“O país não se pode dar ao luxo” de perder a TAP, defende João Ferreira
O ECO desafiou os sete candidatos presidenciais a responder a questões sobre a economia portuguesa. João Ferreira defende mais apoios do Estado para as MPME e na salvação da "estratégica" TAP.
O ECO desafiou os sete candidatos presidenciais a responder a questões sobre a economia portuguesa: como devem ser ajudadas as empresas, como abordar o problema da dívida pública, como aplicar o fundo de recuperação europeu e como avaliam a política económica do atual Governo em resposta à crise pandémica. Esta sexta-feira publicamos todas as respostas recebidas nesta rubrica “O que é que eles querem para a economia?”.
João Ferreira, candidato às Presidenciais apoiado pelo Partido Comunista Português, reconhece que os impactos da pandemia na economia “são particularmente severos” e põe ênfase nas micro, pequenas e médias empresas (MPME) cujos apoios públicos “tardam” a chegar, exigindo “urgência” ao Estado. Mas há uma grande empresa que também deve estar nas prioridades: a TAP. Dado o seu papel “estratégico”, “o país não se pode dar ao luxo” de a perder, diz.
Quanto à dívida pública, o eurodeputado reconhece que os recursos públicos não são “ilimitados” pelo que pede ao Governo que se bate para que a dívida gerada pela pandemia e que foi adquirida pelo Banco Central Europeu deixe de contar para as contas nacionais, isto é, a contabilidade que permite a comparação internacional entre países. Em relação aos fundos europeus, João Ferreira “teme” que estes “se destinem a financiar grandes grupos económicos, incluindo estrangeiros, que aqui se fixam com esse propósito”.
Portugal deve apoiar mais as empresas para estimular a retoma? O elevado nível da dívida não é uma preocupação?
Os impactos da epidemia no plano económico são particularmente severos. A suspensão e mesmo paragem forçada de parte da atividade económica, a que se somam as quebras nos mercados externos e interno (a que não é alheio a redução de salários e o aumento do desemprego) requerem medidas que devem ser dirigidas fundamentalmente para as micro, pequenas e médias empresas que representam mais de 99% do tecido empresarial. Os apoios públicos devem ser concedidos às MPME que foram atingidas, sem exclusões e com a urgência que não tem existido, cumprindo aliás o que está inscrito nas páginas da Constituição, que prevê apoios preferenciais para as MPME. Apoios ao pagamento dos salários a 100% em situações de lay-off, às rendas comerciais em função das quebras de faturação, moratórias bancárias e outras medidas que no essencial estão identificadas, mas que tardam a chegar a quem delas precisa. Ao mesmo tempo, é fundamental que não se permita a destruição de empresas estratégicas para o país, como é o caso da TAP que, tal como todas as companhias de aviação no mundo, sem uma intervenção do Estado, estão condenadas à falência. O país não se pode dar ao luxo de perder mais uma empresa fundamental para o presente e o futuro de Portugal.
Estou no entanto consciente que a mobilização de recursos públicos não pode ser ilimitada. Portugal não resolveu o problema da sua dívida externa (pública e privada) e com a epidemia tenderá a agravá-la. Esta é uma consequência da perda de soberania monetária e da degradação do aparelho produtivo nacional. Para diminuir a dívida é preciso aumentar a produção, aumentar o PIB. Esta opção coloca, em meu entender, a necessidade urgente de uma alteração nas opções que têm sobrevalorizado a redução do défice e sacrificado o necessário investimento público visando o robustecimento da nossa capacidade produtiva. Simultaneamente, creio que o nosso país, face à ausência de soberania monetária, se deveria bater para que a dívida contraída junto do BCE para responder aos impactos da pandemia não se deveria refletir nas contas nacionais.
Os novos fundos europeus devem ser usados em grande obras/grandes projetos ou mais para as empresas?
Uma primeira nota para sublinhar não apenas o facto desses recursos serem menos do que se chegou a anunciar como serão também receitas futuras que agora foram antecipadas. Uma segunda para anotar infelizmente a profunda dependência que o país tem hoje destes fundos. Na UE, em termos de investimento público, a dependência de cada um dos Estado dos fundos europeus vai do 8 ao 80, Portugal está nos 80.
Defendo que os fundos europeus — sejam os do próximo Quadro Financeiro Plurianual, sejam os do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] — devem ser orientados para as necessidades nacionais. E este é um dos primeiros problemas que está colocado: o dos critérios de aplicação. O meu receio é que, em vez desses recursos, se destinarem a recuperar o país de uma recessão económica, a promover uma política de substituição de importações por produção nacional, para assegurar a coesão e desenvolvimento de todo o território, a construir equipamentos públicos há muito reclamados pelas populações – hospitais, centros de saúde, escolas, infraestruturas de transporte, entre outras – se destinem a financiar grandes grupos económicos, incluindo estrangeiros, que aqui se fixam com esse propósito. Tem de ser Portugal a decidir como é que esses recursos devem ser utilizados e, como Presidente da República, não prescindiria de uma intervenção nesse sentido.
Como avalia a ação do Governo no combate à crise económica provocada pela pandemia?
As opções do Governo têm estado marcadas, por um lado, pelo facto de, mesmo perante os efeitos devastadores desses impactos, querer manter a todo o custo uma trajetória do défice das contas públicas, que impede que se mobilizem todos os recursos que seriam necessários para impedir esse afundamento. Por outro, não posso deixar de assinalar o plano inclinado de muitas das medidas que foram tomadas, a favor dos grandes interesses que têm dominado a economia portuguesa. Financiar nesta fase empresas que ainda há poucos meses distribuíram dezenas de milhões de euros em dividendos não me parece ser o caminho. Neste momento, o Governo tem um Orçamento do Estado que, na fase da especialidade foi dotado de instrumentos e possibilidades que não dão nenhuma desculpa ao Governo para que não responda àquilo que neste momento é urgente: apoio às PME sem discriminações e com brevidade, particularmente nos setores mais atingidos, como a restauração; o apoio ao setor da cultura; o pagamento a 100% dos salários dos trabalhadores em lay-off; o apoio a quem não tenha base de subsistência e o prolongamento do subsídio de desemprego; o suplemento de risco; o reforço do SNS com meios e contratação de profissionais.
Neste momento é fundamental proteger o mercado interno, segurando os salários, o emprego e os rendimentos de grande parte da população. Reforçar o SNS – principal instrumento de combate à epidemia – e acelerar o processo de vacinação, diversificando se necessário os nossos fornecedores. E é preciso aprender com as lições desta epidemia também no que diz respeito à valorização dos trabalhadores, dos serviços públicos e da produção nacional.
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