Bruno Martinho é administrador da Accenture, promotora da conferência sobre a transformação digital, cibersegurança e o 5G, em parceria com a Câmara de Comércio americana em Portugal.
Bruno Martinho é managing director da Accenture Portugal, promotora da conferência virtual sobre transformação digital, cibersegurança e 5G que decorre esta quarta-feira (pode inscrever-se aqui). O responsável pela área de Technology Strategy & Advisory afirma, em entrevista por escrito ao ECO, que o impacto do 5G “será transversal a toda a economia. Desde a economia de “casa”, até às empresas e sociedade em geral”. Mas setores como a saúde, a educação, os serviços essenciais e a mobilidade estão entre os que vao beneficiar mais rapidamente das vantagens do 5G. E alerta para a necessidade de as empresas investirem em cibersegurança, um processo que está a decorrer de forma mais lenta do que os próprios ataques cibernéticos.
Porque é que o 5G é tão crítico para o desenvolvimento da nova era da indústria?
A transformação digital está na base da nova era da indústria, e nos últimos anos temos visto o acelerar da aplicação do digital à indústria e à economia no geral.
O desenvolvimento dos vários setores de atividade irá passar pela aplicação de novas tecnologias aos seus negócios atuais, permitindo chegar a novos consumidores e mercados, suportados por formas de comunicar e cadeias de abastecimento mais inteligentes e globais, mas também irá permitir transformar a forma como a indústria opera, permitindo novos níveis de eficiência e eficácia, e na forma como se relaciona em ecossistema com a sociedade e parceiros. Esta transformação digital também irá precipitar inovação e desenvolvimento de novas áreas de atividade permitindo diversificar e crescer em novos negócios e áreas de atividade.
Estamos, no entanto, a chegar a uma fase em que o próximo patamar de valor da transformação digital irá ser atingido pelo efeito combinatório de várias tecnologias digitais, num contexto mais próximo do real-time, com integração de informação proveniente de diferentes fontes (IoT), conseguindo gerir um verdadeiro data tsunami e com capacidade de processamento que permita obter informação com valor e que permita a tomada de decisão mais rápida e efetiva, com níveis crescentes de eficiência.
Neste novo contexto, surge o 5G como a alavanca tecnológica chave para conseguirmos atingir esta nova fase de transformação digital pelas suas características de baixa latência e fiabilidade (próximo real-time), maior capacidade de processamento (podendo ser distribuído), eficiente alocação de espetro e equipamentos de IoT mais baratos e mais eficientes no uso de energia, com redes baseadas em software, criando uma maior independência do hardware, com possibilidade de segmentar qualidade de serviço face aos diferentes casos de uso. O 5G será uma rede de redes que pode criar soluções de conectividade ágeis e personalizadas, adaptadas às diferentes necessidades dos consumidores, cidadãos, empresas e economia.
Será a diferença por exemplo entre fazer uma gestão de ativos preditiva, que já permite maior eficiência na manutenção, eficácia no investimento e maximização da produção, para um contexto prescritivo e ‘real-time’, permitindo níveis ainda maiores de captura de valor, ou p. ex. nos transportes e cadeias de abastecimento, de evoluir de forecast preditivo, para uma capacidade de gerir real-time mais e diferentes atividades permitindo níveis de serviço e eficiências superiores.
Portugal não vai ter já o 5G ‘standalone’. As velocidades não são ainda as ultrarrápidas que a tecnologia promete. Isso é um problema para os potenciais beneficiários, como as empresas, ou é um primeiro estado natural de lançamento da tecnologia?
O desenvolvimento das tecnologias, nomeadamente das tecnologias de comunicações, tem sido feito de forma progressiva. Por um lado, a inovação acontece de uma forma acelerada, por outro lado os investimentos associados a uma nova rede são enormes. O lançamento do 5G em toda a sua potencialidade, será, à semelhança das gerações anteriores, condicionado pela disponibilidade de tecnologia a um baixo custo, e só com a maturidade tecnológica e escala será possível, e também pelo interesse económico e valor a gerar para todos os stakeholders envolvidos.
No entanto, estamos certos, que caso exista uma aceleração da procura motivada pela aceleração da transformação digital, ou seja novos casos de uso que tornem visível o potencial de valor a gerar, que o lançamento de toda a potencialidade do 5G será mais acelerado, ou pelo menos feita de forma a suportar integralmente os novos casos de uso.
O 5G também tornará evidente novos ecossistemas e oportunidades digitais. Poderão também surgir outros atores que com os habituais possibilitem um lançamento do 5G com um ritmo mais acelerado.
Em que setores da economia o 5G pode ser mais disruptivo?
O impacto será transversal a toda a economia. Desde a economia de “casa”, até às empresas e sociedade em geral.
A realidade, com a atual pandemia, veio mostrar a relevância da digitalização. Segundo um estudo global da Accenture, o e-commerce cresceu 160% para utilizadores novos ou pouco frequentes, aumentaram em 37% as consultas médicas virtuais e 45% das entregas em casa. Segundo o mesmo estudo esta tendência será para se manter, solidificando-se pelo valor gerado e pela adoção já feita por cidadãos e empresas.
A conectividade em todo o lado e a qualquer hora, potenciada pelo 5G de uma forma mais real-time, mais fiável, com velocidades superiores e permitindo gerir e processar maiores volumes de informação, vai potenciar uma nova vaga de transformação digital, através de combinação de tecnologias tais como inteligência artificial, realidade aumentada, entre outras.
É esperado no entanto que a maior disrupção aconteça em setores em que para melhorar ou desenvolver novas áreas de valor tenham necessidades de comunicações muito rápidas (baixa latência), níveis de resiliência muito elevado, e para serviços de elevada criticidade, como a saúde (p. ex. consultas e cirurgias remotas), ensino (p. ex. utilização de tecnologias mais imersivas e colaborativas potenciadas por realidade virtual), suporte a serviços essenciais (p. ex. gestão da rede elétrica, cidade inteligente), e gestão da mobilidade, como é o caso dos veículos autónomos ou utilização de robots móveis em ambientes industriais.
Onde é que as empresas devem começar já a investir para aproveitar totalmente o potencial da próxima geração de rede móvel?
As empresas devem começar por entender a potencial disrupção tecnológica que o 5G vai trazer e avaliar como o seu negócio pode ser impactado e transformado. É a redefinição clara dos casos atuais de uso e a definição de novos casos de uso de negócio que vai potenciar a aceleração do 5G em todo o seu potencial. As novas oportunidades e casos de uso vão originar a procura, e a necessidade vai trazer a oferta.
As empresas podem esperar que o 5G lhes traga maior eficiência operacional e eficácia comercial, e que as ajude a otimizar e transformar os seus processos de negócio, podendo e devendo ser um catalisador para criar novas oportunidades de negócio.
Por exemplo, em grandes meios industriais, o 5G poderá trazer a digitalização em todo o perímetro industrial, e potenciar uma automação ‘end-to-end’ dos processos, desde a máquina produtora, até à empilhadora no armazém ou até ao veículo de entrega. A cidade inteligente, que se fala há muito tempo, poderá com o 5G efetivar os casos de uso que até agora têm dificuldade em arrancar, como a sensorização da iluminação publica, o controlo do trânsito (‘smart traffic’), a recolha de resíduos automática ou os transportes públicos autónomos. Todos estes casos de uso necessitam de uma ligação em tempo real com elevada disponibilidade, e capacidade de integração de vários equipamentos e fontes de dados.
As empresas que investirem na inovação tecnológica do seu negócio, para tirar partido das características do 5G, estarão na linha da frente da nova era digital.
O 5G vai ser disruptivo para os utilizadores comuns?
Os standards de desempenho do 5G são, nas suas várias dimensões de análise, múltiplas vezes superiores às tecnologias precedentes (e.g. 10 vezes menos latência, 20 vezes mais capacidade de ‘download/upload’, muito mais capacidade para suportar múltiplos dispositivos conectados).
Para os utilizadores comuns, esta “explosão” na capacidade da tecnologia permitirá suportar utilizações que hoje são ainda embrionárias, em áreas tão diversas como a comunicação de veículos autónomos entre si e com o meio envolvente (‘smart traffic’), maior digitalização e personalização na área da saúde (e.g. proliferação de ‘wearable devices’, comunicação ‘real-time’ de indicadores de saúde individuais para doentes crónicos), ou o crescimento de novos formatos de comunicação e entretenimento (e.g. realidade virtual/ realidade aumentada), entre outros
Adicionalmente, através de uma virtualização e “abstração” da rede física de telecomunicações, a resposta da tecnologia poderá ser customizada às diferentes necessidades, conjugar serviços críticos para empresas, com gaming ou acesso a redes sociais.
Alguns Estados-membros estão mais avançados do que outros. Não se arrisca aqui a ter uma Europa a duas ou muitas mais velocidades?
Antes de mais, importa destacar o compromisso da União Europeia com a democratização do acesso a conectividade 5G. Esse compromisso, materializado por exemplo no “5G Action Plan for Europe”, traduz-se em objetivos muito concretos e transversais aos Estados-membros (e.g. datas “referência” para leilões de espectro, disponibilização de serviços no mercado, etc.)
Naturalmente poderá haver assimetrias entre geografias – no entanto, o compromisso Europeu é um fator fundamental e que deverá permitir acelerar a implementação do 5G nos vários estados-membros, promovendo o acesso digital de uma forma generalizada a toda a população.
Se somarmos a este contexto a necessidade de investimento público na recuperação pós-Covid da União Europeia, o imperativo da digitalização (e, por inerência, da conetividade 5G), deverá sair reforçado, o que poderá traduzir-se em maior convergência entre Estados-membros neste domínio
Quais devem ser as prioridades em termos de Cibersegurança no 5G?
Com o 5G surgirão de forma exponencial equipamentos conectados gerando enorme volume de dados, novos produtos e serviços conectados em cada indústria, velocidades mais altas com latências mais baixas e uma mudança para uma abordagem de redes baseadas em software, rapidamente disponibilidade e a um custo mais baixo. Neste contexto não só teremos novos patamares de valor para a transformação digital, mas também novos patamares de risco.
Existem novos riscos e o perfil de riscos atuais irá subir. Destaco cinco prioridades para a cibersegurança no contexto do 5G:
- Novo modelo de cibersegurança, com novas políticas e procedimentos, devido p. ex. a maior quantidade e heterogeneidade de equipamentos ligados às redes, com mecanismos de segurança distintos, tornando mais complexa configurações de segurança de aplicações, sistemas operativos e dados;
- Desenvolvimento contínuo das capacidades de cibersegurança, uma vez que se irá continuar a utilizar os mesmos protocolos de internet, expondo o 5G aos tradicionais e cada vez mais sofisticados ataques de cibersegurança, e a novos cenários de fraude;
- Segurança e privacidade dos utilizadores, de forma a proteger a informação que dos utilizadores humanos quer dos utilizadores máquinas. Sendo o 5G uma “rede de redes”, será mais baseado em ecossistemas, tornando mais complexa a proteção da informação dos utilizadores e garantia de privacidade, obrigando a uma nova abordagem à gestão de acessos e identidades, tendo por base um novo modelo confiança entre as várias partes envolvidas;
- Segurança real-time e dos fluxos de dados, garantindo a confidencialidade, integridade e disponibilidade dos dados, através de gestão continua de vulnerabilidades e ameaças, cyber intelligence e garantia que o mesmo nível de segurança é aplicado aos vários procedimentos de acesso às redes e à interligação entre diferentes domínios (Utilização de diferentes redes, com diferentes níveis de segurança, (redes móveis, wi-fi, redes privadas, etc)
- Segurança da integridade da própria rede, num contexto de redes baseadas em software, cloud e partilha de recursos. A maior quantidade de interfaces e interligação entre redes, no acesso rádio e na interligação com o backhaul, cria um risco acrescido de Man in the Middle (MITM), apesar das preocupações e níveis de segurança acrescidos possibilitados pelo standard 5G, assim como, sendo o 5G um rede mais baseada em software, integrando cada vez hardware low-cost e open source, obrigará a um maior controlo e supervisão da rede e equipamentos ligados, assim como a uma maior garantia da integridade de cadeia de abastecimento e standards de segurança de fabricantes de hardware e software.
Quais devem ser os modelos de implementação de mecanismos de Cibersegurança?
A abordagem à cibersegurança deve considerar quatro etapas chave: (i) identificação dos riscos e dos ativos mais críticos, assim como, a informação chave a proteger, sendo necessário estarem definidas equipas e estruturas de governo que garantam o foco e a responsabilidade na Organização, (ii) proteção da organização, clientes, colaboradores e parceiros, através da implementação de mecanismos que permitam uma supervisão e gestão contínua do risco, (iii) deteção contínua de ataques e vulnerabilidades para garantir evolução das capacidades e maior resiliência a ataques e, (iv) capacidade de resposta e recuperação adequadas, com equipas treinadas, e procedimentos definidos.
Assim como a transformação digital vai acelerar, também os riscos associados vão aumentar e o seu perfil evoluir. Sobretudo pretende-se que as capacidades de cibersegurança de uma organização não sejam estáticas, mas antes tenham presente que é necessário adotar um modelo de contínua evolução e inovação.
Neste contexto, surge a necessidade de desenvolvimento do ‘cyber intelligence’, permitindo antecipar ataques e preparar reações mais rápidas e efetivas. Também neste contexto a partilha de práticas e informação, potenciadas por organismos ou entidades que permitam o desenvolvimento desta consciência coletiva de ataques e possibilidade de reação é crítica. Da mesma forma a capacidade de ter pessoas com know-how crítico nesta área, mas também de envolver parceiros que possam complementar capacidade e trazer inovação é chave para a gestão do risco.
As empresas portuguesas estão sensibilizadas para as exigências de Cibersegurança?
As empresas portuguesas têm vindo a fazer um percurso na sua preparação para gestão do risco digital e proteção de dados, muito potenciado pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados. Por outro lado, os ataques são mais frequentes, e alguns deles com bastante repercussão na comunicação social, não deixando, no entanto, de serem apenas uma ínfima parte do total de ataques que acontecem.
Sentimos que as empresas estão cada vez mais conscientes deste risco crescente, que é um risco que envolve naturalmente a própria organização, clientes, colaboradores e parceiros, sendo já um tema que está na agenda do C-level. No entanto, sentimos que a velocidade com que as empresas portuguesas estão a investir em capacidades de ciber resiliência é inferior à aceleração do número de ataques e respetiva sofisticação, o que num contexto de transformação digital poderá ser uma combinação bastante preocupante.
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“Riscos associados à transformação digital vão aumentar”
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