Um modelo económico que não serve Portugal (e não nos salva da crise)

As economias que nos anos pré-crise foram capazes de se reformar estão a enfrentar esta crise com resiliência e margem orçamental para estímulos. Não é o caso de Portugal.

Há duas semanas escrevi que esta pandemia demonstrou, de uma forma inequívoca, o “logro” orçamental que vivemos nos últimos quatro anos. Sublinhou que a consolidação orçamental foi meramente conjuntural. Assentou em fatores pontuais, relacionados com a política monetária do BCE. Nada que eu não tivesse alertado frequentemente nestes últimos quatro anos.

Hoje sabemos que Portugal foi um dos países da União Europeia onde o estímulo orçamental de resposta a esta crise foi menor. O Governo assentou a sua resposta sobretudo nas moratórias de crédito.

É claro também hoje que o Governo falhou nas duas dimensões de resposta à crise.

  • Por um lado, não preparou o país para a 2ª vaga da pandemia. Em março e abril, todos fomos surpreendidos pela dimensão da propagação e contágio do vírus e pouco ou nada se sabia sobre a doença. Mas, passados mais de seis meses, houve tempo para preparar o SNS para responder a uma mais que esperável 2ª vaga. O governo falhou nessa preparação e deixou o país fragilizado.
  • Por outro lado, como já referi, houve uma dimensão muito pequena de estímulos orçamentais (porque a dívida pública continua a ser uma forte restrição). Mas, a somar a isto, o governo tem sido incapaz de planear e executar um programa de recuperação da economia.

Em junho, apresentou um programa de recuperação e resiliência que não era mais do que um powerpoint com um conjunto de intenções, mas sem qualquer estratégia ou rumo. Também confiou no plano encomendado ao Eng. Costa e Silva, como se um homem providencial fosse salvar o país. Agora aguarda a “bazuca” Europeia, como se fosse uma espécie de “milagre Europeu” que viesse salvar a economia em crise.

Ora, o Governo, no plano económico, cometeu dois grandes erros.

O primeiro, que vem de final de 2015, é que nunca quis olhar e entender os problemas de competitividade da economia nacional. Pelo contrário, tudo o que fez agravou esses problemas. Não se preocupou com o sistema fiscal, os custos de contexto e a burocracia, o sistema de qualificações e inovação, o mercado laboral, entre outros “estrangulamentos” de que padece a nossa economia e o sistema produtivo. Na resposta à crise continua a ignorar estes problemas. Aquilo que se propõe fazer, quando a “bazuca” Europeia chegar, é apenas despejar dinheiro em alguns setores e problemas. Zero de reformas estruturais. Zero de mudança e capacidade de redirecionar a economia. Mais do mesmo. Uma fórmula que repete os erros do passado, que no futuro continuarão a ser erros, e confirmam uma trajetória de mais pobreza, que nos colocam cada vez mais na cauda da Europa e mais longe dos países mais ricos.

O segundo erro é que na resposta a esta crise o governo tem ignorado que são as empresas que foram afetadas. São as empresas que são obrigadas a fechar. São as empresas que não têm clientes e encomendas. São as empresas que não estão a conseguir exportar. E são as empresas o motor da economia, que geram emprego. Ora, as medidas que têm sido tomadas, basta ver o OE/21 aprovado, são sobretudo direcionadas para o setor público e para a redistribuição.

Claro que é fundamental criar uma rede de suporte e apoio para os que mais precisam e os que mais perderam e foram afetados por esta crise. Mas essa sensibilização social só gerará frutos se for acompanhada de um programa sério, credível, robusto e eficiente de apoio à recuperação das empresas.

Basta ver os números que a OCDE publicou na semana passada: são verdadeiramente arrasadores para Portugal. A OCDE prevê que a zona Euro tenha uma quebra do PIB em 2020 de 7.5%, com uma recuperação em 2021 de 3.6% e em 2022 de 3.3%. Isto significa que tomando uma base 100 em 2019, o PIB da zona Euro chegará ao final de 2022 no valor de 99 (uma quebra de 1%, representando assim três anos perdidos de criação de riqueza).

Mas para Portugal os números são muito mais sombrios. A OCDE prevê uma quebra do PIB em 2020 de 8.4%, com uma recuperação muito modesta em 2021 e 2022, de 1.7% e 1.9% respetivamente. Isso significa que, para o PIB de Portugal com uma base 100 em 2019, chegaremos a 2022 com um valor de 95 (uma quebra de 5% ao fim de três anos). Ou seja, só recuperaremos o nível de 2019 lá para 2024 ou 2025. Assumindo para 2023 e anos seguintes um crescimento de 2%, só em 2025 chegaríamos ao PIB de 2019.

Ou seja, nas previsões da OCDE, vamos perder seis anos, o dobro da zona Euro!

É este o resultado da frágil condição em que a economia portuguesa chegou a esta crise (porque o Governo nunca quis olhar para os problemas e usou os tempos favoráveis para consolidar o poder e não para realizar as reformas que a economia precisa). E também da forma incipiente e incompetente como o Governo respondeu à crise.

Sendo que a recuperação em 2021 é quase totalmente baseada no consumo público e o OE/21 retira os poucos estímulos orçamentais de 2020, a recuperação estará dependente da “bazuca” e dos seus efeitos. Quando chegar, que ninguém ainda sabe quando. Ou seja, a recuperação de 2021 pode ainda ser menor do que a estimada pela OCDE.

Até Espanha, muito mais atingida pela Covid-19 e “liderada” por um Governo com os extremistas e radicais do Podemos, fará melhor que Portugal. Apesar da quebra do PIB estimada para a economia Espanhola ser de 11.6% em 2022, a recuperação será de 5% e 4% em 2021 e 2022, respetivamente. O que significa que Espanha chegará ao final de 2022 com um PIB a valer 97 (base 100 em 2019), ou seja, acima dos 95 de Portugal.

Também temos o exemplo oposto: A Irlanda.

Recorde-se que a Irlanda é o país que a nossa esquerda ataca e apresenta como sendo o oposto daquilo que defende. E não há dúvida que a Irlanda é mesmo o oposto do que socialistas, comunistas e bloquistas defendem. A Irlanda vai ter uma quebra do PIB em 2020 de 3.2% (nas previsões da OCDE). Ou seja, um terço da quebra do PIB de Espanha e menos de metade da quebra do PIB Português. Mas depois vai ter uma recuperação em 2021 e 2022 de 0.1% e de 4.3%, respetivamente. Ou seja, o PIB da Irlanda em 2022, face a uma base 100 em 2019, será de 101.

Mais extraordinário é ainda a resiliência da economia da Estónia (outro país que faz o oposto daquilo que a esquerda defende). A quebra do PIB será de 4.7%, mas com uma recuperação de 3.4% e 3.3% em 2021 e 2022, respetivamente. O PIB Estónio em 2022 será, face a uma base 100 em 2019, de 102, ou seja, um pouco acima do nível de pré-crise. O mesmo na Letónia, com uma quebra de 4.3%, mas uma recuperação de 2.4% e 4%, colocando o PIB de 2022 também em 102. Mais extraordinário ainda a Lituânia, com uma quebra do PIB em 2020 de 2% e uma recuperação de 2.7% e 3.1%, colocando o PIB de 2022 em 104, face a uma base 100 em 2019.

Ou seja, economias que nos anos pré-crise foram capazes de se reformar, de adotar modelos económicos focados na competitividade e na geração de riqueza (e só depois na redistribuição), capazes de exportar muito (todas acima de 80% do PIB em exportações) e de captar muito investimento e que mantiveram níveis baixos de dívida externa e pública. Agora estão a enfrentar esta crise com resiliência e margem orçamental para estímulos. Ou seja, rapidamente vão ultrapassar esta crise e estarão em níveis pré-covid-19.

Já Portugal, uma economia pouco competitiva, que nos últimos quatro anos desperdiçou mais uma oportunidade face a uma conjuntura extremamente favorável (crescimento, “boom” do turismo e imobiliário, descida dos juros e receitas extraordinárias), que exporta apenas 40% do PIB, que capta pouco investimento estrangeiro (e do pouco que capta, muito em segmentos de imobiliário e turismo) e que tem um nível muito elevado de dívida externa e pública, está a sofrer significativamente e terá uma recuperação lenta e dolorosa.

Cada país colhe os frutos daquilo que semeia (ou não semeia).

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