BRANDS' ECO Poupança: “Não deveria haver fiscalidade diferente em função do produto, mas antes em função do fim”

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  • 27 Outubro 2020

Joaquim Rodrigues Silva, diretor do Centro de Competências Jurídico Financeiro da DECO Proteste, fala dos desafios futuros das pensões de reforma e algumas das soluções alternativas ao atual sistema.

O atual sistema de pensões de reforma português baseia-se no princípio da solidariedade intergeracional, ou seja, depende da renovação da população ativa. De acordo com Joaquim Rodrigues Silva, diretor do Centro de Competências Jurídico Financeiro da DECO Proteste, há uma série de fatores que põe em causa o futuro deste modelo, nomeadamente a baixa taxa de natalidade.

Há, contudo, soluções alternativas que podem contribuir para tornar o modelo da Segurança Social mais sustentável. Este é um dos temas que estará em debate na web conference “A Evolução Demográfica Portuguesa e o Futuro das Pensões de Reforma”, que a Proteste Investe organiza, em parceria com o ECO, amanhã e quinta-feira, pelas 16h30 e a qual pode desde já acompanhar registando-se.

Em jeito de antecipação, Joaquim Rodrigues Silva, um dos oradores da conferência, explica alguns dos elementos-chave que estarão em discussão no debate.

Em 2019, o Governo de António Costa referiu que “o horizonte de sustentabilidade do sistema previdencial melhorou 11 anos desde 2015”. Ainda assim, o futuro das pensões de reforma continua em risco?

Os riscos não desaparecem, embora possam ser mitigados conjunturalmente. É sabido que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) tem tido um bom desempenho, mas também é verdade que não é imune às crises financeiras que temos atravessado. E a que atravessamos evidenciou que mesmo uma boa “almofada” tem os seus limites. O acréscimo de sustentabilidade que o FEFSS aporta ao atual sistema de segurança social tende a ser prejudicado pela crise e por um aumento significativo do desemprego com a consequente diminuição das contribuições da população ativa.

Dito isto, todas as medidas que reduzam os riscos da sustentabilidade da segurança social são meritórias, naturalmente. Contudo, e no final, o modelo que temos ainda depende da renovação da população ativa. Ora é neste domínio que as notícias não são as melhores. Estruturalmente, temos uma taxa de natalidade baixa e, pelo menos atualmente, não conseguimos compensá-la por via da imigração.

Se a isto somarmos o aumento consistente da longevidade e a diminuição da população ativa, facilmente percebemos que haverá sempre interrogações sobre o futuro das pensões de reforma.

"De um ponto de vista estrutural, julgamos que a repartição da poupança entre o pilar do Estado (em especial para fazer frente às pensões de quem tem uma situação financeira mais desfavorável), o pilar das empresas e o dos particulares será a chave para um sistema mais equilibrado.”

Joaquim Rodrigues Silva

Diretor do Centro de Competências Jurídico Financeiro da DECO Proteste

Além dos desafios demográficos, em que medida a crise económica provocada pela pandemia afeta o nosso modelo da Segurança Social?

Para além dos efeitos quanto ao FEFSS, a crise económica atual atinge diretamente o outro fator determinante do nosso modelo de segurança social, a criação/existência de emprego. Como é sabido, são as contribuições diretas para a Segurança Social que devem alimentar em primeira linha o sistema. Menos empresas e trabalhadores a descontarem, significa uma maior pressão sobre o financiamento e os mecanismos de compensação. Aliás, é cada vez mais comum a discussão sobre que papel os impostos podem desempenhar neste desafio, assumindo que o financiamento direto não será suficiente. O que traz outros desafios, a começar por identificar que impostos devem ter esse papel.

Que alternativas existem ao atual modelo?

Não havendo uma inversão dos problemas que mencionei anteriormente, parte da solução terá de passar por um maior investimento das empresas e dos particulares. De um ponto de vista estrutural, julgamos que a repartição da poupança entre o pilar do Estado (em especial para fazer frente às pensões de quem tem uma situação financeira mais desfavorável), o pilar das empresas e o dos particulares será a chave para um sistema mais equilibrado.

Estes dois pilares podem ajudar a compensar a quebra de rendimentos que ocorre no momento da passagem para a reforma, dado o menor valor, face ao último salário, das pensões de reforma que são atribuídas pelo sistema previdencial da segurança social. Contudo, atualmente ainda abrangem apenas uma percentagem muito reduzida da população ativa portuguesa.

Por exemplo, os fundos de pensões são ainda raros nas pequenas e médias empresas, mas são claramente uma forma de envolvimento das empresas e trabalhadores na construção de soluções complementares de reforma. É certo que representa um esforço adicional para ambos, mas também produz benefícios recíprocos. Para os cidadãos que ainda tenham alguma margem de poupança, a subscrição de um PPR é a opção mais óbvia em Portugal.

Uma das ideias que mais se defende é a mudança de mentalidade para iniciar a poupança para a reforma o mais cedo possível. Que tipo de produtos existe em Portugal para sermos bem-sucedidos nessa missão?

Os PPRs (sob a forma de seguro ou de fundo), os certificados de reforma e os fundos de pensões são os produtos que imediatamente nos surgem como opções. E tal deve-se não só às suas óbvias designações, como também ao tratamento fiscal de que são alvo. Estes produtos oferecem benefícios fiscais à entrada e uma tributação mais favorável à saída, o que não acontece com ofertas similares no mercado, como é o caso de fundos de investimento “normais” ou depósitos a prazo, por exemplo.

Aliás, a Proteste Investe tem reivindicado a revisão deste modelo. A nosso ver, não deveria haver fiscalidade diferente em função do produto, mas antes em função do fim, o que permitiria alargar o leque de opções de investimento para o consumidor. Note-se que um PPR tem uma taxa de imposto de 8% sobre o rendimento (desde que respeitadas as condições legais de resgate) contra 28% dos demais produtos financeiros como os tais fundos “normais” ou os depósitos a prazo.

Um aspeto que também apontamos como importante neste domínio é saber escolher e saber acompanhar. Existem centenas de PPRs no mercado português. Porém, as diferenças de desempenho são abissais, criando diferenças significativas na rentabilidade, o que se refletirá no montante a resgatar na altura da reforma. É importante selecionar um bom PPR e saber quando transferir se, entretanto, outras entidades gestoras apresentarem melhores resultados consistentemente.

Além disso, o tipo de PPR também deverá mudar ao longo da vida: inicialmente, um com maior risco e potencial de rendimento e, mais perto da idade de reforma, deve transferir para um de capital garantido para não correr o risco de perder o montante acumulado ao longo de anos.

"A principal batalha que vencemos está relacionada com a limitação das comissões de transferência de PPRs e fundos de pensões. Durante muito tempo, era comum as entidades gestoras cobrarem 5% ou mais sobre o montante transferido, o que se traduzia num forte obstáculo à concorrência.”

Joaquim Rodrigues Silva

Diretor do Centro de Competências Jurídico Financeiro da DECO Proteste

Com que idade devemos iniciar essa poupança?

O mais cedo possível e fazê-lo com regularidade. A duração do investimento tem um efeito tremendo na capitalização das entregas feitas. A título de curiosidade, a entrega de 100€ mensais a partir dos 30 anos para um PPR com a rentabilidade anual do fundo que elegemos como Escolha Acertada, significa potencialmente ter cerca de 250 mil euros no momento da reforma. Para quem conseguir começar aos 20, será o dobro. Isto, claro está, assumindo que as rentabilidades se mantinham.

De qualquer modo, qualquer idade é boa para começar. Apenas uma nota de atenção: quando se começa mais tarde, a menos de 10 anos da reforma, é preferível investir em produtos com capital garantido, por exemplo, num PPR sob a forma de seguro.

Quais os contributos que a Proteste Investe tem dado para se conseguir uma maior eficácia do mercado?

Diria que a principal batalha que vencemos está relacionada com a limitação das comissões de transferência de PPRs e fundos de pensões. Durante muito tempo, era comum as entidades gestoras cobrarem 5% ou mais sobre o montante transferido, o que se traduzia num forte obstáculo à concorrência.

Depois de muita insistência, conseguimos que começasse por ser limitada nos PPRs e, mais recentemente, nos fundos de pensões também. Deste modo, o consumidor passou a poder mudar livremente de produto, a selecionar de forma regular os produtos com melhor desempenho e ter a legítima expectativa de melhores rentabilidades.

Mas ainda há outros caminhos que estamos a percorrer e nos quais esperamos ter um desfecho idêntico. São disso exemplo a necessidade de uma maior transparência quanto a custos e rendimentos dos seguros PPR ou daqueles que estão sob a forma de unit linked; a uniformização das fichas técnicas dos vários produtos financeiros; ou, como já referi, um tratamento fiscal idêntico para produtos financeiros que não os mencionados, desde que orientados para a reforma.

De acordo com um recente estudo da Insurance Europe, mais de metade dos portugueses (53%) não têm capacidade financeira de poupar para a reforma. A que se deve esta situação e que soluções existem para revertê-la?

A dificuldade de poupança dos portugueses é um problema transversal e não apenas quando o objetivo é a reforma. Os rendimentos baixos são, obviamente, a principal causa e, quanto a este respeito, pouco se pode fazer no curto prazo.

Note-se, contudo, que a reflexão existe, independentemente de se conseguir ou não poupar. Num inquérito que realizámos este ano, procurámos saber a principal preocupação que suscita a reforma. Com mais de 50% de respostas, apontava-se a dúvida sobre quanto é que se irá receber no momento da reforma e, com cerca de 30%, surgia em segundo lugar a preocupação de como aumentar os rendimentos na reforma. Ou seja, os portugueses estão cientes de que irão ter um rendimento menor e querem fazer algo para o evitar.

O que podemos sugerir para mitigar a situação passa por não descurar a poupança regular, ainda que em montantes pequenos.

Por fim, há já alguns anos que alertamos para a necessidade do Estado estimular a poupança dos portugueses para o longo prazo. Por cá, PPR e seguros de capitalização são os únicos produtos financeiros que beneficiam de vantagem fiscal se aplicados por prazos longos, mas, insisto, achamos que esse benefício se deveria estender a outros produtos de forma a estimular a poupança de longo prazo.

Registe-se e acompanhe a conferência online A Evolução Demográfica Portuguesa e o Futuro das Pensões de Reforma, dias 28 e 29 de outubro, pelas 16h30.

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