A pandemia e o logro orçamental

Sabemos hoje que Portugal foi um dos países na União Europeia que, até agora, menos apoiou a economia. Feliz o país que em tempo de (alguma) bonança e crescimento, pensa na próxima recessão.

Durante os últimos quatro anos, fui alertando e dando nota, aqui no ECO e noutros fóruns, de que a narrativa oficial do Governo PS sobre a consolidação orçamental era um logro. E a prova de que era um logro está dada este ano.

Recorde-se que em março/abril, o Governo (quer o primeiro-ministro, quer o então ministro das Finanças Doutor Centeno e o então secretário de Estado do Orçamento, hoje ministro das Finanças, Professor João Leão) afirmava que tínhamos margem orçamental para responder à crise. Que Portugal não pouparia esforços para responder à pandemia e apoiar as empresas e famílias.

Recordo-me até de o Doutor Centeno, ainda Ministro das Finanças, dizer: “Agora não importa a fatura, agora importa gastar e investir”.

Mas também isso foi um logro. Sabemos hoje que Portugal foi um dos países na União Europeia que, até agora, menos apoiou a economia. Um estudo da semana passada do FMI mostra que em 38 países desenvolvidos, Portugal é o 35º em gastos com a crise em percentagem do PIB. O 4º a contar do fim!

O Governo apostou tudo nas moratórias, deixando uma “bomba relógio” para o setor financeiro enfrentar nos próximos anos. E agora aposta tudo na “bazuca” Europeia, esperando que o dinheiro de Bruxelas (que ninguém sabe quando chegará) resolva todos os problemas.

Também na semana passada, o Doutor Centeno, agora no fato de governador do Banco de Portugal, veio alertar que o nível de dívida pública torna “proibitivo” apoios maciços à economia.

Ainda esta semana a Comissão Europeia, na avaliação ao plano orçamental do governo, dizia o mesmo. A redução do défice em 2021 será exclusivamente por via de o governo retirar os apoios à economia.

A Comissão não podia ter sido mais taxativa: Portugal tem de se preocupar com a sustentabilidade orçamental e as garantias públicas aos empréstimos são um risco orçamental elevado.

O que a realidade e as declarações recentes do Doutor Centeno mostram é que o Governo, sobretudo o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e o da Economia, que está completamente perdido na sua atuação, sabem bem que andam a vender uma farsa.

Sucede que o Governo pouco faz. Passou os últimos quatro meses sem qualquer rumo ou direção. Não há uma estratégia ou uma ideia, quer de como recuperar a economia, quer de como responder à pandemia. O Governo está a destruir a economia sem cuidar de combater a pandemia.

Os apoios são agora mínimos, porque durante quatro anos não aproveitaram a extraordinária conjuntura favorável para fazer uma consolidação orçamental duradoura. Pelo contrário. Tivemos um logro entre 2016 e 2019.

E foi um logro porque a consolidação orçamental feita entre 2016 e 2019 foi sustentada em dois efeitos: a política monetária do BCE e a política orçamental do governo de corte de investimento público e aumento da carga fiscal.

A política monetária do BCE consistiu em comprar, a partir de março de 2015, divida pública via Bancos Centrais nacionais (BdP). Isso teve dois efeitos a partir de 2016:

  • Por um lado, a redução da taxa de juro da dívida pública Portuguesa (que subiu no final de 2015 e início de 2016, devido à incerteza política, mas que depois foi-se reduzindo até chegar a um nível próximo de zero para a taxa de juro a 10 anos). Isso fez com que a despesa com juros da dívida pública descesse cerca de 1.5% PIB (os juros passaram de 4.5% do PIB para 3% em 2019);
  • Por outro lado, o BdP comprou cerca de 50 mil milhões de euros de dívida (mais do que a emissão direta de dívida pública entre 2016 e 2019), e como tal recebe juros dessa dívida pública. Esses juros são depois devolvidos ao Estado Português na forma de dividendos. Os dividendos e IRC do BdP representaram em 2019 cerca de mil milhões (0.5% PIB), quando em 2015 eram cerca de 300 milhões (0.15% PIB).
  • Adicionalmente, o Governo cortou o investimento público em 0.3% PIB (passou de 2.3% em 2015 para 2% em 2019) e aumentou a carga fiscal em 0.6%.

Ora, o défice nominal (sem medidas pontuais – “one-off”) desce de 3% em 2015 para um excedente de 0.6% em 2019. Melhorou cerca de 3.5 p.p. do PIB. Só que entre a redução de juros, aumento dos dividendos e IRC do BdP, corte de investimento público e aumento da carga fiscal temos quase 3 p.p. do PIB.

Como também fui aqui referindo, o défice estrutural (o défice nominal sem medidas pontuais e sem o efeito do ciclo económico) passou de 2% em 2015 para 0.5% em 2019. Uma redução de 1.5 p.p., que como já vimos resulta apenas do efeito de redução dos juros. Ou seja, sem esse efeito, o défice estrutural teria sido em 2019 de 2%.

Isso é ainda mais visível no saldo primário estrutural (o saldo estrutural sem a componente dos juros), que se manteve em torno de um excedente de 2.5% (passou de um superavit de 2.6% em 2015 para 2.8% em 2019).

Em 2001, com o PS no poder, tivemos a primeira crise orçamental. Entre 1996 e 2000, o PS no Governo, com António Guterres, teve uma conjuntura extraordinária (forte crescimento económico, redução dos juros da dívida pública com a entrada na zona Euro, receitas das privatizações e do Plano Mateus de recuperação de dívidas fiscais) e desbaratou essa conjuntura. As contas públicas estavam desequilibradas e, como agora, quando houve uma crise tivemos o “pântano” e Portugal foi o primeiro país da zona Euro a ter um Procedimento por Défices Excessivos.

Depois, em 2011, com o PS, tivemos o resgate financeiro da Troika. As contas públicas não estavam equilibradas em 2008. O défice de 2008 foi reportado em 2.8% (abaixo dos 3%), mas foi depois revisto para 3.7%. Só que o défice continha uma receita extraordinária resultante das concessões hídricas e rodoviárias de 1% PIB (concessões em que o Estado recebeu cerca de 2 mil milhões, para depois onerar os consumidores no caso das barragens e os contribuintes no caso das autoestradas subconcessões). Ou seja, o défice antes da crise de 2008 era, na realidade, de 5%. Uma política orçamental irresponsável levou o défice em 2009 para cima de 10% e a dívida pública de 70% em 2007 para 110% em 2011.

Agora, em 2021, vamos ver o que sucede. O défice orçamental de 2020 chegará a 8% do PIB e a divida pública a cerca de 140%. Mais uma vez, com uma governação socialista, o país não está preparado para enfrentar uma crise. As contas públicas foram sendo “artificialmente” equilibradas, mostrando-se incapazes de aguentar um forte embate.

2001, 2011, 2021. A cada 10 anos, a governação socialista dos últimos 30 anos acaba em crise. Triste sina de um país que em tempos de bonança não acautela o futuro.

Como tenho escrito: “feliz o país que em tempo de (alguma) bonança e crescimento, pensa na próxima recessão”.

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