nos serviços financeiros digitais. Segundo a patronal europeia de seguros (que integra a portuguesa APS), “o quadro regulamentar e de supervisão da UE em matéria de seguros deve propiciar a inovação e permitir que consumidores, empresas estabelecidas e novos operadores no mercado possam beneficiar das oportunidades que a digitalização oferece. Atualmente não é este o caso. Ainda existem barreiras regulamentares à oferta de seguros aos consumidores online: por exemplo, o excesso de documentação em papel decorrente da Diretiva de Distribuição de Seguros (IDD),” reconhece a entidade.
Estas questões, entre outras, “travam a inovação e a prestação de serviços digitais, que os consumidores já esperam que estejam disponíveis e fáceis de utilizar. Quanto mais detalhados forem os requisitos regulamentares, mais difícil se torna para o setor financeiro inovar”. A legislação, regras ou orientações relativas aos serviços financeiros “devem, no futuro, ser favoráveis à inovação e ao digital, tecnologicamente neutra e suficientemente à prova para estar apta para a era digital e encorajar a inovação digital. Em vez de introduzir automaticamente nova regulamentação para a era digital, os decisores políticos devem rever a forma como se podem aplicar as regras existentes adaptando-as para responder aos desenvolvimentos digitais sem incorrer em grandes alterações regulamentares”, sugere a Insurance Europe no seu contributo para a construção da estratégia que Bruxelas prevê aprontar até final de setembro de 2020 para a União Europeia.
O objetivo de criação de um mercado único digital de serviços financeiros partilha da complexidade e lentidão comuns a outras áreas em que o movimento de integração europeia tem apostado. O esforço institucional para a inovação dos serviços financeiros começou a ganhar visibilidade com o Plano de Ação para o setor FinTech, lançado em 2018 pela Direção-geral de Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e União dos Mercados de Capitais (Fisma), sob liderança de Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia (CE).
No final de 2019, depois de mais de um ano de trabalho de um grupo de peritos (ROFIEG) lançado pela CE, foi apresentado relatório final com 30 recomendações para a remoção dos obstáculos regulatórios que se colocam à inovação financeira na Europa. No desenvolvimento do mesmo trabalho e já sob contexto da crise pandémica, Bruxelas lançou em abril uma consulta pública (encerrada no final de junho) com o objetivo de recolher contributos que ajudem a elaborar uma estratégia a cinco anos. Como referido, depois de recolhidas as perspetivas dos interessados, o plano estratégico será redigido e apresentado até final do terceiro trimestre.
“A crise do coronavírus mostrou o quanto dependemos da tecnologia e dos serviços financeiros digitais para a nossa vida quotidiana, inclusive para pagar remotamente bens e serviços essenciais. Se a Europa quiser colher os benefícios dos serviços financeiros inovadores ao longo dos próximos anos e tornar-se um pioneiro neste campo, precisamos de encontrar o equilíbrio certo entre a promoção da inovação e a gestão adequada dos riscos para consumidores e investidores. As consultas de hoje vão ajudar-nos a atingir esse equilíbrio”, afirmou Dombrovsky quando, em abril, a CE lançou duas consultas públicas (esta relativa aos serviços financeiros digitais e outra sobre sistemas de pagamento no retalho).
Ora, confrontando os dois contributos à consulta pública encerrada no final de junho, observa-se que a federação europeia de seguros alinha com as associações europeias de empreendedores do setor quando pede a criação de um quadro normativo que assegure condições de igualdade no acesso ao mercado de serviços financeiros. A criação de um level playing field é, segundo expressão recorrente nos documentos dirigidos à Comissão Europeia, a questão central. Mas é também na visão que têm sobre o que se passa no ‘recinto de jogo’ que surgem as cambiantes de posição e as partes parecem divergir sobre a “questão-chave”.
Pois, além do excesso de burocracia e dos obstáculos regulamentares, sobre cuja existência e necessidade de remover também se discute publicamente, como acontece com o RGPD, a emergência da crise pandémica tornou mais evidente a vulnerabilidade, mas também a flexibilidade de resposta à distância e capacidade empreendedora do ecossistema de inovação. No contexto da crise sanitária instalada, a plataforma Talent Route reuniu de urgência hubs europeus de nove países (representando cerca de 3 000 startups do setor) para avaliar o impacto da pandemia e partilhar experiências que servissem o todo o ecossistema financeiro. Na ocasião, Marco Nigris, diretor-geral da Fintech House, em Lisboa, apresentou uma lista de 40 startups prontas a criar uma “ponte rápida” com os operadores estabelecidos (incumbentes), que também enfrentam muitos desafios e necessitam de soluções rápidas e de qualidade. A proposta constitui «um ganho mútuo para ambas as partes”, disse.
Mas, a falta de igualdade de condições de concorrência e de acesso ao mercado é “questão-chave” para a Insurance Europe. Os novos prestadores de serviços financeiros que entram no mercado “enfrentam frequentemente requisitos regulamentares menos rigorosos do que as empresas de serviços financeiros tradicionais”, observa a entidade industrial no paper de resposta à consulta de Bruxelas. Ainda, para a federação europeia de seguros, torna-se “crucial respeitar o princípio de mesmas atividades, mesmos riscos, mesmas regras” a fim de ter um campo de ação verdadeiramente equitativo.
Neste objetivo de um “nivelamento” do terreno de jogo, a Insurance Europe converge, pelo menos na forma, com o que defendem 15 associações europeias, entre as quais a Portugal Fintech, em carta enviada a Bruxelas, a 15 de maio.
Comentando o conteúdo da missiva dirigida ao comissário e vice-presidente Dombrovskis, fonte da associação portuguesa de fintechs disse a ECO Seguros que o ponto central ao nível do level playing field visa a elaboração de normas europeias “que não permitam arbitragem regulatória”. Na mudança estrutural que se exige, o padrão deve ser afinado por critérios “mais innovation friendly e não os mais restritivos”. Exemplos concretos de obstáculos que as startups do setor enfrentam em Portugal “são os processos e timings de resposta na atribuição de licenças, incluindo as de seguros, mediadores e MGA”.
As fintech europeias pedem também à Comissão Europeia “regulação alisada” (por exemplo, na abertura de conta digital, licenças que gravitam a Diretiva europeia de pagamentos, iniciação de pagamentos e informação de contas (DSP2; PISP e AISP), melhoramento do regime fiscal e dos incentivos (como o Sifide) e apoios de fundos. As diferenças “foram gritantes na resposta ao Covid,” rematou a non-profit portuguesa do ecossistema fintech.
Por isso, as posições de uma e outra parte parecem divergir em substância e na experiência concreta de cada um dos participantes na consulta europeia.
Enquanto pedem nivelamento ou harmonização das condições de acesso ao mercado, as fintech europeias anseiam também pela revisão regulamentar e adaptação do regime de apoio financeiro (estatal e ao nível da UE) que, no atual contexto de crise, permita impulsionar o desenvolvimento do ecossistema. Este último aspeto (apoios fiscais e fundos) mereceu resposta genérica por parte de Bruxelas, a 29 de junho, com a terceira alteração do Quadro Temporário (desenhado para a pandemia) relativo aos auxílios estatais, através da qual a CE alarga os apoios de Estado a micro e pequenas empresas “em fase de arranque” (leia-se startups) e que enfrentam necessidades de capital.
Por seu lado, a Insurance Europe defende também que a promoção de um setor financeiro baseado em grandes dados “é um objetivo importante e valioso”. Melhorar a legislação sobre acesso, processamento e intercâmbio de big data “é muito relevante” para promover a inovação e a concorrência.
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