Como não entregar a energia (renovável) ao populismo
Não se percebe que ao lado dos leilões se tenha desenhado outro procedimento, sem divulgação pública e conduzido de forma menos transparente, de obter capacidade de injetar energia elétrica na rede.
Ao longo da campanha presidencial percebemos que o crescimento do populismo passou a assumir um papel de destaque na agenda mediática portuguesa e, principalmente, no comentário político português. Mas, se assim é, o que é que explica o crescimento destes movimentos em Portugal, quando a comunicação social parece ter assumido como causa o combate ao populismo, ou pelo menos, o combate ao populismo de direita.
Os resultados das eleições presidenciais deste domingo, com André Ventura a obter um resultado que chega aos dois dígitos, revelam que o caminho seguido talvez não esteja a ser o mais eficaz.
Sobra, assim, olhar para as causas do populismo, sem nos limitarmos a fazer considerações genéricas sobre os esquecidos do capitalismo, e, olhar, também, para os terrenos onde ele é mais fértil. Um desses terrenos é, sem dúvida, como o demonstrou Trump, a luta contra as alterações climáticas e os meios de que dispomos para as combater, as energias renováveis.
Neste particular, compete aos atuais dirigentes perceber uma coisa fundamental: um setor com impacto direto no orçamento das pessoas e das empresas, cuja regulação e funcionamento são complexos, será sempre simplificado e, nessa simplificação, distorcido a favor da causa populista.
Este simples facto obriga a um esforço acrescido de fundamentação das decisões políticas e também de transparência nos procedimentos adotados.
Este governo deu boas mostras de estar comprometido com a ideia de transparência ao lançar os leilões de capacidade renovável, rompendo com as práticas anteriormente instituídas, organizando o processo de forma transparente e competitiva, publicando os documentos do procedimento, disponibilizando as deliberações do júri, bem como os resultados da licitação.
Concordando-se, ou não, com a escolha do modelo adotado (e existiam outros modelos que poderiam ser adotados) o resultado foi inaudito, tendo os preços obtidos nalguns lotes batido recordes mundiais para este setor.
Este tipo de procedimento esvazia os argumentos populistas, uma vez que permite que os preços sejam fixados em mercado, de forma altamente competitiva.
Assim, não se percebe que, ao lado deste procedimento dos leilões, se tenha desenhado um outro procedimento, sem a mesma divulgação pública, conduzido de forma bastante menos transparente, que permite, de forma alternativa aos leilões, obter capacidade de injetar energia elétrica na rede, com assunção, pelo requerente, dos encargos financeiros decorrentes da construção ou reforço da rede necessários para a receção da energia produzida pelo centro eletroprodutor. Estou-me a referir, naturalmente, aos acordos com os operadores de rede.
Com efeito, vemos que este procedimento dos acordos com os operadores de rede, regulado por uns Termos de Referência publicados no site da DGEG e ajustados, muitas vezes a destempo, através de esclarecimentos publicados no mesmo portal, não mereceu o mesmo cuidado que vimos ser dado aos leilões.
Na verdade, os requerentes foram, agora, notificados dos resultados individuais deste procedimento para se pronunciarem sobre os mesmos, sem disporem do mínimo de informação para aferir se a classificação que lhes foi atribuída é adequada, nomeadamente em comparação com os restantes pedidos, não conseguindo sequer apurar se os seus projetos terão, ou não, a possibilidade – e em que prazos – de seguir para fase dos estudos específicos.
A dualidade que vemos entre os dois procedimentos revela bem que é possível fazer melhor. E é neste melhor que está uma das formas mais evidentes de combater o populismo.
Se o populismo confunde falta de transparência com interesses particulares, nós não o fazemos, mas devemos sempre exigir mais e melhor.
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