Editorial

Quando o líder do Governo nos encaminha para a servidão

António Costa quer obrigar-nos a instalar a aplicação StayAway Covid, violando direitos, liberdades e garantias. Matou o modelo de uso voluntário e arranjou um álibi para o que se segue.

António Costa anunciou ao país que não quer ser autoritário (cof, cof, cof) e sentiu que era preciso “um abanão na sociedade portuguesa“. Surpreendentemente, confesso, a sociedade ou uma parte dele, incluindo partidos à esquerda e à direita, abanou e quer resistir ao primeiro-ministro e ao seu autoritarismo como forma de tentar resolver o que é óbvio hoje, a aceleração da pandemia. Porque a questão de fundo não é saber se a instalação da aplicação de rastreio Covid-19 é mais ou menos eficaz de forma obrigatória, a questão é saber que direitos e liberdades e garantias estão os cidadãos disponíveis a ceder em nome de um qualquer outro objetivo. E antes que se precipitem, é preciso voltar a Hayek e ao Caminho para a Servidão, aos caminhos para as diversas formas de totalitarismo que, desta vez não são apresentadas pelos extremos, mas pelo líder do Governo do centro político do regime (com uma posição dúbia do outro partido do regime).

Há um sem-número de medidas que podem ser absolutamente eficazes no combate ao Covid-19, portanto, se essa é a discussão, então aceitemos uma intromissão desta natureza — a obrigatoriedade de instalação da app StayAway Covid-19 e a fiscalização desse obrigação por parte da polícia — e muito mais.

Onde está o limite? Onde o autoritarismo do primeiro-ministro em funções quiser, mas depois não nos venham dar lições de moral sobre as decisões de Órban ou de outros líderes europeus que também fazem declarações bondosas sobre a autoridade que não querem exercer senão quando os seus cidadão não se portam bem. Costa não disse apenas que não gosta de ser autoritário, e já seria suficientemente mau. “Teremos de ser tão menos autoritários quanto mais as pessoas voluntariamente aderirem”, disse o primeiro-ministro, em tom de aviso. Ou se portam bem ou vem aí o lobo mau. Vindo de um chefe de Governo, é de arrepiar. Desconcertante.

Ao contrário do que diz Rui Rio, curiosamente o único líder político que não disse de forma clara e direta “não” a esta proposta absolutamente invasora da nossa privacidade, o problema não é a eficácia, é o abuso de poder, é a violação dos direitos e liberdades quando admite que a polícia volte a ter um papel de PIDE que fiscaliza os telemóveis dos cidadãos. Hoje sobre a app de rastreio, amanhã sobre outra coisa qualquer.

A comparação entre a obrigação de instalação da app StayAway Covid e as app das redes sociais não é apenas pueril, é demagógica. Qualquer um de nós pode ceder os seus direitos de privacidade, pode publicar fotografias de família e aceitar o registo de geolocalização. E pode deixar de o fazer no minuto em que quiser. Tem aliás a possibilidade de escolher as app em que cede mais ou menos privacidade, protegendo mais ou menos os seus dados pessoais. E a opção de um cidadão não obriga ou condiciona a escolha de outro. No modelo autoritário de António Costa, não temos escolha e, pior, seremos obrigados a dar o nosso telemóvel a um qualquer polícia na rua para verificar se somos cidadãos bem comportados e se somos moralmente adequados aos valores que o primeiro-ministro quer impor porque há uma pandemia.

Com o previsível chumbo desta ideia peregrina, uma coisa António Costa já conseguiu, foi ‘matar’ a possível utilidade da app StayAway Covid em regime voluntário, o que é trágico. A aplicação não é uma bala de prata, e isso só resultará de uma vacina, mas é mais uma medida para limitar as cadeias de transmissão e a velocidade de contaminação do vírus. E vai deixar de ser. O primeiro-ministro fragilizou assim a própria estratégia de saúde pública no combate à pandemia, em mais um zigue-zague.

Costa conseguiu também, um álibi, um bode expiatório para o que não vier a correr bem. E o primeiro-ministro tem mais informação do que o comum dos mortais. Em março, perante a avalanche de informação e a pandemia a alastrar, aceitava-se que se adotassem medidas à pressa, algumas delas muito próximas da violação de direitos e liberdades, estados de emergência e afins. Mas agora o tempo é outro e convém que o país não se distraia com o isco lançado pelo primeiro-ministro.

O que correu mal até agora para voltarmos a números como os mais de dois mil infetados por dia, o que é que o Governo e o Ministério da Saúde fizeram e não fizeram para identificar as cadeias de surtos, que colaboração está a ser feita com os grupos privados de saúde para limitar os riscos da pressão que já se pressentem nos hospitais e que talvez explique este salto em frente. Não nos tinham dito que ia tudo correr bem?

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