Cimpas: Arbitragem privada de utilidade pública
Duarte Gorjão Henriques, presidente do CIMPAS, destaca o papel da arbitragem na resolução de litígios, mais rápida, mais barata e independente. Seguradoras perdem mais processos do que ganham.
Nos frequentes debates públicos que se têm desenrolado sobre a arbitragem, existem distintas abordagens que, sem serem adversárias umas das outras, têm, no entanto, um ponto em comum. Esse ponto é a natureza e fisionomia da arbitragem que, na sua essência, respeitam a um meio privado de resolução de litígios. Só que, enquanto alguns setores da nossa sociedade se colam a uma abordagem populista e frequentemente apoiada em críticas de índole política (apelidam-na, precisamente, de “justiça privada” ou “feita em gabinetes privados” para dirimir questões de interesse público), outros exageram as suas potencialidades como meio de evitar o recurso aos tribunais e pretendem, em comparação com o sistema judicial, que a mesma é mais rápida e menos onerosa.
Num mercado como o Português, estas visões não são necessariamente acertadas. Com efeito e desde logo, há litígios em que, muito embora possam estar envolvidos interesses públicos (como as concessões e grandes obras públicas), a proteção destes interesses é mais eficazmente salvaguardada numa arbitragem que num tribunal judicial. Bastará pensar na falta de tempo e de especialização que grassa em muitos tribunais, os quais podem sujeitar a colocação em funcionamento de serviços de primeira necessidade a verdadeiros labirintos processuais. Do outro lado do espetro, é por vezes avançado que a arbitragem é, em certas condições, mais expedita e menos dispendiosa que os tribunais judiciais (quando ultrapassada a fasquia dos 3 milhões de euros de valor de ação). A verdade é que estas visões esquecem que também os processos arbitrais podem sofrer atrasos e que as tabelas das custas judiciais são tendencialmente sujeitas a uma ponderação da complexidade da causa que pode levar à chamada “dispensa da conta” (o que, por conseguinte, não torna a arbitragem necessariamente menos dispendiosa).
Seja como for, em ambas as perspetivas, é comum enjeitarem-se as oportunidades de divulgação da verdadeira dimensão de um instrumento que tem uma faceta de prossecução de interesses públicos, pois pode contribuir para o descongestionamento do sistema judicial e providenciar uma resolução rápida e eficaz de litígios. Além de garantir o acesso à Justiça, este sistema de resolução de litígios mantém o seu cunho privatístico.
A arbitragem não tem necessariamente de estar desatenta à especialização e, em igual medida, à elevada qualidade do seu produto final (a sentença arbitral)
A arbitragem, sendo privada, porque tem por fonte um instrumento privado (um contrato), não tem necessariamente de esquecer a prossecução dos interesses públicos, em todas as suas dimensões, nomeadamente naquilo que representa o tempo e custo para obtenção de uma decisão em prazo razoável, com custo aceitável. A arbitragem, sendo moldada por padrões que apontam para estas “economias”, não tem necessariamente de estar desatenta à especialização e, em igual medida, à elevada qualidade do seu produto final (a sentença arbitral).
Dito de outra forma, é possível que a arbitragem possa resolver o dilema apresentado aos clientes de um sapateiro em Boston, quando este tinha um anúncio à porta do seu estabelecimento que dizia: “arranjam-se sapatos de forma boa, rápida e barata; escolha dois destes três.” Apesar de se dizer que a arbitragem enfrenta este dilema, é sempre possível encontrar casos que contradizem esta ideia e onde é possível descortinar uma combinação de todas aquelas qualidades do sapateiro.
O “CIMPAS” (“Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros”) é a expressão mais viva desta virtuosa combinação. Sendo uma entidade privada sem fins lucrativos, instituída por associações privadas (a saber, a Associação Portuguesa de Seguradores, a “DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor” e o “Automóvel Club de Portugal”), o “CIMPAS” tem como missão “disponibilizar vias de resolução alternativa de litígios emergentes da formação, execução e cessação de quaisquer contratos de seguros”. É por isso e justamente, o Centro de Arbitragem para a área da indústria seguradora.
Cabe agora demonstrar a afirmação daquele virtuosismo, o que, numa determinada perspetiva, se pode fazer em números. Chegaremos à conclusão que o CIMPAS é um poderoso “concorrente” do sistema judicial no que toca à resolução de litígios compreendidos dentro das suas competências. Segundo dados que nos foram gentilmente cedidos pela Direção Geral da Política de Justiça (uma palavra de agradecimento ao Exmo. Senhor Director Geral, Dr. Miguel Romão e sua equipa), todos relativos ao ano de 2019, existem três categorias de litígios que estão relacionados com a indústria seguradora.
Na primeira categoria, temos as “acções declarativas relativas a dívidas por prémios de seguro”, tendo o ano de 2019 registado uma entrada de 70 novos processos, tendo findado 68 processos e ficado pendentes 42 processos.
Na segunda, catalogada como “execuções por dívidas de prémio de seguro” (mas que muito provavelmente respeitam, ao invés, a acções de regresso das seguradoras contra segurados e terceiros), deram entrada 529 novos processos, findaram 1.165 e encontram-se pendentes 3.167.
Na última categoria – justamente aquela que é mais relevante para efeitos comparativos com a atividade desenvolvida pelo CIMPAS –, relativa a “ações declarativas por responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação”, conclui-se que entraram 3.758 novos processos, findaram 3.666 e encontram-se pendentes 4.726.
A duração média dos processos em tribunais judiciais que, por relação aos processos decorrentes de acidentes de viação, é de 17 meses (cerca de 510 dias), enquanto que no CIMPAS os processos têm uma duração média de 118 dias (cerca de 4 meses)
Por comparação, no ano de 2019, o CIMPAS registou a entrada de 3.508 novos processos, tendo sido concluídos neste ano 2.461 processos (sendo de registar que o encerramento de processos se pode dividir nos seguintes motivos: por prestação de informações — 166; por acordo em mediação — 210; por sentença arbitral —1.245; por desistência na arbitragem pelo demandante — 460; por recusa de adesão pela demandada — 380). Ficaram pendentes, transitando para 2020, 1.047 processos.
A primeira conclusão que se pode retirar desta comparação é que, por referência aos processos novos e concluídos no ano de 2019, a pendência (isto é, os processos que transitam de um ano para outro) nos tribunais judiciais é mais de quatro vezes superior àquela que se regista no CIMPAS. Seguramente que os resultados no sistema judicial estão influenciados pelo congestionamento que ocorre desde há anos a esta parte. Para tanto, basta atentar nos números relativos à duração média dos processos em tribunais judiciais que, por relação aos processos decorrentes de acidentes de viação, é de 17 meses (cerca de 510 dias), enquanto que no CIMPAS os processos têm uma duração média de 118 dias (cerca de 4 meses). Ainda assim, a diferença é assinalável.
A segunda conclusão está ligada ao facto de pouco mais de metade dos processos do CIMPAS serem encerrados em fase arbitral (quer com desistência, quer com sentença arbitral), o que indicia uma elevada taxa de resolução do litígio antes de sentença arbitral.
Finalmente, o volume de processos entrados numa e noutra “instância” são sensivelmente idênticos (3.758 processos judiciais contra 3.508 processos arbitrais), mas os resultados finais quanto ao tempo de duração dos mesmos não deixam qualquer dúvida sobre a maior eficiência do CIMPAS.
É também interessante dar nota de dois tipos de dados respeitantes aos processos entrados no CIMPAS. Por um lado, do total destes novos processos, 2.491 respeitam a contencioso automóvel (sendo que os processos decorrentes de seguros multirriscos são 343, responsabilidade civil geral 58, saúde 23, vida 13, acidentes de trabalho 6, acidentes pessoais 7, caução 3 e não especificados 102).
Por outro, existe um indicador que talvez seja o mais importante de todos os falados até aqui e que tem a ver com os resultados das decisões arbitrais. Explica-se essa relevância. Na verdade, uma das visões que se poderia criar de uma instituição arbitral instituída com a participação da indústria seguradora (através da Associação Portuguesa de Seguradores) é que o mesmo serviria para “dar razão às seguradoras”.
Porém, muito embora a razão que subjaz a este apoio por parte da “APS” esteja mais ligada, antes, ao facto de pretender dispor de um meio de resolução de litígios que atue rápida e eficazmente, de forma a diminuir o mais possível o impacto contabilístico das provisões matemáticas, o certo é que se verifica que das 1.245 decisões arbitrais proferidas em 2019, mais de metade redundou em decisão de “procedência” (205), “procedência parcial” (468) ou “transação” (259) e só 264 resultaram em ações “improcedentes”. Isto é, visto pelo prisma das seguradoras, estas só saíram “vencedoras” em apenas 264 do total de 1.245 sentenças (sendo que ainda houve a registar 49 processos em que se produziu uma absolvição da instância).
Estes números são seguramente muito relevantes para se aferir da credibilidade do Centro de Arbitragem e da neutralidade dos decisores (árbitros) na resolução dos processos que são conduzidos sob a sua égide.
Resta falar nos custos médios dos processos para os demandantes, os quais variam entre 70 euros e 750 euros.
Em suma, podemos constatar que o sistema de arbitragem do CIMPAS é um fator de extrema relevância para o alívio do “congestionamento” processual que se verifica nos tribunais judiciais, dispondo de um método simples, rápido, eficaz, não dispendioso e absolutamente neutro e credível. É um método que assegura de forma bastante relevante o direito de acesso à Justiça, garantindo às partes o direito ao “seu dia em tribunal”.
O CIMPAS está preparado para alargar os seus horizontes de intervenção, chegando a áreas bastante relevantes do nosso sistema judicial, como são os grandes riscos de seguros e os seguros de acidentes de trabalho. No entanto, este será tema para outra ocasião.
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