Editorial

Um ano de 2020 para não esquecer

Um ano que não é para recordar, mas também não pode ser esquecido. Ficam lições e outras histórias de 2020, algumas delas com projeção para o ano que agora começa.

O ano de 2020 não é para esquecer, como apressadamente muitos querem fazer, é para não esquecer (embora não seja para recordar), porque nos mostrou as fragilidades e riscos do mundo em que vivemos, porque nos obrigou a parar perante a incerteza, o desconhecido e surpreendente, porque nos deu outros modos de vida e de organização, porque nos mostrou a capacidade da ciência e porque confirmou que o desenvolvimento e a prosperidade serão tanto maiores quanto maior for a globalização (com a necessária atenção às desigualdades). Num ano em que ‘Covid-19’, ‘Pandemia’ e ‘Confinamento’ foram as palavras mais repetidas — para tudo e sobre tudo –, o país e o mundo não pararam.

Quem se lembra ainda do que se passou há um ano e abalou o sistema empresarial português? O ‘Luanda Leaks’ pôs fim a um reinado, o de Isabel dos Santos, em Luanda e em Lisboa, e pôs em causa todos (ou quase todos) os seus negócios em Portugal, desde a Efacec ao EuroBic, foram abertos processos judiciais que ainda vão no adro e estilhaços que atingiram gestores, advogados e fiscalistas.

Num país sem capital, quando a crise aperta, vão-se os anéis para ficarem os dedos. O ano de 2020 fica marcado também por dois grandes negócios, a venda da maioria do capital da Brisa, e a venda de uma participação minoritária da Mota-Engil. Os dois grupos de infraestruturas, da família Mello e da família Mota, passaram a ter novos acionistas, fundos internacionais e a maior construtora chinesa e uma das maiores do mundo, respetivamente. A Brisa mudou mesmo de dono, a Mota-Engil passa a ter músculo financeiro para ir para o mundo, porque não há negócio suficiente em Portugal.

O Novo Banco foi um tema sempre presente ao longo de todo o ano de 2020. Em maio, recordo, houve uma mini-crise política, que quase dava a saída de Mário Centeno das Finanças, por causa de mais uma injeção de capital do Fundo de Resolução. E nos meses seguintes, foram vários os momentos de tensão em torno de um banco que continua de portas abertas, tem depositantes e negócio a fazer, às vezes de quem se esperava mais responsabilidade, como os líderes políticos. E, claro, o ano não acabou sem mais uma comissão de inquérito.

A TAP foi outro tema recorrente, e igualmente caro para os contribuintes. A pandemia expôs o que ja era um problema financeiro grave, e como o Governo não admitiu deixar cair a TAP, injetou 1.200 milhões de euros e, claro, passou a ser o responsável pela viabilização da empresa. Agora, com o plano de reestruturação da companhia entregue em Bruxelas, já se sabe que a companhia aérea precisará de financiamentos superiores a 3,7 mil milhões de euros até 2024 (se tudo correr bem) e não se vê outra alternativa senão voltar a ser o Estado, e os contribuintes, a pagarem a fatura.

Na maior empresa do país, a EDP, a justiça impôs (ou no mínimo acelerou) a mudança de gestão, com a suspensão de funções de António Mexia e João Manso Neto. Saíram os gestores — sem qualquer acusação, mas acusados na praça pública –, mas a EDP que foi construída ao longo das últimas duas décadas foi suficientemente forte para resistir, e crescer. Entrou Miguel Stilwell como interino — e passará à condição de presidente executivo definitivo em janeiro — e a empresa continuou a fazer o que foi prometido aos investidores, a ser mais global e a ser menos portuguesa.

Nestes movimentos, a resiliência das pequenas e médias empresas, particularmente as exportadoras, é absolutamente extraordinária. Os empresários, gestores e trabalhadores destas empresas surpreendem-nos a cada crise, com uma capacidade de resistência, flexibilidade e superação que permite disfarçar muito do que são as nossas deficiências estruturais e uma economia dependente do Estado e dos subsídios.

Surpresa positiva foi a capacidade de intervenção da Autoridade da Concorrência, para pôr fim a atividades extrativas que vivem do engano e à custa dos consumidores. Este ano de 2020 foram quase 400 milhões de euros de multas, em setores diversos, e com dois objetivos: penalizar os cartéis e a concertação tão prejudiciais ao desenvolvimento económico, e promover a concorrência.

Mas num momento em que a principal infraestrutura que um país pode ter é a digital, o ano ficará também marcado pela Anacom, desta vez negativamente, pela tentação em criar mercado à conta das condições do leilão do 5G e que pôs um setor crítico para o país em estado de guerra (e a economia é que pagará, a prazo).

E por falar em economia, a portuguesa deu um trambolhão histórico, a recessão estimada é da ordem dos 9%, superior à da maioria dos países da União Europeia (provavelmente só seremos ultrapassados por Espanha), mas o Orçamento é mesmo de mínimos, e já está ultrapassado quando ainda nem sequer entrou em vigor. Um orçamento negociado com o PCP (o BE saltou do barco antes que se afundasse…) que esquece as empresas. Os apoios empresariais — limitados ainda assim — surgiram depois, com as consequências que já eram óbvias com uma segunda vaga da pandemia que se conhecia, mas para a qual o Governo não se preparou nem nos preparou.

O mundo ficou mais previsível neste final do ano a olhar para 2021, e isso é em si mesmo um ponto positivo. Nos últimos meses do ano, a União Europeia foi capaz de aprovar o Plano de Retoma e Resiliência, que, somado às perspetivas financeiras para os próximos sete anos, permitirá a existência de uma verdadeira bazuca financeira de combate à crise. O BCE voltou a ter uma intervenção crítica e a garantir a manutenção de taxas de juro historicamente baixas (veremos com que custos, mas isso fica para depois) e ficou estabilizado, na 25ª hora, o acordo comercial entre a União Europeia e o Reino Unido. E está em marcha um acordo de investimento com a China.

Mais importante do que tudo isto, a presidência dos EUA mudará de mãos no início de janeiro. A saída de Trump e a entrada de Joe Biden é um fator estabilizador das relações internacionais, políticas e económicas, que tanto são necessárias quando o processo de vacinação anti-Covid vai prolongar-se pelo mundo ao longo de 2021.

2020 acabou. Não o esqueça.

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