Editorial

Um orçamento social que esquece as empresas

Este é um orçamento da segurança social e do investimento público (o prometido, veremos se será mesmo para concretizar) e que não tem uma medida para as empresas.

Se é empresário ou gestor, esta análise não é para si (não, não deixe de ler, estava apenas a baixar as expectativas deste Orçamento do Estado que é especialmente um Orçamento da Segurança Social e a promessa de um orçamento do investimento público). Não é mau tendo em conta as circunstâncias, mas é muito pouco, não acrescenta crise à crise, como afirmou o ministro João Leão, mas não faz muito para nos tirar dela. Servirá, no máximo, para nos aguentarmos.

A proposta de orçamento do Estado está entregue, há um erro da praxe (um pequeno erro de 468,6 milhões de euros e logo com o Novo Banco), mas talvez pela primeira em décadas, a conferência de Imprensa de João Leão, a primeira do novo ministro, deslizou para a manhã desta terça-feira e, portanto, ainda não temos as explicações necessárias para compreender algumas das opções do Governo. Dito isto, há um número que tem de fixar: 100 mil milhões de euros. É um número com muitos zeros e é, admito que já tenha imaginado, o volume de despesa pública total prevista para 2021. É uma enormidade, são mais cerca de três mil milhões face à estimativa de 2020 que já tem, como se sabe, um orçamento suplementar com medidas como o lay-off simplificado.

Aquele número não está aqui por acaso. É a evidência de que o Governo conta com a despesa do Estado para a recuperação económica de 2021 — a partir da pior recessão de que há memória em 2020 –, com despesa conjuntural como a nova prestação social ou outras medidas anti-covid, mas também com despesa estrutural, como o aumento do subsídio de desemprego ou das pensões.

É por isso que este orçamento é sobretudo de Ana Mendes Godinho e também de Pedro Nuno Santos (e de Marta Temido). É um orçamento que aumenta o peso do Estado relativamente ao período pré-crise, e que, claro, nos vai pesar nos pés logo a seguir porque serão os seus e os nossos impostos a pagar essa fatura, já a seguir ou nas próximas gerações.

O que traz este orçamento? Muita coisa para as famílias, quase nada para as empresas e o que traz mais valia que não trouxesse… São as medidas de caráter social, e as mudanças nos impostos em IRS e IVA, mas ainda assim também a revelarem o que são as enormes limitações orçamentais do país. Os anunciados 200 milhões de euros que são libertados já este ano em IRS por causa das mudanças nas tabelas de retenção são de impacto limitado quando comparados com os dois a três mil milhões de reembolsos em cada ano. Dá um “aumento salarial” de uns dois a três euros por contribuinte, de acordo com algumas simulações. E o chamado IVAucher vale também cerca de 200 milhões de euros e serve sobretudo para incentivar o consumo já no primeiro semestre do ano.

A preocupação do Governo é óbvia: Não é propriamente promover a produção e a competitividade empresarial, é segurar a situação social e criar os incentivos possíveis ao consumo, o privado, porque o público, já vimos, vai ter um reforço relevante. É um orçamento para os primeiros seis meses do ano, à espera do milagre da rosa no segundo semestre, isto é, do impacto dos fundos comunitários do plano de recuperação e resiliência (que ainda não está aprovado no Parlamento Europeu, recorde-se). E limitado, claro, pelas restrições das contas públicas, desde logo uma dívida pública que chegará ao final do ano aos 134% da riqueza criada no país.

É justo reconhecer que o Governo estendeu o tapete ao Bloco de Esquerda e ao PCP para viabilizarem o orçamento. No aumento do salário mínimo (será sensato?), nas mudanças na lei laboral (insensatas e sobretudo ideológicas), na necessária nova prestação social ou no aumento das pensões. Mas não é isso que faz deste orçamento um bom orçamento ou até o orçamento do que o país e a economia precisam, desde logo porque esquece as empresas. Não há uma medida que se apresente, há pequenas medidas positivas mas com efeitos limitados.

O orçamento do Estado para 2021 vai ser viabilizado. Pelo Bloco ou pelo PCP e PAN ou ainda pelo PSD (de olhos fechados). Mas se a esquerda obrigar o PSD a abster-se, terá de ser chamada à responsabilidade e nem o Novo Banco poderá invocar como argumento para um chumbo de um orçamento que é talvez o mais social da última década.

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