Maurícia reclama indemnização por maré negra do navio Wakashio
A reparação financeira que o país obterá por danos do derrame de fuel inclui compensação de seguro limitada em capital de responsabilidade civil, mas pode somar ajuda de Convenções internacionais.
O MV Wakashio, um grande navio graneleiro – propriedade da japonesa Nagashiki Shipping e a operar com pavilhão do Panamá – encalhou a 25 de julho sobre um recife de coral costeiro, em Pointe d´Esny, Mahebourg, a sul da Ilha Maurícia, quando seguia en route da China para o Brasil, mas sem carga comercial a bordo.
Dias depois do atasco (a 31 de julho ainda não havia sinais de fuga de combustível), e sem que se soubesse ainda as circunstâncias que levaram o barco a encalhar tão próximo de uma praia, um rombo no casco iniciou derrame de 1000 toneladas de fuel no mar, com o vento e a maré a empurrarem a mancha poluente na direção das lagoas e praias que circundam Mahebourg.
O Wakashio é um capsize Bulker (graneleiro de grande porte), fabricado em 2007 nos estaleiros da Universal Ship Building. A ficha técnica do navio detalha um gigante de aço com porte ou peso bruto de 203,1 mil toneladas (GWT ou deadweight na gíria do setor), medindo 299,9 metros de comprimento e 50 metros de boca (largura), e calado de 24,1 metros (distância máxima do extremo da quilha à superfície da água). Navegando sem carga, o calado rondaria nove a 10 metros.
Na sequência da ocorrência foi decretado Estado de Emergência e, a meio da primeira semana agosto, foi lançado apelo de ajuda internacional por justificado receio de catástrofe ambiental, porquanto o combustível já atingia terra firme, testemunham imagens na imprensa local. Os recifes de coral, a biodiversidade da ilha e a importância do turismo são reconhecidos internacionalmente.
Aos prejuízos económicos (pesca artesanal, turismo e outras atividades ligadas ao mar), a listagem de danos de uma reclamação nesta categoria de sinistros deve detalhar a estimativa de perdas associadas aos anos que demorará a reabilitar ecossistemas, os custos económicos da limpeza de fuel (petróleo e derivados) derramado por navios-tanque (de passageiros ou outros cargueiros) e que varia consoante a região do mundo em que ocorra o sinistro em função do volume de poluente vertido no oceano e as características de zonas costeiras e ribeirinhas afetadas.
No caso de um navio como o MV Wakashio e à luz da Convenção internacional de responsabilidade civil dos armadores, o site de informação Nikkei-Asia Reveiw avança que a indemnização a pagar pelo dono do barco ficará num intervalo limitado entre dois mil milhões e 7000 milhões de ienes (um máximo de 57 milhões de euros ao câmbio corrente), segundo estimativa de Michio Aoki, um advogado especialista em acidentes marítimos.
Cumprindo o plano de contingência (cada país dever ter um à sua medida para responder a ameaças deste tipo), a Maurícia mobilizou diversos Ministérios e já acolheu equipas especializadas de países terceiros e de empresas contratadas para o efeito, a bordo de embarcações e helicópteros, que estão na zona do desastre a desenvolver operações de contenção da maré negra e de monitorização do estado da embarcação.
Dependendo das condições meteorológicas – que não têm sido favoráveis -, as equipas foram colocando boias para travar impacto do poluente na fauna e flora (partes da Maurícia, como a área de Blue Bay, estão cobertas pela Convenção de Ramsar, que protege os designados ecossistemas húmidos ricos em biodiversidade); tentando identificar os danos no casco do navio e procedendo ao bombeamento e trasfega de cerca de 2 700 toneladas (t) de combustível (fuel e lubrificantes) que ainda permaneciam nos tanques do MV Wakashio, além do derrame quantificado em 1000 t (o equivalente a mais de sete mil barris de petróleo), uma quantidade que ultrapassa as 700 t do padrão internacional que define um “major spill” (derrame significativo).
De acordo com os meios de informação locais, face à emergência, muitos voluntários juntaram-se ao esforço de limpeza das praias e demais sítios, improvisando também boias para travar a maré negra. “Estamos numa situação de crise ambiental“, admitiu o ministro do Ambiente, Kavy Ramano. “É a primeira vez que nos deparamos com uma catástrofe assim e não estamos suficientemente equipados para lidar com o problema,” reconheceu o ministro das Pescas, Sudheer Maudhoo.
No âmbito do inquérito aberto pelas autoridades locais para apurar as circunstâncias do desastre, a tripulação (cerca de 20 membros de diferentes nacionalidades, com filipinos em maioria) foi retirada do barco e a polícia local muniu-se de mandado judicial para aceder ao MV Wakashio de onde recolheu documentação do navio, livro de bordo e registos de navegação. Dados do sistema automático de identificação da Marine Traffic, indicam que o navio saiu fora do alcance na manhã de 25 de julho, no Oceano Índico. A 5 de agosto, encalhado 10 dias, tinha como coordenadas, a posição 20° 26′ 17.232″ S, 57° 44′ 40.668″, a sudeste a África oriental.
Reclamação de seguro vai demorar dois meses a formalizar
“Não conhecemos ainda a extensão total dos danos, por isso não sabemos sequer quais seriam os pagamentos”, disse Kiyoaki Nagashiki, presidente da companhia de shipping, citado na imprensa nipónica.
Os prejuízos causados pelo sinistro, cujo impacto material e financeiro – em particular sobre a biodiversidade de ecossistemas classificados, mas também na economia local e ao nível da segurança alimentar – deverão ser apurado cumprindo exigentes critérios de elaboração e fundamentação, para que possa ser formalizada reclamação de indemnização no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatório que a Nagashiki Shipping-Okyio Maritime terá contratado junto do P&I Japan Club (associação nipónica de seguro marítimo para proteção de armadores e cobertura de responsabilidades face a terceiros).
A prática internacional determina que o pedido de indemnização financeira, podendo corporizar mais de uma participação de sinistro consoante a natureza dos danos e personalidade jurídica dos atingidos pelo desastre, seja apresentado diretamente pelo Estado lesado ao proprietário da embarcação. Este pressuposto é reforçado por uma lei maurícia, de 2002, que estabeleceu o Regime de Protecção do Ambiente, instituiu uma comissão interministerial com poderes de coordenar a gestão de crises e definiu os princípios de responsabilização do poluidor, nomeadamente em casos de derrames de crude ou derivados de petróleo.
O primeiro-ministro maurício Pravind Kumar Jugnauth, durante conferência de imprensa em que confirmou o volume de substância poluente libertada no desastre, informou que um relatório preliminar da ocorrência deverá estar pronto em dois meses e, só a partir, dai poderá ser elaborada uma reclamação de seguros para compensação de danos. O responsável de governo acrescentou que está a ser preparada outra reclamação de seguro para indemnizar mais de 50 pescadores da zona afetados pelo desastre.
Na ocasião, Kumar Jugnauth advertiu também, citando informação do chefe da principal equipa de salvage a operar no sinistro, que o Wakashio (fustigado por vento forte, correntes e vagas na preia-mar), já corria o risco de se partir em dois, um cenário que tornaria o risco ainda maior.
A proprietária do barco e a Mitsui OSK Lines (empresa que operava o navio) já apresentaram desculpas públicas pelo desastre, dispondo-se também a colaborar na mitigação das consequências do sinistro. Além de uma delegação oficial do Governo japonês composta por elementos especializados da guarda costeira enviada em missão para o local do acidente, uma equipa nomeada pela companhia japonesa de shipping foi igualmente enviada para o Índico para participar nas operações de emergência, levantamento da situação para defesa de causa própria e estudar o eventual salvamento do navio.
Dias depois da manifestação de receio de quebra da estrutura, a embarcação acabaria mesmo por se partir em duas, dificultando ainda mais as operações. Entretanto, a 24 de agosto, foi noticiado que a secção mais longa da carcaça que foi o Wakashio teria sido arrastada com sucesso, por dois rebocadores, mar adentro até cerca de 15 quilómetros (nove milhas), ao largo, sendo depois afundada a uma profundidade superior a três mil metros, no fundo do oceano Índico.
A secção mais pequena do navio, que comporta a ponte (sala de comando, maquinaria e outras instalações) mantinha-se encalhada sobre o recife de coral.
O ordenamento jurídico internacional que regula a prevenção de desastres e as compensações por derrames petrolíferos no mar enquadra-se no âmbito do Direito Marítimo Internacional e desenvolveu-se através de Convenções internacionais no quadro da IMO (sigla anglo-saxónica da Organização Marítima Internacional). Ao longo dos anos, na sequência de sinistros históricos (Torrey Canyon; Amoco Cadiz, Exxon Valdez; Erika e Prestige, por ordem cronológica dos navios acidentados), foi-se construindo o designado MARPOL, um protocolo que, entre outros aspetos de prevenção da poluição marítima, introduziu a obrigatoriedade de cascos duplos na construção dos grandes navios que cruzam oceanos e o sistema de monitorização dos limites de concentração de óleos e requisitos de separação por água no escoamento de resíduos resultantes da lavagem de tanques e outras partes das embarcações.
Bases legais da compensação indemnizatória
Existem, portanto, Convenções internacionais e respetivos fundos intergovernamentais que recolhem contribuições dos países importadores e que vieram reforçar a capacidade de indemnização dos fundos municiados diretamente pelos proprietários de navios (petroleiros e de outras utilizações equipados de depósitos de combustível e lubrificantes de grande capacidade).
A Convenção HNS (Hazardous and Noxious Substances), iniciada nos anos noventa e adotada em 2010 – o mais recente dos Tratados sobre o tema – e ainda em processo de ratificação internacional (incluindo na UE), as fugas de hidrocarbonetos não persistentes (tipos diferenciados de petróleo e outros produtos perigosos e nocivos) nos oceanos, é considerada a “peça que falta no puzzle” do sistema internacional de compensações. O protocolo – que ainda não está em vigor – tem o mérito de atualizar o modelo de compensação pecuniária intergovernamental indexado aos Direitos de Saque Especiais (SDR) do FMI, estabelecendo o máximo de referência por navio poluidor num equivalente a 380 milhões de dólares (a taxas de câmbio de 2016).
Os diversos instrumentos técnicos e normativos internacionais que complementam a cobertura de responsabilidade civil e ambiental (em sinistros de transporte marítimo, plataformas petrolíferas e instalações portuárias relacionadas), bem como procedimentos a seguir para obtenção de reparação por danos individuais e coletivos refletem o esforço internacional multilateral dos países que colaboram na prevenção e mitigação de sinistros de poluição petrolífera e de produtos perigosos e nocivos nos oceanos. Na União Europeia, por exemplo, criaram-se instrumentos jurídicos especificamente dedicados à problemática da Responsabilidade Ambiental.
Globalmente, o ITOPF (International Tanker Owners Pollution Federation), uma organização não lucrativa sediada em Londres e que representa armadores e tem como associados P&I Clubs reúne boa parte do acervo normativo e técnico produzido a nível internacional para resposta a desastres ambientais de poluição marítima.
De acordo com esta federação, a base legal de responsabilidade civil para os pedidos de compensação na maioria dos países, alguns dos quais adaptaram legislação própria transpondo para a ordem interna o que emana desses Tratados, tem como fonte principal quatro Convenções internacionais:
– Convenção de Responsabilidade Civil (1992), conhecida pela sigla CLC (Civil Liability Convention): prevê uma indemnização por derrames de petróleo (persistent oil) transportado em petroleiros até ao limite de responsabilidade civil do proprietário do navio e é paga pela seguradora do navio.
– Fundo Internacional de Compensação, igualmente de 1992 e reforçado por ato suplementar posterior (algumas vezes referidos por IOPC Funds ou FUNDS92). Estes instrumentos (International Oil Pollution Compensation Funds) foram criados para funcionar como uma segunda linha de indemnização de danos da poluição petrolífera nos oceanos. Uma tese de dissertação universitária publicada no site do organismo salienta que os fundos IOPC marcam uma viragem no sistema de indemnizações: termina a voluntariedade dos armadores assumirem indemnizações, tornando-as obrigatórias, e promovem a universalidade e uniformização internacional do regime de indemnizações.
– O fundo Bunkers Convention, estabelecido em 2001, aplica-se à Responsabilidade Civil dos armadores por danos devidos à poluição por hidrocarbonetos contidos em tanques de combustível das embarcações.
– A Convenção HNS (Hazardous and Noxious Substances Convention), de 2010 e ainda em processo de ratificação e que, em 2016, já contava 12 países importadores de petróleo candidatos a signatários. Este protocolo instituiu um secretariado que monitoriza os volumes importados pelos países aderentes (critério principal na proporcionalidade das contribuições nacionais) e tem por missão complementar a cobertura de responsabilidades na indemnização por danos derivados do transporte marítimo de hidrocarbonetos não persistentes (non-persistent hydrocarbon oils) óleos vegetais e químicos, consideradas substâncias nocivas e potencialmente perigosas, quer transportados a granel quer embalado.
Note-se que, segundo esclarece a IMO, as compensações pagas no âmbito do HNS só terão lugar quando for ultrapassado o limite de capital de responsabilidade civil estabelecido na apólice do proprietário do navio sinistrado e, por outro lado, o pagamento por conta do HNS dependerá de contribuições governamentais feitas por signatários da Convenção em momento posterior ao incidente que motivou a compensação.
Um pedido de compensação por prejuízos resultantes de eventos poluidores pode ser apresentada no quadro destas convenções sem necessidade de comprovar que o proprietário do navio cometeu alguma falta, mas devem ser observados prazos rigorosos e a recolha de muita informação. Por outro lado, no caso da reclamação para indemnização de seguro, o ónus da prova dos prejuízos e dos danos está sempre do lado do Estado queixoso.
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