O dilema social não é o Dilema das Redes Sociais

O verdadeiro dilema é a inação à escala planetária sobre os efeitos nefastos das plataformas digitais. A esperança é que este documentário ajude a que se perceba melhor o que está em causa.

Estreou esta semana um novo documentário no Netflix que aborda as questões difíceis relacionadas com as plataformas digitais e a economia do clique, que estão a subverter as sociedades democráticas.

Baseado em mais de uma dezena de testemunhos de antigos funcionários das grandes empresas tecnológicas e alguns analistas, o filme deixa bem à mostra a forma como a liberdade individual está a ser posta em causa. E, embora seja um pouco ridículo ter uma série de gente a pedir desculpa pelas asneiras que fizeram enquanto enriqueciam, o alerta está lá.

Infelizmente, a narrativa está construída de forma pueril: como o realizador não encontrou forma de ilustrar aquilo do que os especialistas falam, andou a optar entre animações e recriações da forma como os algoritmos trabalham. Mas o que verdadeiramente irrita no documentário nem é a superficialidade. É o facto de entrevistarem pessoas como Shoshana Zuboff ou Guillaume Chaslot e não usarem nem dois minutos do que eles disseram.

Jaron Lanier e Tristan Harris têm mais sorte, acabando por ocupar o maior espaço e dominando merecidamente a narrativa. Ainda assim, talvez a forma primária como o documentário está estruturado ajude a que a mensagem essencial passe: alguns espectadores poderão finalmente perceber que as plataformas fazem muito mais mal que bem às sociedades e que é essencial desligar. Estes produtos têm a vantagem de popularizar expressões como “capitalismo de vigilância”, “tecnologia persuasiva”, “economia da atenção”, “economia preditiva” e “aprendizagem automática”.

Já não há dúvidas sobre os efeitos nefastos das redes sociais: o aumento exponencial de suicídios juvenis, a erosão social, a fragilização da democracia. Onde há dúvidas é se isto ocorreu por acaso ou de forma deliberada – mas estas duas versões não são apresentadas de forma equivalente, aliás uma delas mal está presente em toda a narrativa. É legítimo optar por não querer ver o mal na ação do nosso semelhante, mas isso torna-nos mais passivos aos seus efeitos. E já não há maneira de não ver o que está a acontecer. O risco aqui é que, acontecendo tudo isto de forma cada vez mais rápida e automatizada graças aos algoritmos, se os efeitos não irão ocorrer a uma escala muito mais rápida do que a nossa capacidade para os entender e controlar. Até agora, temos falhado clamorosamente.

Na Europa temos um pouco mais de sorte. Graças à legislação europeia, as plataformas digitais têm menos acesso aos dados privados dos utilizadores e por isso têm sido mais lentas nos seus esforços de manipulação. Mas os algoritmos estão a melhorar as suas capacidades e, em consequência, os riscos estão a aumentar. As sociedades estão mais polarizadas e cada vez mais a ignorância triunfa. O momento para subtilezas já passou. Como Zuboff explica, há mercados que são proibidos, pelo risco que trariam à humanidade: o dos órgãos humanos é um bom exemplo. Está na hora de entender que as consequências destrutivas destes algoritmos e desta economia da atenção devem garantir a sua proibição. Não se trata de proibir as redes sociais, trata-se de proibir o mecanismo económico que viabiliza economicamente a maioria das plataformas digitais.

Ver mais: O melhor é ver o documentário, que estreou esta semana no Netflix. É capaz de ser assustador, mas a realidade é mesmo assustadora..

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