Seguros de crédito: Esperava-se mais do Governo
Pedro Pinheiro, especialista em seguros de crédito e caução, chama a atenção para a oportunidade de incrementar a utilização dos seguros de crédito para apoiar a retoma pós-Covid-19.
Esperar o melhor e prepararmo-nos para o pior é uma boa forma de pensar os negócios. Com o risco de não pagamento a aumentar exponencialmente com a atual conjuntura os decisores passaram a ter uma abordagem mais prudente quando lidam com atuais e novos compradores.
Enquanto a maior parte das apólices de seguro entram em vigor e apenas são revistas pelas seguradoras quando existe um sinistro ou na sua renovação, o seguro de crédito requer uma constante monitorização do risco de recebimento face à evolução das empresas, do setor de atividade, da conjuntura e de outros fatores externos.
O seguro de crédito é uma rede de segurança para as empresas quando transacionam com os seus clientes.
A conta de clientes continua a ser um dos maiores ativos das empresas e não tem a importância que deveria ter na gestão de risco das mesmas. O seguro de crédito poderá ser um produto que muda as regras do jogo, sobretudo para as PMEs. Segundo dados da Pordata, em 2018, 96,17% (1.244.495) das PMEs eram microempresas, empresas que empregam menos de 10 trabalhadores e que faturam menos de 2M€. O golpe que um incobrável pode dar numa empresa desta dimensão é quase uma sentença de descontinuidade da empresa, e mesmo assim, continuamos a ter um universo de apenas 3.500 a 4.000 Apólices ativas e um volume de Prémios anuais que desde há alguns anos ronda os 60 milhões a 65 milhões de euros por ano, com pequenas oscilações. A subscrição de uma apólice de seguro de crédito deveria fazer parte das boas práticas de gestão em Portugal e não seria escandaloso o governo conceder algum tipo de benefício fiscal às empresas que subscrevessem este produto.
Além de proteger as empresas contra o risco de não pagamento por parte dos clientes, o seguro de crédito atua como uma terceira parte que dá uma visão descomprometida da solvabilidade do cliente. Mesmo as empresas com uma dimensão que permite ter uma equipa de gestão de crédito beneficiam com uma terceira parte, especialista, que permita explicar os riscos inerentes à venda e dotar as empresas de tomar decisões informadas quanto à mesma.
As entidades que financiam as empresas, também tendem a valorizar a cobertura do risco do crédito, sendo que em alguns casos é condição essencial (Factoring sem recurso). Os bancos e as empresas de Factoring continuam a valorizar o Seguro de Crédito na altura de financiar ou efetuar adiantamentos.
A avaliação do risco de crédito das empresas é feita com modelos preditivos que têm na sua base a análise dos dados financeiros das empresas, mas também, todas as informações que hoje em dia estão com disponíveis de uma forma mais acessível e rápida no mercado, falo de processos judiciais, informações sobre os sócios e outros projetos, e, muito importante, a própria experiência de pagamentos que o cliente tem com o tomador de seguro e que hoje em dia é partilhada quase automaticamente com a Seguradora através dos acessos online.
Principais benefícios do seguro de crédito
– Preservação dos lucros – em média a conta de clientes representa cerca de 40% do ativo das empresas. Uma provisão decorrente de um incobrável não vai repor o dinheiro na empresa, mas um sinistro pago pela Seguradora de Crédito vai.
– Proteger a liquidez e o cash flow – além da perda de um cliente, existe um efeito imediato nos cash flows esperados. Um incobrável num grande cliente pode levar à quebra da empresa ou a custos adicionais inesperados. A proteção do seguro de crédito, tratará de injetar liquidez na empresa através da indemnização.
– Confiança para crescer – as empresas poderão arriscar um pouco mais em clientes que desconheciam ou em quem não confiavam tanto, desde que tenham a garantia do seguro de crédito. Em termos comerciais poderão também ser mais agressivos, tentando aumentar garantias e oferecendo condições de pagamento com prazos mais alargados.
– Reforçar a gestão de crédito – independentemente dos procedimentos que a empresa tenha em vigor no que concerne à gestão de crédito, poderá otimizar os mesmos através da ajuda da seguradora, quer no que diz respeito ao respeito pelos prazos contratualizados, quer relativamente à necessidade de trocarem informação constantemente, a empresa dando nota do comportamento dos devedores, a seguradora explicando as razões das suas decisões. Um benefício associado ao seguro de crédito e que é muito valorizado pelo mercado, é a cobrança das dívidas vencidas, quer relativamente à eficácia, quer no que diz respeito aos custos associados.
Quando as operações comerciais começarem a recuperar, os subscritores de seguros de crédito procurarão informações atualizadas sobre os devedores, reavaliando as empresas por forma a entender se elas podem sobreviver e por quanto tempo, devido à atividade reduzida. Eles estarão à frente da curva em termos de conhecimento e poderão escolher os vencedores e os perdedores, tentando impedir as empresas de adquirir uma dívida incobrável.
Ação tardia e demorada do Governo
Recentemente o Estado Português lançou as Linhas do Estado – Coberturas Adicionais OCDE 2020 no valor de 395 milhões de euros com garantia do Estado para as empresas exportadoras.
Estas linhas visam dinamizar a economia nacional através de um apoio às exportações para países da OCDE, minimizando os efeitos da crise financeira e económica internacional face à atual situação de pandemia, através do apoio do Estado às empresas que dispõem de uma apólice de Seguro de Créditos.
Esta linha de apoio pública representa uma cobertura adicional no risco de crédito comercial, permitindo aos segurados duplicar, com garantia do Estado, o valor das coberturas das vendas a crédito concedidas pela seguradora.
A tardia resposta do governo Português aos apelos das empresas e a forma e aplicação da linha têm sido alvo de protestos das organizações empresariais, das empresas e dos profissionais de seguro. Além de termos sido um dos últimos países a reagir, a linha apenas se aplica a clientes de mercado externo, deixando de fora o mercado interno e com isto todas as empresas que são fornecedoras das empresas que exportam ou alguns setores de atividade que vivem do mercado interno e que historicamente utilizam seguro de crédito. Adicionalmente a cobertura não permite ter garantia adicional para garantias “nulas”, situação que invalida ter garantias em muitos casos em que os clientes foram alvo de anulação recente por parte das Seguradoras, em alguns casos com encomendas firmes e em fase final de produção.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades e esperava-se mais do Governo nesta matéria.
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